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OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX

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OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA)

NO SÉCULO XIX

DOUTORADO: HISTÓRIA SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

(2)

RAPHAEL RODRIGUES VIEIRA FILHO

OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA)

NO SÉCULO XIX

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de

DOUTOR EM HISTÓRIA SOCIAL sob a orientação da Professora Doutora Márcia Barbosa Mansor D’Aléssio.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

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Aos meus pai s Raphael e I zabel , pel a vi da.

A Edi nei de, meu gr ande amor e mi nha vi da, pel o amor , car i nho e cui dado de t odas as hor as.

Aos meus pai s bai anos, José Cuper t i no e Edna, pel o apoi o.

A mi nha i r mã Cândi da, pel o i ncent i vo.

(5)

AGRADECIMENTOS

Em pr i mei r o l ugar , a Deus.

A concr et i zação dest e sonho só f oi possí vel gr aças à col abor ação de mui t as pessoas às quai s agr adeço, nest e moment o:

À Pr ofa. Dra. Már ci a Mansor D’ Al éssi o, por t er acei t o a

or i ent ação nest a r et a f i nal .

À Pr ofa. Dra. Mar i a Odi l a Lei t e da Si l va Di as, pel a or i ent ação

do pr i ncí pi o dest a pesqui sa, col abor ando sobr emanei r a par a o r esul t ado f i nal do t r abal ho.

Aos pr of essor es do pr ogr ama de Hi st ór i a da PUCSP e col egas do cur so de Pós- Gr aduação, aj udando com suas aul as e sugest ões não apenas meu amadur eci ment o i nt el ect ual , mas t ambém o apr of undament o no t ema escol hi do. A Bet i nha, secr et ár i a do pr ogr ama de Hi st ór i a, pel a col abor ação nos vár i os moment os.

Aos Pr of s. Dr s. Jai me Rodr i gues e Eni o José da Cost a Br i t o, pel as val i osas sugest ões f ei t as na qual i f i cação. E t ambém ao Pr of . Dr . Paul i no de Jesus Car doso, ao Pr of . Lui z Henr i que Bl ume e à Pr of a. Vani cl éi a Si l va Sant os, pel a l ei t ur a at ent a das pr i mei r as ver sões dos t ext os e di scussões em t or no dos pr i nci pai s pr obl emas, cont r i bui ndo par a a mel hor a da ver são f i nal dest a t ese.

Aos bi bl i ot ecár i os, f unci onár i os e demai s pesqui sador es das i númer as i nst i t ui ções em que pesqui sei , pr i nci pal ment e aos do Ar qui vo Públ i co de Sal vador , Bahi a, com os quai s convi vi e de quem r ecebi a col abor ação, t or nando agr adável o ár duo t r abal ho de pesqui sa.

Aos bol si st as e vol unt ár i os que t r abal har am nest a pesqui sa, especi al ment e: Cl ar a e Lí l i an, no APEBA; Fabr í ci a, em Mor r o do Chapéu; St hel , em vár i os ar qui vos da r egi ão de Jacobi na; e Laur o e Renoi r , na el abor ação e di gi t ação dos bancos de dados.

A Edi nei de, por t udo.

(6)

RESUMO

(7)

ABSTRACT

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LISTA DE QUADROS

Quadr o 1 – Mapa da pr odução da Comar ca da Jacobi na – 1850 . . . 90

Quadr o 2 – Popul ação de Jacobi na por Fr eguesi a ( 1770- 1774) . . 95

Quadr o 3 – Mapa do Muni cí pi o, Di st r i t os de Paz e os r espect i vos Quar t ei r ões e dos Habi t ant es dest a Comar ca de St o. Ant oni o de Jacobi na – 1836 . . . 96

Quadr o 4 - Mapa descr i t i vo do Muni cí pi o de Jacobi na . . . 100

Quadr o 5 – Pr ocessos Cr i me de Jacobi na deposi t ados no APEBA 102

Quadr o 6 – Envol vi dos Qual i f i cados por Pr ocesso . . . 103

Quadr o 7 – Or i gem, Cor e Sexo - Regi st r o de Compr as, Vendas e Doações – Jacobi na ( 1808- 1885) . . . 108

Quadr o 8 – Regi st r os de Compr as, Vendas e Doações de Escr avi zados – Por f ai xa et ár i a - Jacobi na ( 1808- 1885) . . . 110

Quadr o 9 – Númer o t ot al de escr avi zados envol vi dos em pr ocur ações ( 1875- 1887) . . . 127

Quadr o 10 – Pr ocur ações out or gadas por l ocal de poder es concedi dos ( 1875- 1887) . . . 129

(9)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAPEBA Anai s do Ar qui vo Públ i co do Est ado da Bahi a

AAPEBA Annaes do Ar chi vo Publ i co do Est ado da Bahi a

APEBA Ar qui vo Públ i co do Est ado da Bahi a

AN Ar qui vo Naci onal

ABN Annaes Bi bl i ot eca Naci onal

BCEB Bi bl i ot eca Cent r al do Est ado da Bahi a

BN Bi bl i ot eca Naci onal

DHBN Document os Hi st or i cos da Bi bl i ot heca Naci onal

(10)

APRESENTAÇÃO . . . 11

1 – APROPRI AÇÃO DO TERRI TÓRI O: OS NEGROS E A COLONI ZAÇÃO DA REGI ÃO DE JACOBI NA . . . 37

1. 1 – A I mpl ant ação da Col oni zação na r egi ão de Jacobi na . . 44

1. 2 – Cont est ações e Resi st ênci a . . . 57

2 – JACOBI NA: POPULAÇÃO E NEGROS NO SÉCULO XI X. . . 84

2. 1 – Númer os da escr avi zação em Jacobi na . . . 105

2. 2 – O Tr áf i co nas pr ocur ações . . . 126

3 – A CONQUI STA DA LI BERDADE. . . 138

3. 1 – Poucos r egi st r os, mui t as Hi st ór i as . . . 142

3. 2 – Os val or es das Conqui st as . . . 150

3. 3 – A Expr essão dos Val or es das Car t as de Li ber dade . . . . 159

3. 4 – Out r os Val or es Envol vi dos . . . 169

4 – AS AUTONOMI AS POSSÍ VEI S. . . 176

4. 1 – Ecl osão da Rai va . . . 179

4. 2 – Exper i ênci a Comer ci al . . . 186

4. 3 – Vont ades, Sent i ment os e Sof r i ment os . . . 194

5 – CONSI DERAÇÕES FI NAI S. . . 207

6 – FONTES E REFERÊNCI AS. . . 212

6. 1 – Font es . . . 213

6. 2 – Ref er ênci as . . . 217

(11)
(12)

APRESENTAÇÃO

Quando se chega a Jacobi na, a pr i mei r a i mpr essão é de se est ar em uma ci dade bast ant e ant i ga com seus casar ões e i gr ej as a dar cor às pequenas e est r ei t as r uas cal çadas de pedr as. Est as mesmas r uas, ao ser pent ear os mor r os, abr i gam casas cada vez menor es e se equi l i br ando nas encost as, denot ando um núcl eo ur bano ant i go e desi gual .

