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OS VALORES DAS CONQUISTAS

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 150-159)

A CONQUI STA DA LI BERDADE

3.2 OS VALORES DAS CONQUISTAS

Os r egi st r os de car t as de Li ber dade de Jacobi na apr esent ar am um conj unt o de 502 pessoas conqui st ando sua l i ber dade das mai s var i adas f or mas, ent r e 1807 e 1887. Os det al hes sobr e as pessoas envol vi das nest as car t as são poucos e espar sos, assi m como as qual i f i cações apr esent am desaf i os met odol ógi cos par a o pesqui sador envol vi do com est e conj unt o. Opt ei por t r abal har com as cl assi f i cações apr esent adas nos document os, i ncl usi ve mant endo a gr af i a, quest i onando- os na medi da do possí vel .

O car át er de concessão f ei t a pel o senhor da car t a de al f or r i a f oi cont est ado por pesqui sas especí f i cas com esse t i po de f ont e. Eni del ce Ber t i n chama a at enção:

Os escr avos conheci am os mei os de obt er a l i ber dade e, quando podi am, os usavam, embor a nos document os

i sso desapaeça par a apenas se enal t ecer a at i t udo dadi vosa dos senhor es.17

Por exempl o: o conj unt o apr esent a al guns r egi st r os de pessoas, que possi bi l i t a saber sua or i gem. Apar ecem expl i ci t ament e gr af ados af r i canos de vár i as par t es do cont i nent e: Angol a, Auça, Gege, Mi na e Ussa ( Haussá) .

Também apar ecem r egi st r os com qual i f i cações sabi dament e ut i l i zadas par a desi gnar escr avi zados nasci dos no Br asi l , cl assi f i cação conf i r mada pel a i dade, pai s conheci dos ou out r as i nf or mações no pr ópr i o r egi st r o, t ai s como cabr a, cr i oul o, par do e mul at o.

A qual i f i cação de uma mesma pessoa di f er e em r egi st r os di f er ent es, denunci ando uma f al t a de padr oni zação par a o ser t ão.

Gui l her mi na é qual i f i cada como f usca e do ser vi ço de l avour a no r egi st r o de sua car t a de l i ber dade18, e, na par t i l ha

ami gável de José Mar ques de Car val ho19, f oi r egi st r ada como

cabr a. Est evão f oi compr ado por Just i ni ano César Jacobi na, em 18 de novembr o de 1858, como cabr a e f oi r evendi do par a Her cul ano José Al mei da, em 21 de mai o de 1859, como par do20.

17 BERTI N, Eni del ce. Al f or r i as na São Paul o do sécul o XI X: l i ber dade

e domi nação. São Paul o: Humani t as: FFLCH/ USP, 2004. p. 35.

18 APEBA, Seção: Judi ci ár i a, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 35, p.

46.

19 APEBA, Seção: Judi ci ár i a, I nvent ár i os, Par t i l ha Ami gável : Manuel

Jose Mar ques, r ef . 02/ 619/ 1073/ 13.

20 APEBA, Seção: Judi ci ár i a, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 25a, p.

Exi st e uma pequena quant i dade de r egi st r os qual i f i cando os l i ber t andos pel a or i gem e cor . A mai or quant i dade é de mul at os par dos, apar ecendo em vi nt e r egi st r os, apar ecer am t ambém gr af ados nos r egi st r os cr i oul o cabr a, cr i oul o pr et o, mest i ço cabr a.

A pequena quant i dade de r egi st r os cont endo or i gem e cor possi bi l i t ou pensar na exi st ênci a de uma f or t e acent uação das mai or es car act er í st i cas como dí st i co da pessoa qual i f i cada. Ou sej a, os de or i gem conheci da f or am qual i f i cados, quase excl usi vament e, por est a mar ca car act er í st i ca de i dent i dade, chamada no sécul o XI X de nação, como, por exempl o, as vár i as desi gnações de r egi ões de capt ur a e/ ou expor t ação, na Áf r i ca.

Ent r e os nasci dos no Br asi l , a mai or par cel a f oi qual i f i cada como cr i oul o, apar ecendo em uma quant i dade mui t o gr ande de r egi st r os, 109, cor r espondendo a 21, 71% do t ot al . Também apar ecer am r egi st r os paut ando a qual i f i cação na escal a de cor es nor mal ment e ut i l i zada par a os af r odescendent es, mas podendo i ndi car t ambém uma mi st ur a de out r os i ngr edi ent es.

Exi st em al guns t r abal hos sobr e o Sudest e, especi al ment e nas zonas caf eei r as, l evando em consi der ação as desi gnações de mul at o, par do e cr i oul o. Em al guns del es, as pesqui sas obser vam, nest as qual i f i cações, i ndí ci o de dí st i cos do gr au de mest i çagem, de quant as ger ações a pessoa est ava di st ant e da

Áf r i ca, o gr au de br asi l i dade ou a quant as ger ações conqui st ou sua l i ber dade 21.

Na car t a r egi st r ada em 16 de novembr o de 1825, Lui z Cor r ei a de 16 anos f oi qual i f i cado como cabr i nha, sua mãe Angél i ca er a de Angol a, mui t o pr ovavel ment e ser i a qual i f i cada como pr et a, mas i st o não apar ece no r egi st r o22. De Angol a

t ambém er a Anna, mãe de Ur sul a, mul at i nha de 3 anos, com car t a de l i ber dade r egi st r ada em 07 de j anei r o de 185123.

No r egi st r o de 03 de novembr o de 1818, apar ece Mar i a, mul at i nha, f i l ha de Ant oni a, cabr a24. O mesmo padr ão

apr esent ado no r egi st r o de 15 de f ever ei r o de 1819, assi nal ando a conqui st a de l i ber dade de Fr anci sco, mul at i nho, f i l ho de Mar i a, cabr a25. Também no r egi st r o de 11 de abr i l de

1832 de Fel í ci o, mul at i nho, de 5 par a 6 anos, f i l ho de Thomazi a, qual i f i cada como cabr a26. E ai nda no r egi st r o de 06

de dezembr o de 1859 de Mar i a, mul at i nha, f i l ha de Mar i a, cl assi f i cada como cabr a27.

21 MATTOS, Hebe Mar i a. Das cor es do si l ênci o: os si gni f i cados da

l i ber dade no Sudoest e escr avi st a, Br asi l Sécul o XI X. Ri o de Janei r o: Nova Fr ont ei r a, 1998. p. 94.

22 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 4, p.

49v.

23 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 21, p.

25v.

24 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 3, p.

67.

25 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 3, p.

69v.

26 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 7, p.

93.

27 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 26, p.

Al gumas vezes, a mesma qual i f i cação da mãe f oi r epet i da par a seu f i l ho, como no r egi st r o de 27 de out ubr o de 1825 de I zabel , cr i oul i nha de 10 anos, e de sua mãe Anna, cr i oul a28, ou

ai nda de Zachar i as, mul at i nho, f i l ho de Ri t t a, mul at a29. Devi do

ao pequeno vol ume de r egi st r os t r azendo a qual i f i cação das mães e f i l hos, não f oi possí vel t r i l har est e cami nho e f azer out r as asser t i vas, no sent i do de desvendar os padr ões de qual i f i cação no quesi t o cor , sobr e as pessoas que conqui st ar am sua l i ber dade em Jacobi na.

Nos r egi st r os de compr as, vendas e doações, j á ci t ados ant er i or ment e, t ambém não f oi possí vel f azer qual quer af i r mação sobr e esses i ndí ci os de pr oxi mi dade e di st ânci a da Áf r i ca, poi s, segui ndo a met odol ogi a ut i l i zada pel os t r abal hos da Regi ão Sudest e, em t odos os desi gnat i vos de cor f or am encont r adas mães escr avas, soment e em um r egi st r o de cr i ança cr i oul a f oi menci onada a exi st ênci a de mãe l i ber t a, mas em nenhum dos r egi st r os f oi apont ada a qual i f i cação da mãe, nem com r ef er ênci a à or i gem, t ampouco de cor .

Vol t ando ao conj unt o das car t as de l i ber dade de Jacobi na, set ent a e nove ( 15, 74%) pessoas não f or am qual i f i cadas nem no quesi t o cor , nem no quesi t o or i gem. Cent o e novent a e uma pessoas ( 38, 05%) apr esent ar am r egi st r a da a or i gem,

28 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 5, p.

94v.

29 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 7, p.

consi der ando cr i oul o e mul at o como or i gem. Cent o e novent a e oi t o ( 39, 44%) f or am r egi st r adas soment e com cor , enquant o t r i nt a e t r ês pessoas ( 6, 77%) apr esent ar am or i gem e cor .