Acabar a há pouco t empo uma pesqui sa sobr e a const r ução da i dent i dade dos af r o- br asi l ei r os de Sal vador vi st a at r avés da f est a do car naval e pr ocur ava por t i pos de mani f est ações cul t ur ai s em Jacobi na1. Buscava novos t emas, mas não f ugi ndo do obj et o pr ef er enci al de mi nhas pesqui sas: os af r odescendent es e seu cot i di ano de f est as e l ut as.

Em conver sas com col egas pr of essor es mai s ant i gos do Campus I V Jacobi na da Uni ver si dade do Est ado da Bahi a, er a desest i mul ado a t r abal har com esse t ema, poi s af i r mavam exi st i r em poucos af r odescendent es na ci dade, sendo sua úni ca

1 VI EI RA FI LHO, Raphael Rodr i gues. A r e- af r i cani zação do Car naval de

(13)

expr essão a “ Mar uj ada”2, e at é mesmo est a br i ncadei r a est ava desar t i cul ada, sem uma sede f i xa e com pr obl emas par a suas apr esent ações anuai s. Uma per gunt a f i cou l at ent e em mi m: por que havi a poucos af r odescendent es na ci dade? Ou por que t odos acr edi t avam exi st i r em poucos af r odescendent es na ci dade?

A segr egação espaci al em Jacobi na f oi const r uí da ao l ongo dos vár i os sécul os de ocupação ur bana, dei xando sempr e os pi or es l ugar es às popul ações empobr eci das e sem pr est í gi o soci al , const i t uí da em sua gr ande mai or i a de

af r odescendent es3, al go comum nas ci dades br asi l ei r as. Por ém a si ngul ar i dade r esi de na obj eção da pr ópr i a exi st ênci a dest a par cel a da popul ação, decor r endo daí t oda uma sér i e de desat endi ment os como: l ocai s pr ópr i os par a mor adi a, saneament o bási co, educação, post os de t r abal ho, et c.

Ao se andar pel a ci dade, f i ca pat ent e uma di ver si dade de ocupação ur bana, capt ada pel o est r anhament o de um ol har vi ndo de f or a, poi s os habi t ant es l ocai s, e pr i nci pal ment e as el i t es, j á havi am i ncor por ado e i nt er nal i zado est a cont r adi ção, t or nando- a nat ur al i zada. Se er a r ef ut ada a pr esença dessa popul ação negr a na ci dade, mai s ai nda sua

2 Mani f est ação popul ar de or i gem br asi l ei r a com f or t es i nf l uênci as

eur opéi a e af r i cana, na ci dade de Jacobi na, cel ebr ada e f oment ada por t r ês f amí l i as de negr os, desde o sécul o XI X. Par a mai or es i nf or mações, ver MI RANDA, Car mél i a Apar eci da. Um ol har sobr e a Fest a da Mar uj ada em Jacobi na. 1999. 176 f . Di sser t ação ( Mest r ado em Hi st ór i a Soci al ) - PUCSP, São Paul o, 1999.

3 O concei t o ‘ af r odescendent e’ ser á ut i l i zado nest e t r abal ho em

(14)

cont r i bui ção na const r ução soci oeconômi ca e at é mesmo do núcl eo ur bano j acobi nense.

Aqui cabe uma pequena expl i cação: sou paul i st ano, nasci do na per i f er i a, e mi gr ant e i nst al ado, naquel e moment o, havi a doi s anos em Sal vador . Concur sado par a l eci onar Met odol ogi a do Ensi no e da Pesqui sa em Hi st ór i a, nunca havi a est ado na r egi ão par a onde f ui desi gnado. Nas vi agens par a f or a de Sal vador , t i nha i do par a o l i t or al , ou no máxi mo par a Ser r i nha, r egi ão si sal ei r a, di st ant e mai s ou menos 180 qui l ômet r os da capi t al

bai ana.

Nas r uas est r ei t as do cent r o ou no Campus da UNEB, obser vavam- se pessoas com f ei ções mest i ças, denunci ando a descendênci a eur opéi a pel os ol hos cl ar os, pel e quei mada pel o sol i ncl ement e do ser t ão; al gumas com t r aços car act er í st i cos das mi sci genações com i ndí genas, cabel os negr os, mui t o l i sos e ol hos amendoados; encont r ava t ambém af r odescendent es, mas poucos, pouquí ssi mos, podendo ser cl assi f i cados pel o senso comum de pr et os.

Nas r uas mai s í ngr emes, nos bai r r os mai s af ast ados e nos di as de f ei r a, sext a e sábado, os per sonagens er am di f er ent es e as f ei ções mai s br onzeadas, acobr eadas, amor enadas e out r as expr essões cunhadas ao l ongo dos anos par a f ugi r do pr econcei t o r aci al , e denot ando uma popul ação pr edomi nant e de af r odescendent es.

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par t i da segui nt e pr emi ssa, pr esent e na hi st or i ogr af i a t r adi ci onal : onde houve expl or ação de our o ou qual quer t i po de mi ner ação dever i a t er havi do pessoas escr avi zadas, poi s de acor do com Or dem Régi a do per í odo col oni al , par a est abel ecer -se, o mi ner ador dever i a pr ovar t er di sponí vel doze escr avos.

Aqui cabe uma pequena expl i cação. Ut i l i zo a expr essão

escr avi zado par a dar uma conot ação hi st ór i ca, pessoal e humana aos homens e mul her es, poi s só a pal avr a escr avo não t em t al abr angênci a. Al ém di sso, o t er mo escr avi zado pr essupõe uma i déi a de movi ment o escr avi zado x escr avi zador - di f er ent e do t er mo j á cr i st al i zado e nat ur al i zado - escr avo. 4

As l ei t ur as post er i or es, pr i nci pal ment e sobr e Mi nas Ger ai s5 e sobr e a I l ha de Dest er r o6, subver t em esse pensament o,

4 Jai me Rodr i gues ut i l i za o t er mo escr avi zado par a desi gnar a

exper i ênci a do t r áf i co i mpost a aos af r i canos capt ur ados at é seu embar que, passando de t r af i cant e a t r af i cant e. ( RODRI GUES, Jai me. De cost a a cost a: escr avos, mar i nhei r os e i nt er medi ár i os do t r áf i co negr ei r o de Angol a ao Ri o de Janei r o ( 1780- 1860) . São Paul o: Ci a. das Let r as, 2005. Especi al ment e Par t e I ) .

5 Ver pr i nci pal ment e SLENES, Rober t . Os múl t i pl os de por cos e

di amant es: a economi a escr ava de Mi nas Ger ai s no sécul o XI . Est udos Econômi cos, São Paul o, v. 18, n. 3, p. 449- 495, 1988; GUI MARÃES, Car l os Magno; REI S, Li ana Mar i a. Agr i cul t ur a e escr avi dão em Mi nas Ger ai s ( 1700/ 1750) . Revi st a do Depar t ament o de Hi st ór i a – FAFI CH/ UFMG, Bel o Hor i zont e, n. 1( 2) , p. 85- 99, j un. 1986; I RVI N, James R. . Escr avi dão e t r abal ho em si st ema de pl ant at i on. Revi st a do Depar t ament o de Hi st ór i a – FAFI CH/ UFMG, Bel o Hor i zont e, n. 6, p. 5-14, j ul . 1988; SI LVA, Ver a Al i ce Car doso. Da bat ei a à enxada: aspect os do si st ema ser vi l e da economi a mi nei r a em per spect i va, 1800- 1870. Revi st a do Depar t ament o de Hi st ór i a – FAFI CH/ UFMG, Bel o Hor i zont e, n. 6, 47- 68, j ul . 1988; CAMBRAI A, Ri car do de Bast os; MENDES, Fábi o Far i a. A col oni zação dos ser t ões do l est e mi nei r o: pol í t i cas de ocupação t er r i t or i al num r egi me escr avi st a ( 1780- 1836) . Revi st a do Depar t ament o de Hi st ór i a – FAFI CH/ UFMG, Bel o Hor i zont e, n. 6, p. 137- 150, j ul . 1988.

6 Paul i no Car doso é um dos i ncent i vador es desses t r abal hos. CARDOSO,

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poi s est a bi bl i ogr af i a, mai s at ual i zada e embasada em pesqui sas empí r i cas bast ant e sól i das, most r a nas ár eas dest i nadas à agr i cul t ur a e à pecuár i a, não di r et ament e l i gadas à pr odução par a expor t ação, um consi der ável númer o de pessoas escr avi zadas e mui t as vezes super i or ao númer o de escr avi zados empr egados na mi ner ação.

Sl enes, anal i sando a obr a de Mar t i ns Fi l ho e Mar t i ns, concor da com el es quant o ao aument o do númer o de escr avi zados em Mi nas Ger ai s em meados do sécul o XI X, por ém di f er em nas

expl i cações sobr e os mot i vos desse i ncr ement o.7 Par a os Mar t i ns, a economi a mi nei r a do sécul o XI X est ava vol t ada par a o consumo l ocal , e t ambém havi a mui t a t er r a e poucos habi t ant es, desest i mul ando o mer cado de mão- de- obr a l i vr e, f or çando os senhor es à dependênci a de t r abal hador es escr avos. Par a Sl enes, doi s f at or es f or am deci si vos par a o aument o do númer o de escr avos:

1) a exi st ênci a em Mi nas de uma economi a ext r at i va

e agr opecuár i a si gni f i cat i va, or i ent ada par a

mer cados f or a da pr oví nci a [ . . . ] ; 2) o al t o pr eço

de pr odut os i mpor t ados par a Mi nas.8

Nest e pr i mei r o moment o de pr ocur a por um t ema, mi nhas l ei t ur as r esumi am- se aos cl ássi cos e aos cor ógr af os l ocai s.

PENNA, Cl ement e Gent i l . Escr avi dão, l i ber dade e os ar r anj os de t r abal ho na I l ha de Sant a Cat ar i na nas úl t i mas décadas de escr avi dão ( 1850- 1888) . 2005, 153 f . Di sser t ação ( Mest r ado em Hi st ór i a) - UFSC, Fl or i anópol i s, 2005.

7 SLENES, R. Os múl t i pl os de por cos. . . , op. ci t , p. 448.

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Por ém um quest i onament o per maneci a: – De onde vi er am t odas essas pessoas negr as? Poi s nas obr as l i das el es não apar eci am.

Uma hi pót ese er a a vi nda dessa popul ação, em moment o post er i or à abol i ção ou às suas vésper as, com o advent o da Companhi a de Mi ner ação de Jacobi na, f undada em 1887 e exi bi ndo gl or i osa a f ama de empr egar soment e t r abal hador es l i vr es, desde sua f undação. Mas i st o não expl i car i a t oda a excl usão at ual e a i nvi si bi l i dade i mpost a a est a f r ação si gni f i cat i va da popul ação.

I ni ci ei a const r ução de um novo t r abal ho de pesqui sa com o pr oj et o: “ A ci dade como espaço da di ver si dade cul t ur al ” , cuj o obj et i vo er a ver i f i car como a di ver si dade e as cont r adi ções vi st as na or gani zação espaci al e nas r uas, pr i nci pal ment e nos di as de f ei r a, f or am const r uí das. Nest e mesmo semest r e, comecei a l eci onar a di sci pl i na Hi st ór i a da Bahi a.

Na di sci pl i na, l emos e f i chamos uma sér i e de t r abal hos cuj o t ema pr i nci pal er a o ser t ão bai ano. Fal o no pl ur al poi s est e t r abal ho f oi r eal i zado ao l ongo de quat r o meses com al unos nas di sci pl i nas de Hi st ór i a da Bahi a I e Hi st ór i a da Bahi a I I , e t ambém al unos vol unt ár i os di spost os a conhecer um pouco mai s sobr e as par t i cul ar i dades do ser t ão, engaj ados no pr oj et o de pesqui sa aci ma menci onado9.

9 Apesar de as pesqui sas nas bi bl i ot ecas e cent r os de pesqui sa t er em

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Par t i cul ar ment e sobr e Jacobi na e r egi ão, f or am encont r ados poucos t r abal hos10. As obr as enumer adas, de uma f or ma ger al , f or am escr i t as por cor ógr af os mui t o mai s pr eocupados em exal t ar os gr andes ‘ homens de bem’ , mui t as vezes seus par ent es, f undador es das di nast i as ser t anej as, al gumas ai nda hoj e domi nando os car gos execut i vos, l egi sl at i vos e j udi ci ár i os das t er r as ‘ descober t as’ por el es mesmos, nos sécul os passados11.

Mi nha i nt enção, nest e t ext o de apr esent ação, não f oi

desvendar os obj et i vos desses escr i t or es. Em meados da década de 50 e i ní ci o da de 60 do sécul o XX, est a si t uação começava a ser quest i onada pel os movi ment os popul ar es daquel e moment o. Por t ant o os escr i t os er am pr agmát i cos e t i nham ender eço cer t o, subsi di ar os at aques aos movi ment os soci ai s or gani zados, pr i nci pal ment e aquel es de vi és mai s à esquer da r ei vi ndi cador es de t er r a par a os t r abal hador es r ur ai s.

paul i st ano pr of essor r ecém- concur sado e i nexper i ent e na Hi st or i ogr af i a do Ser t ão Bai ano.