Ent r e qual i f i cados com as vár i as cor es ut i l i zadas par a os af r o- br asi l ei r os, os par dos t i ver am uma gr ande r epr esent ação ent r e os l i ber t andos, sendo novent a e oi t o que cor r esponde a 42, 24% do gr upo com cor e 19, 52% do t ot al de r egi st r os de pessoas. Mas os cabr as, cent o e sei s i ndi ví duos, f or am a mai or par cel a r epr esent ando 45, 69% dos r egi st r os com cor 21, 11% do t ot al dos r egi st r os.

Os pr et os, ou vi nt e e uma pessoas, r epr esent ar am soment e 9, 05% dos qual i f i cados com cor , 4, 18% do t ot al ger al . Out r as cor es apar ecem t ambém nesse ar co- í r i s como par da t r i guei r a, f usca e cabr a cl ar o, por ém sem expr essão no quadr o ger al 30.

As or i gens das pessoas que buscam a l i ber dade são t ambém di ver si f i cadas, apar ecendo mui t as possi bi l i dades de qual i f i cação nos r egi st r os. Os naci onai s f or mam mai or i a, e os cr i oul os, ent r e est e gr upo de naci onai s, f or am cent o e onze equi val endo a 49, 33% dos r egi st r os com or i gem decl ar ada e a 22, 11% do t ot al , segui do dos mul at os, com set ent a e set e, cor r espondendo a 34, 22% dos r egi st r os cont endo or i gem e a 15, 34% do t ot al ger al .

30 As por cent agens dest e par ágr af o são do t ot al de r egi st r os com cor ,

ou sej a or i gem e cor somado, per f azendo um t ot al de 232 ( duzent os e t r i nt a e doi s i ndi ví duos) .

Somando esses aos r egi st r os dos escr avi zados qual i f i cados no quesi t o cor , mas sem dúvi da br asi l ei r os, como os par dos 98 ( 19, 52%) e cabr as 106 ( 21, 11%) , f oi obt i do um t ot al de 78, 08% de t odos os r egi st r os, um númer o bast ant e expr essi vo par a os br asi l ei r os, em det r i ment o dos af r i canos.

Apenas t r i nt a e sei s af r i canos, conqui st ar am sua l i ber dade, o que cor r esponde a 16% dos r egi st r os com cor e 7, 17% do t ot al ger al . Ent r e esse gr upo, os qual i f i cados gener i cament e de “ af r i cano” f or am dezesset e r egi st r os, equi val endo a 7, 55% dos qual i f i cados com or i gem e 3, 39% do t ot al .

Ut i l i zando novament e, como t er mo de compar ação, as pesqui sas de Mar i a José de Souza Andr ade31, exi st e uma

di spar i dade mui t o gr ande com r el ação à composi ção da popul ação de escr avi zados em Sal vador e no ser t ão bai ano. Em Sal vador , os af r i canos são mai or i a na t ot al i dade do per í odo compr eendi do ent r e 1811 e 1888, por ém t endo um decr ésci mo popul aci onal após 1850, gr aças à pr oi bi ção do t r áf i co i nt er naci onal .

Nos r egi st r os sobr e Jacobi na, el es não apar ecem com pr esença t ão mar cant e. Tant o nas Car t as de Li ber dade como nos Regi st r os de Compr a, Venda e Doação, el es apr esent am- se em númer os mui t o i nf er i or es ao de naci onai s.

O f at o de Andr ade ut i l i zar como base de dados os r egi st r os de t est ament os e eu est ar ut i l i zando os r egi st r os de

not as pode t er ocasi onado essa di scr epânci a, por ém em out r os conj unt os de f ont es t ambém os af r i canos f i gur am como mi nor i a, ou nem apar ecem.

Cont i nuando com os i ndí ci os encont r ados nas Car t as de Li ber dade de Jacobi na, obser vou- se que as mul her es f or am mai or i a absol ut a, r epr esent ando 59, 36%, equi val endo a duzent os e novent a e oi t o pessoas a conqui st ar em a l i ber dade ent r e 1807 e 1887, mas não são t ant as como nos r egi st r os de Mor r o do Chapéu.