10 COSTA, Af f onso. Mi nha t er r a: Jacobi na de ant anho e de agor a. I n:

Congr esso Br azi l ei r o de Geogr aphi a, 5. , 1916, Sal vador . Annaes do 5º Congr esso. . . Sal vador : I mp. Of f i ci al do Est ado, 1918. p. 235- 319; COSTA, Af f onso. Guedes de Br i t o, o povoador. Anai s do Ar qui vo Públ i co da Bahi a, Sal vador : I mpr ensa Of f i ci al do Est ado, 1952, v. 32; BRANDÃO, Mar i a de Azevedo; CARDOSO, Al i ce Mar cel i no ( Or g. ) . Jacobi na: passado e f ut ur o. Jacobi na: ACI JA, 1993; LEMOS, Dor acy Ar aúj o. Jacobi na, sua hi st ór i a e sua gent e. Jacobi na: Gr af i nor t , 1995.

11 Ent r e esses aut or es, dest aco: QUEI ROZ, Cl audi onor de Ol i vei r a. O

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De nossa par t e, at uando enquant o gr upo, após as l ei t ur as das obr as, pr oduzi mos quest i onament os ger ador es de pr oj et os de pesqui sa, concor r endo a bol sas de i ni ci ação ci ent í f i ca e, post er i or ment e, monogr af i as de f i nal de cur so.

Essas di scussões pr opi ci ar am t ambém a r essi gni f i cação do pr oj et o “ A ci dade como espaço da di ver si dade cul t ur al ” , mol dando novos cami nhos, pr eocupado com a aber t ur a de per spect i vas t emát i cas e com o f echament o de hi pót eses e pr obl emát i cas est r ut ur ant es ger ai s12.

Esses encami nhament os f or am cober t os de êxi t o e l ogo na pr i mei r a submi ssão, concor r endo ao Edi t al de sel eção de bol si st as PI BI C/ CNPq e PI CI N/ UNEB 1996/ 97, o pr oj et o r ecebeu duas cot as de bol sas par a al unos de i ni ci ação ci ent í f i ca. I st o f or t al eceu nosso gr upo e sur gi r am novos al unos vol unt ár i os i nt er essados em i ngr essar no mundo da pesqui sa.

A at ual pesqui sa é o desdobr ament o desse pr oj et o ger al e est á vi ncul ada a uma pr opost a pol í t i ca de est udar os af r odescendent es no ser t ão bai ano, os quai s a bi bl i ogr af i a bai ana mai s t r adi ci onal di z não exi st i r em e a bi bl i ogr af i a mai s r ecent e não se pr eocupou

12 Dest aco as pesqui sas de SAMPAI O, Moi ses. et al . O cor onel i smo na

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em t r at ar , por est ar essenci al ment e l i gada a aspect os do l i t or al e à exper i ênci a da agr oi ndúst r i a expor t ador a.

O pr oj et o i ni ci al sur gi u dos quest i onament os pr opi ci ados pel a l ei t ur a das obr as sobr e o ser t ão bai ano, sobr e a escr avi dão e de um i nvent ár i o t r anscr i t o encont r ado em um ar qui vo par t i cul ar , apont ando uma sér i e de escr avi zados cl assi f i cados de uma f or ma não usual 13.

Nos pr ocessos de i nvent ár i o l i dos por mi m at é ent ão, r ef er ent es a Sal vador e Recôncavo, os escr avi zados apar ecem

l i st ados pel a or dem decr escent e de val or . No document o t r anscr i t o encont r ado no Ar qui vo Par t i cul ar da Famí l i a Bar ber i no, el es par eci am est ar em uma or dem al eat ór i a, por ém ao t r anscr evê- l o per cebi um padr ão, os escr avi zados est avam l i st ados sempr e: um homem, uma mul her e cr i anças; novament e um homem, uma mul her e cr i anças; e depoi s i dosos e out r as cr i anças, denot ando um padr ão de f amí l i a nucl ear .

Esse f at o l evou- me a quest i onar pr i mei r o os aut or es e suas af i r mações de não haver af r odescendent es escr avi zados no ser t ão e t ambém aquel es pr econi zando a não exi st ênci a de f amí l i as ent r e os escr avi zados. O segundo gr upo, f al ava da i nexi st ênci a de f amí l i a escr ava, ou de sua ef emer i dade ocasi onada pel a pr ópr i a t r ansi t or i edade da escr avi dão.

13 Ar qui vo Par t i cul ar Famí l i a Bar ber i no. Test ament o e I nvent ár i o da

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As expl i cações par a a f al t a de negr os no ser t ão est ão baseadas na bi bl i ogr af i a ut i l i zando a l i t er at ur a sobr e as avent ur as dos bandei r ant es e suas i ncur sões pel o ser t ão, onde não er am ut i l i zados escr avi zados negr os e t ambém na af i r mação da i ncompat i bi l i dade da pecuár i a com a escr avi dão e conseqüent ement e com os negr os.

No debat e t r avado na esquer da br asi l ei r a sobr e a pr esença de r el ações f eudai s no Br asi l , exi st em t ambém adept os do ant agoni smo ent r e escr avi dão negr a e pecuár i a. Jacob Gor ender

ci t a os ar gument os de Nel son Wer neck Sodr é sobr e o Nor dest e ser t anej o: “ ger am- se r el ações f eudai s no past or ei o, pel a sua i ncompat i bi l i dade com o t r abal ho escr avo”14.

E ai nda:

Foi a separ ação ent r e o past or ei o e a agr i cul t ur a,

na ár ea açucar ei r a, que mot i vou o apar eci ment o, em

pr i mei r o l ugar , de uma ár ea em que o escr avi smo não

encont r ar i a vi gênci a. Essa ár ea, a do past or ei o

ser t anej o, def i ni u as suas l i nhas ai nda no sécul o

XVI .15

Menos enf át i co Al ber t o Passos Gui mar ães apont a apenas os mot i vos da “ di spensa” de t r abal ho escr avo a pecuár i a, dest acando:

14 SODRÉ, N. W. . For mação. . . Apud GORENDER, Jacob. O escr avi smo

col oni al . 3. ed. , São Paul o: Át i ca, 1980. p. 414.

(22)

[ . . . ] a ausênci a do pr opr i et ár i o, a i mpossi bi l i dade

de vi gi l ânci a cont í nua e di r et a, o númer o r eduzi do

de br aços necessár i os, enf i m o pr ópr i o si st ema de

pr odução.16

Gor ender , nas pági nas segui nt es, pr eocupa- se em t r azer document os e f ont es par a embasar sua ar gument ação pr ovando exat ament e o cont r ár i o, ou sej a, a f or t e pr esença de mão- de-obr a escr ava na pecuár i a ser t anej a17. Cal cul a o r endi ment o das boi adas, compar a com os pagament os de f or o e com t udo i sso

“ f i ca descar t ada [ . . . ] qual quer i déi a sobr e a vi gênci a de um quadr o f eudal na pecuár i a nor dest i na”18.

A col et a de dados i a avançando e sur gi am quest i onament os l evando a novas pesqui sas e novos quest i onament os, por ém o pr i nci pal ei xo ar t i cul ador dest a pesqui sa é a busca pel as vár i as f or mas de aut onomi a escr ava. No conj unt o das f ont es pesqui sadas e no decor r er de sécul os, el a apar ece f or t ement e em t odos os conj unt os document ai s e em t odos os moment os.

Conf or me Mar i a Hel ena Machado:

Concei t os como os de r esi st ênci a e aut onomi a ent r e

escr avos t êm si do r ei t er adament e apont ados como

núcl eos cent r ai s par a a r econst i t ui ção de uma

hi st ór i a pr eocupada em r ever t er as per spect i vas

16 GUI MARÂES, A. P. . Quat r o sécul os. . . Apud GORENDER, Jacob. O

escr avi smo. . . , op. ci t . , p. 415.

17 GORENDER, Jacob. O escr avi smo. . . O Capí t ul o 20 é dedi cado ao

“ Escr avi smo na Pecuár i a” .

(23)

t r adi ci onai s e i nt egr ar os gr upos escr avos em seus

compor t ament os hi st ór i cos, como agent es

ef et i vament e t r ansf or mador es da i nst i t ui ção.19

Est a hi st or i ogr af i a t r adi ci onal sobr e a escr avi dão, ci t ada por Mar i a Hel ena Machado, est ava mui t o mai s pr eocupada com esquemas expl i cat i vos ger ai s e t ot al i zant es e t ambém em def i ni r um pr ocesso de f or mação da nação br asi l ei r a. Exi st i am apr oxi mações e af ast ament os nesses t r abal hos da chamada hi st or i ogr af i a t r adi ci onal .

Não é mi nha i nt enção f azer uma l onga exposi ção sobr e a hi st or i ogr af i a cl ássi ca da escr avi dão, mas apenas di scor r er um pouco sobr e est as di f er enças nos aut or es das vár i as décadas at é 1980, e post er i or ment e, sobr e uma hi st or i ogr af i a mai s r ecent e.

Conf or me o est udo de Di ana Ber man Pi nt o20, Ol i vei r a Vi anna, her dei r o dos i nt el ect uai s do I HGB, est ava pr eocupado com a def i ni ção da f or mação soci al do Br asi l . Tendo como pr i nci pal pr essupost o a super i or i dade do el ement o br anco sobr e os el ement os i ndí gena e negr o, par a a const r ução de uma noção de pr ogr esso, t endo como model o as nações eur opéi as, denot ando

19 MACHADO. Mar i a Hel ena P. T. Em t or no da aut onomi a escr ava: uma

nova di r eção par a a Hi st ór i a Soci al da Escr avi dão. Revi st a Br asi l ei r a de Hi st ór i a, v. 8, n. 16, p. 143- 160, mar . / ago. 1988. p. 144.

20 PI NTO, Di ana Ber man Cor r ea. A pr odução do novo e do vel ho na

(24)

uma f or t e i nf l uênci a do chamado r aci smo ci ent í f i co do sécul o XI X em suas pr opost as.

Descr eveu, em seus escr i t os, os t i pos br asi l ei r os – ser t anej o, mat ut o e o gaúcho – ut i l i zados at é nossos di as como est er eót i pos em vár i as expr essões ar t í st i cas e at é nos mei os i nt el ect uai s. A i nf l uênci a do posi t i vi smo f i ca pat ent e nas anál i ses do aut or sobr e a f or mação da di ver si dade humana e as l ei s de desenvol vi ment o soci al i nf l uenci adas pel o cl i ma.

Sér gi o Buar que de Hol anda t r abal ha com a noção de

cont i nui dade da her ança l usi t ana, por ém t em o mér i t o de enf at i zar , em seus est udos, os múl t i pl os ví ncul os da vi da r eal , al ém de i ncor por ar a vi da mat er i al e o cot i di ano das popul ações excl uí das do cent r o do poder .21

Cai o Pr ado Júni or , na década de 30 do sécul o XX, t ambém i novava as i nt er pr et ações mar xi st as, pr opondo uma anál i se l evando em cont a não só a est r ut ur a do si st ema econômi co mont ado e vol t ado par a a expor t ação, mas t ambém as cont r adi ções r egi onai s e sua i nser ção ou não nesse si st ema.

Cai o Pr ado Júni or vi sl umbr ou uma popul ação l i gada à agr i cul t ur a de subsi st ênci a, aos of í ci os ci t adi nos, pequenos negóci os e out r os, enf i m, t odos br ancos pobr es, mest i ços ou l i ber t os, per sever ando nas f r anj as do si st ema capi t al i st a agr oexpor t ador , numa const ant e t ensão em busca da

21 HOLANDA, Sér gi o Buar que de. Raí zes do Br asi l . 26 ed. São Paul o:

(25)

sobr evi vênci a di ár i a. Seus escr i t os f or mar am, conf or me Mar i a Odi l a Lei t e da Si l va Di as:

Em vár i os sent i dos uma obr a pi onei r a pel o gr au de

el abor ação do pr ocesso di al ét i co, cui dadosament e

t r abal hado na per spect i va hi st ór i ca de anál i se das

conj unt ur as r egi onai s do Br asi l .22

Cont r ar i ando os est udos hi st or i ogr áf i cos daquel e moment o, her dei r os de t odo um r anço posi t i vi st a, baseado no di scur so de homogenei zação da popul ação e dos cost umes br asi l ei r os, Sér gi o

Buar que de Hol anda e Cai o Pr ado Juni or val or i zam as especi f i ci dades r egi onai s, as di f er ent es f or mas de or gani zação do t r abal ho, as coi sas mi údas do cot i di ano das popul ações. Est es aut or es abr i r am hor i zont es l ent ament e expl or ados por vár i os hi st or i ador es de ger ações post er i or es.

O pr of essor Sér gi o Buar que assi m est abel ece as bases de suas anál i ses:

Par a est udar o passado de um povo, de uma

i nst i t ui ção, de uma cl asse, não bast a acei t ar ao pé

da l et r a t udo quant o nos dei xou a si mpl es t r adi ção

escr i t a. É pr eci so f azer f al ar a mul t i dão i mensa

dos f i gur ant es mudos que enchem o panor ama da

Hi st ór i a e são mui t as vezes mai s i nt er essant es e

22 DI AS, Mar i a Odi l a Lei t e da Si l va. I mpasse do I nor gâni co. I n:

(26)

mai s i mpor t ant es do que os out r os, os que apenas

escr evem a Hi st ór i a.23

Gi l ber t o Fr ei r e t ambém se most r a pr eocupado com o pr ocesso de f or mação da nação br asi l ei r a, mas seu pr i nci pal obj et o não er a a est r ut ur a econômi ca ou o si st ema pr odut i vo e si m os “ val or es essenci ai s da cul t ur a” . Por t ant o, par a est e aut or , o Br asi l não é apenas uma cont i nui dade de Por t ugal :