Quant o às f or mas de conqui st a da l i ber dade, est a f oi paga em cent o e novent a r egi st r os ( 37, 84%) . Ci t ando como mot i vo o amor do senhor pel o ex- escr avi zado ou por t ê- l o cr i ado como f i l ho, f or am cent o e onze pessoas ( 22, 11%) . Ent r e est as, quat r o er am af r i canos, r epr esent ando 11, 11% do t ot al do seu gr upo. As car t as de l i ber dade não ci t ando mot i vos r epr esent am 16, 93%, cor r espondendo a oi t ent a e ci nco casos.32

Exi st em ai nda dezoi t o ( 3, 58%) , r egi st r os onde as conqui st as f or am pagas, mas t ambém r evel am o amor ou os bons ser vi ços. Mot i vos de f é espi r i t ual t ambém f or am ci t ados, t ai s como “ Por Amor de Deus” ou “ Por esmol a” apar ecendo em vi nt e e um casos ( 4, 19%) ; e ai nda mot i vos menos expr essi vos, no t ot al ger al r epr esent ando, somados, vi nt e e quat r o r egi st r os ( 4, 78%) .

Quant o às condi ções das l i ber t ações expr essas nos r egi st r os das Car t as de Li ber dade, em duzent as e novent a e

t r ês ( 58, 37%) r egi st r os não exi st e nenhuma cl áusul a i mpost a par a a conqui st a da l i ber dade. Em cent o e set ent a e quat r o ( 34, 66%) r egi st r os exi st e a condi ção de ser vi r ao senhor ou out r a pessoa. Out r as condi ções i mpost as r epr esent am apenas 6, 97%, cor r espondendo a t r i nt a e ci nco dos r egi st r os.

Cr uzando os dados de i mposi ção de condi ção com os mot i vos expr essos, f or am obt i dos dados pr óxi mos dos j á apr esent ados nos est udos sobr e l i ber dade de escr avi zados, como, por exempl o: a mai or i a dos r egi st r os apr esent ando condi ção de ser vi dão e ci t ando como mot i vo da l i ber t ação o amor de cr i ação f oi conqui st ado por meni nos ( 17) ; segui do de mul her es ( 16) , meni nas ( 12) e homens ( 11) , t ambém apar ecem adol escent es ( t r ês) e i dosos ( doi s homens e t r ês mul her es) .

As mul her es f or am mai or i a no gr upo com cl áusul a de ser vi r , mas não expr essos os mot i vos ( 21) , segui das das meni nas ( 10) , dos homens ( 7) , meni nos ( 6) e adol escent es ( 3 meni nos e 1 meni na) . São t ambém mai or i a ( 58) mul her es, no gr upo que conqui st a a l i ber dade medi ant e pagament o de al guma quant i a, mas sem cl áusul a de ser vi dão; mas f or am segui das de per t o pel os homens ( 55) . As meni nas ( 17) , as i dosas ( dez) , os meni nos ( nove) , os i dosos ( ci nco) e doi s adol escent es, um de cada sexo, t ambém pagar am por sua l i ber dade.

O gr upo em conqui st a de sua l i ber dade, mas t endo cl áusul a de ser vi r , f or am sei s pessoas t odas do sexo mascul i no sendo t r ês adul t os, um adol escent e e doi s meni nos. No gr upo com condi ção de ser vi r cuj o mot i vo da l i ber dade expr esso na car t a er am os bons ser vi ços, chamou a at enção o númer o de mul her es

adul t as, 25 de um t ot al de 41. Al i as, em quase t odos os gr upos, as mul her es adul t as apar ecer am em mai or númer o.

Ent r e os i dent i f i cados como af r i canos, 35 conqui st ar am sua l i ber dade, 16 homens e 19 mul her es. Doze ( 34, 28%) t i ver am cl áusul a de ser vi dão at é a mor t e do senhor ou out r a pessoa, sendo oi t o homens. Dezoi t o ( 51, 43%) pagar am al gum val or par a conqui st a de sua l i ber dade, sendo dez mul her es e oi t o homens.

Os val or es pagos por esses af r i canos podem aj udar a ent ender essa quí mi ca da f or mação do pr eço par a a conqui st a da l i ber dade, cr uzando com os mot i vos da l i ber t ação expr essos nas Car t as de Li ber dade. I st o possi bi l i t ou desvendar out r as coi sas expr essas nas car t as, al ém da l et r a mor t a de sua r edação.

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 150-159)