Por t ugal , cr i ador de t ant os povos, hoj e

essenci al ment e por t ugueses em seus est i l os de vi da

mai s car act er í st i cos, e o Br asi l , paí s onde esse

pr ocesso de al ongament o de uma cul t ur a ant i ga numa

nova, em mai s vast a que a mat er na, at i ngi u sua

mai or i nt ensi dade.24

Gi l ber t o Fr ei r e est ava pr eocupado com os pr obl emas da j ovem r epúbl i ca br asi l ei r a, e l egados desde a col oni zação, ent r e el es a mi sci genação, er a sua mai or pr eocupação. Em seus est udos baseados no cul t ur al i smo de Fr anz Boas, el e não descar t a as expl i cações mar xi st as, acr escent o aspect os psi cof i si ol ógi cos:

No Br asi l , as r el ações ent r e os br ancos e as r aças

de cor f or am desde a pr i mei r a met ade do sécul o XVI

23 Apud DI AS, Mar i a Odi l a Lei t e da Si l va. Pol í t i ca e soci edade na

obr a de Sér gi o Buar que de Hol anda. I n: CANDI DO, Ant oni o ( Or g. ) . Ser gi o Buar que de Hol anda e o Br asi l . São Paul o: Fundação Per seu Abr amo, 1998. p. 11.

24 FREYRE, Gi l ber t o. Pr ef áci o. I n: ________ O mundo que o por t uguês

(27)

condi ci onadas, de um l ado pel o si st ema de pr odução

econômi ca – a monocul t ur a l at i f undi ár i a; do out r o,

pel a escassez de mul her es br ancas, ent r e os

conqui st ador es[ . . . ] Na zona agr ár i a desenvol veu- se,

com a monocul t ur a absor vent e, uma soci edade

semi f eudal - uma mi nor i a de br ancos e br ancar ões

domi nando pat r i ar cai s, pol í gamos, do al t o das

casas- gr andes de pedr a e cal , não só os escr avos

cr i ados aos magot es nas senzal as como os l avr ador es

de par t i do, os agr egados, mor ador es de casas de

t ai pa e de pal ha[ , ] vassal os das casas- gr andes em

t odo o r i gor da expr essão. 25

Dessa f or ma, o si st ema pat r i ar cal f oi o cent r o di f usor de uma soci edade mol dada par a ser democr át i ca, abr angent e e mi sci genada. Unem- se, assi m, às pr eocupações de Gi l ber t o Fr ei r e, a mi sci genação e a f or mação do Br asi l .

Segundo Di ana Pi nt o, a pr odução hi st or i ogr áf i ca da década de 70 do sécul o XX r ecuper a a di scussão do sent i do da col oni zação e as expl i cações est r ut ur ant es, baseadas na “ t eor i a est át i ca pr opost a por Al t husser ” :

A t ese do sent i do da col oni zação de Cai o Pr ado Jr .

t eve ampl a r eper cussão, e podemos encont r ar seus

25 FREYRE, Gi l ber t o. Casa Gr ande & Senzal a: f or mação da f amí l i a

(28)

si nai s nos t ext os de aut or es como Cel so Fur t ado,

Ot ávi o I anni e Fer nando Novai s.26

Todos esses aut or es t êm em comum a pr ocur a de uma expl i cação cuj a cent r al i dade est ar i a em um Si st ema Col oni al baseado na expl or ação do t r abal ho escr avo e ar t i cul ado, de f or ma mai s ampl a, ao comér ci o ul t r amar i no e à acumul ação mer cant i l eur opéi a.

A hi st or i ogr af i a mai s r ecent e t em como di f er enci al a per spect i va de ol har o escr avi zado como suj ei t o at i vo de sua hi st ór i a, pr opor ci onando t r abal hos sobr e:

[ . . . ] or gani zação do t r abal ho e da vi da escr ava, a

pr obl emát i ca da const i t ui ção e quebr a da f amí l i a

ent r e cat i vos, a gest ação de uma cul t ur a escr ava, a

quest ão do l i ber t o no mundo escr avi st a e o dest i no

da mão- de- obr a escr ava. 27

É um panor ama di f er ent e da hi st or i ogr af i a pr oduzi da at é a década de 70 do sécul o XX, quando a pessoa escr avi zada er a vi st a apenas como mão- de- obr a dent r o de um si st ema.

Al guns desses est udos pr ocur am si ngul ar i zar as f or mas de conqui st a da aut onomi a, por t ant o t r at ando- a como a l i ber dade em si . Ent r e est es, encont r am- se aquel es pr eocupados com as l i ber dades col et i vas, ou sej a, os movi ment os de r evol t as, f or mação de qui l ombos e out r as f or mas de l ut as de gr upos. Out r os i nt er essam- se pel a busca de uma mel hor convi vênci a com

26 PI NTO, Di ana Ber man Cor r ea. A pr odução. . . , op. ci t . , 2003. p. 35.

27 MACHADO, Mar i a Hel ena P. T. . Em t or no da aut onomi a escr ava. . . , op.

(29)

a condi ção de escr avi zado, at endo- se às conqui st as do di a-di a.

Ent r e os est udos par t i cul ar i zando a busca de uma aut onomi a col et i va, ou sej a, t endo como obj et o os escr avi zados pr ocur ando uma cul t ur a i ndependent e da dos senhor es, est á a hi st or i ogr af i a t emat i zando as r evol t as e a f or mação dos qui l ombos a mai s di ver si f i cada, t ant o do pont o de vi st a met odol ógi co como do obj et i vo dos aut or es.

Pal mar es, l ugar i dí l i co, f oi obj et o de est udo de vár i os

mi l i t ant es af r odescendent es como Edson Car nei r o, Abdi as do Nasci ment o, Wal t er Passos e Cl ovi s Mour a. Est es aut or es escr ever am de uma per spect i va hoj e bat i zada ‘ desde dent r o par a f or a’ , ou sej a, apr ovei t am suas exper i ênci as par a const r ui r suas pesqui sas com um ol har mi l i t ant e. Al ém dos ci t ados aci ma, Déci o Fr ei t as, em sua mi ssão de encont r ar um ver dadei r o her ói naci onal par a i nspi r ar os br asi l ei r os nas l ut as cont r a a di t adur a do r egi me mi l i t ar i nst al ado em 1964, pesqui sou e escr eveu o cl ássi co Pal mar es – A Guer r a dos Escr avos. Tai s est udos t êm em comum uma apur ada pesqui sa empí r i ca e o obj et i vo de ser vi r de base par a as di scussões e a aut o-af i r mação do Movi ment o Negr o e dos Movi ment os Popul ar es das décadas de 70 e 80 do sécul o XX28.

28 CARNEI RO. Edson. O qui l ombo de Pal mar es. 3. ed. Ri o de Janei r o:

(30)

Est udos mai s r ecent es pr ocur am si ngul ar i zar as exper i ênci as dos negr os i nsur gi dos cont r a as agr ur as da escr avi zação, pr ocur ando uma out r a exper i ênci a de vi da. João José Rei s e Fl ávi o dos Sant os Gomes, ci t ando apenas doi s pesqui sador es, t r abal har am com f or mas col et i vas de combat er a escr avi dão29.

Também exi st em est udos pr eocupados em car act er i zar a aut onomi a econômi ca dos escr avi zados, vi sando i nser i - l os em um si st ema econômi co ou em um dos ci cl os econômi cos. Est a vi são

da aut onomi a vi st a como uma possi bi l i dade econômi ca, a chamada br echa camponesa, pr econi za a i nser ção dos gr upos escr avi zados como r esponsávei s por uma par t e i mpor t ant e do f or neci ment o de ar t i gos de pr i mei r a necessi dade, basi cament e al i ment os.

Tai s mant i ment os er am excedent es das r oças de subsi st ênci a out or gadas pel os senhor es dent r o das pl ant at i ons

como par t e de sua bondade ou o chamado pat er nal i smo pat r i ar cal i st a, di r ei t o adqui r i do pel os escr avi zados, ou par a amai nar os âni mos dos escr avi zados, evi t ando assi m f ugas e r evol t as.

Em qual quer das hi pót eses de pr odução desse excedent e, os est udos mai s ci t ados vão na di r eção de apr egoar uma l i gação

29 REI S, João José. A r ebel i ão Escr ava no Br asi l : A hi st ór i a do

(31)

ent r e esses escr avi zados e os pequenos agr i cul t or es do pr esent e30.

Aut or es como Mar i a Odi l a Lei t e da Si l va Di as t ambém cr edi t am t al possi bi l i dade ao que ocor r i a na ci dade de São Paul o, como a comer ci al i zação de al i ment os e out r os mant i ment os essenci ai s à vi da cot i di ana, e os ar r anj os cot i di anos par a sobr evi vênci a, er am exer ci dos por senhor as br ancas empobr eci das e seus escr avos. Est e pequeno comér ci o assegur ava o abast eci ment o onde os gr andes comer ci ant es não

est avam pr esent es ou não t i nham i nt er esse31.

Em al gumas opor t uni dades, essas agênci as só er am possí vei s bur l ando- se o f i sco e consegui ndo comer ci al i zar os gêner os sem pagament o dos i mpost os, gar ant i ndo um pr eço mai s acessí vel à popul ação em ger al . Quando esses negóci os er am pr at i cados excl usi vament e por escr avos, os pr odut os podi am t er or i gem em pequenos f ur t os ou descui dos dos senhor es32.

Como j á enf at i zei ant es, at é a década de 70 do sécul o XX, os est udos sobr e as popul ações af r i canas e seus descendent es

30 CARDOSO, Ci r o Fl amar i on. A br echa camponesa no si st ema escr avi st a.

I n: ________ Agr i cul t ur a, escr avi dão e capi t al i smo. Pet r ópol i s: Vozes, 1979, p. 133- 154.

31 DI AS, Mar i a Odi l a Lei t e da Si l va. Quot i di ano e poder em São Paul o

no sécul o XI X. 2. ed. r ev. São Paul o: Br asi l i ense, 1995. Cap. Padei r as e qui t andei r as, p. 68 passi m.

32 Sobr e a or i gem duvi dosa das mer cador i as, ver DI AS, Mar i a Odi l a

(32)

est avam mui t o mai s vol t ados par a expl i cações t eór i cas ger ai s sobr e o si st ema col oni al ou a or gani zação da expl or ação e da admi ni st r ação col oni al , dest a f or ma as pesqui sas empr eendi das t i nham como f oco pr i nci pal os model os t eór i cos est r ut ur ant es das expl i cações macr o, dei xando de f or a a “ di nâmi ca i nt er na da soci edade”33.

Al guns t r abal hos r ecent es t êm- se pr eocupado em most r ar a i mpor t ânci a das popul ações negr as par a r egi ões especí f i cas do ser t ão bai ano, t endo como base est a nova per spect i va apont ada

por Mar i a Hel ena Machado. Assi m, t r abal hos como o de Mar i a Cr i st i na Pi na, par a a Chapada; Môni ca Duar t e Dant as, par a r egi ão do bai xo I t api cur u; José Ri car do Mor eno, par a a r egi ão de Bom Jesus da Lapa; Mar i a de Fát i ma Pi r es e, pr i nci pal ment e, os de Er i val do Fagundes, par a r egi ão do Ser t ão de Ci ma – Caet i t é, Vi t ór i a da Conqui st a e Regi ão da Chapada Vel ha –, most r ar am a di nâmi ca r el ação das popul ações af r odescendent es e suas pecul i ar i dades r egi onai s34.

33 MACHADO, Mar i a Hel ena P. T. Em t or no da aut onomi a escr ava. . . op.

ci t . , p. 144.

34 PI NA. Mar i a Cr i st i na. Sant a I sabel do Par aguassú: ci dade, gar i mpo

(33)

Mi nha pesqui sa t ent a r et omar essa di nâmi ca i nt er na de uma r egi ão acessór i a não par t i ci pant e di r et a da expl or ação par a expor t ação, por t ant o com uma di nâmi ca soci al e econômi ca di f er ent e da r egi ão do l i t or al bai ano com sua economi a e soci edade, vol t adas par a a Eur opa. Também r et oma a di scussão sobr e escr avi dão em r egi ões não expor t ador as, j á ci t adas em pági nas at r ás.

Mesmo com uma f or t e vocação par a a expl or ação mi ner al – Jacobi na é conheci da como “ Ci dade do Our o” e na r egi ão

r egi st r ar am- se vár i as mi nas de di amant es e out r os mi ner ai s –, quando de sua el evação ao pat amar de Ci dade, em 1886, el a r ecebe o nome de “ Agr í col a Ci dade de Jacobi na” .

Lut as vel adas ou expl í ci t as pel a aut onomi a, f or mas de bur l ar o si st ema par a consegui r mai s aut onomi a, concessão de aut onomi a r el at i va como f or ma ut i l i zada pel os senhor es par a mant er uma cer t a paz br ot ar am dos ar qui vos e f azem par t e dest a pesqui sa, al ém de t odas as est r at égi as de conqui st as de l i ber dade at r avés das al f or r i as gr at ui t as ou pagas.

Por vezes, essa aut onomi a se cor por i f i ca apenas na concessão de uma mobi l i dade espaci al mai or , ou na possi bi l i dade de mont ar uma casa i ndependent e da do senhor , casar e/ ou const i t ui r f amí l i a, ou mesmo de negoci ar sua pr odução, car act er i zado na hi st or i ogr af i a como o “ vi ver sobr e si ” , mas j á er am gr andes conqui st as.

(34)

sur gi dos da l ei t ur a da bi bl i ogr af i a ou dos document os, l evando a novos aut or es ou novos conj unt os document ai s.

No pr i mei r o capí t ul o, t r abal ho com a Hi st ór i a de Jacobi na, dando ênf ase à pr esença dos af r odescendent es. Começo das pr i mei r as i nf or mações sobr e a r egi ão, i ndo at é o sécul o XI X, quando se concent r a o mai or cor po document al dest a pesqui sa.

Par a t ant o, ut i l i zei document os di gi t al i zados pel o “ Pr oj et o Resgat e - Bahi a” do Ar qui vo Ul t r amar i no da Tor r e do

Tombo, document os manuscr i t os e i mpr essos do Ar qui vo Naci onal e do Ar qui vo Públ i co do Est ado da Bahi a, assi m como i nf or mações t abul adas de uma bi bl i ogr af i a especí f i ca sobr e o ser t ão bai ano.

Consul t ei a bi bl i ot eca do I nst i t ut o de Est udos Br asi l ei r os – I EB da USP e a seção de obr as r ar as da Bi bl i ot eca Már i o de Andr ade, ambas em São Paul o, al ém de vár i as bi bl i ot ecas em Sal vador , como a do I nst i t ut o Geogr áf i co e Hi st ór i co da Bahi a, Bi bl i ot eca Cent r al da UFBA e Cent r o de Est udos Bai anos.

Pr ocur ava pel os vi aj ant es excur si oni st as da r egi ão de Jacobi na. Desvendar como se deu a conqui st a do t er r i t ór i o da Jacobi na e as r esi st ênci as encont r adas pel os eur opeus par a i mpl ant ar seu pat r i môni o ci vi l i zat ór i o na r egi ão, const i t ui o obj et i vo, al ém de t ent ar encont r ar vest í gi os dos negr os nest as obr as e document os.

(35)

cl ássi cos como Ant oni l , Fel i sber t o Fr ei r e, Sai nt - Hi l ai r e e aut or es mai s r ecent es como Eur i co Al ves Boavent ur a, ut i l i zando sobr et udo seus apont ament os com r ef er ênci a às r ot as das boi adas ser t anej as, à expl or ação do our o e às not as sobr e a r egi ão. For am encont r adas vár i as pessoas negr as nas mai s di ver sas si t uações e envol vi das em di ver sos ar r anj os pr odut i vos, nos pr i mei r os cur r ai s de gado, nas mi nas, no t r anspor t e de mer cador i as e r esi st i ndo cont r a as i nt er venções das aut or i dades em seus qui l ombos.

O segundo capí t ul o t em como f oco a r egi ão de Jacobi na e os negr os no sécul o XI X. For am expl or ados os númer os cont i dos nos di ver sos l evant ament os popul aci onai s r eal i zados na r egi ão e t ambém sér i es document ai s especí f i cas, como: os r egi st r os de Compr as, Vendas e Doações e as Pr ocur ações cont i dos nos l i vr os de r egi st r os dos di ver sos t abel i ões de Jacobi na, com a f i nal i dade de most r ar a quant i dade de negr os i nt egr ando a popul ação de Jacobi na e r egi ão.

(36)

exper i ênci as da escr avi dão.

No quar t o capí t ul o, ut i l i zo como f ont es pr i nci pai s as i nf or mações encont r adas nos Aut os de Pr ocessos Cr i mes e Cí vei s de Jacobi na guar dados no Ar qui vo Públ i co do Est ado da Bahi a e no Ar qui vo Públ i co Muni ci pal de Jacobi na. Nel as f oi possí vel r econst r ui r um pouco do cot i di ano das popul ações negr as na r egi ão na busca de mai s aut onomi a.

Foi um gr ande desaf i o l ançar mão da met odol ogi a da descr i ção densa, pr opost a por Cl i f or d Geer t z35 e t ambém

ut i l i zada na hi st or i ogr af i a por Si dnei Chal houb36. Com el a pr et endi a most r ar , a par t i r das hi st ór i as cont i das nos document os, as possi bi l i dades de aut onomi a das popul ações af r odescendent es e dos escr avi zados, em especi al na r egi ão de Jacobi na, ur gi das no cot i di ano da r el ações.

35 GEERTZ, Cl i f f or d. A i nt er pr et ação das cul t ur as. Ri o de Janei r o:

Zahar , 1978.

36 Essa met odol ogi a f oi pr opost a pr i nci pal ment e em CHALHOUB, Si dney.

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Capítulo 1

APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO:

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APROPRI AÇÃO DO TERRI TÓRI O:

OS NEGROS E A

COLONI ZAÇÃO DA REGI ÃO DE JACOBI NA

Foi f r aco, ent r et ant o, per ceber - se, no ser t ão, o cur so do sangue negr o. Por que do past or ei o cui dar am o í ndi o domest i cado, o mest i ço, f i l ho do homem br anco com a í ndi a, abr oquel ados no br avi o dos ser t ões di st ant es e er mos, exi l ados do mundo agi t ado, di st anci ados da censur a, pel os l ongos par ênt eses af ogueados dos hor i zont es vazi os e si l enci osos1.

A af i r mação aci ma r epr oduz a i déi a vi gent e no ser t ão nor dest i no sobr e sua gênese popul aci onal , qual sej a: a da i nf l uênci a domi nant e dos i ndí genas sobr e os out r os gr upos const i t ui nt es da popul ação ser t anej a2. Apesar de publ i cado em

1 BOAVENTURA, Eur i co Al ves, Fi dal gos e vaquei r os, Sal vador : Cent r o

Edi t or i al e Di dát i co da UFBA, 1989. p. 76

2 Essa ver si t e: TERRA BRASI LEI RA. O Povo ser t anej o. Di sponí vel em:

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1989, Eur i co Boavent ur a escr eveu seu t ext o na década de 50 do sécul o XX, por ém t r az t oda uma l i nguagem do sécul o XI X 3.

Exi st e uma ver são sobr e o i ní ci o de Jacobi na como núcl eo ur bano, aqui t r anscr i t a suci nt ament e, usando como base os depoi ment os e l i nguagem de al guns mor ador es da ci dade na f ai xa et ár i a de 60 a 70 anos, col hi dos em 19974. Meus coment ár i os est ão ent r e col chet es:

No começo [ ant es da chegada dos col oni zador es] , exi st i am, na r egi ão, mui t os í ndi os Payayas, sendo o mai s i nf l uent e um

vel ho caci que chamado Jacó, cuj a companhei r a er a uma zel osa e sábi a mul her , conheci da como Bi na. Quando os br ancos chegar am às Ser r as, f or am mui t o bem r ecebi dos pel o casal e seu gr upo, que aconchegar am e davam abr i go a t odos os ser t ani st as e mi ssi onár i os, excur si onando pel a r egi ão.

Os expl or ador es [ no sécul o XVI e i ní ci o do XVI I ] , em suas vi agens de l evar ou t r azer gado e pr ocur ar por r i quezas mi ner ai s, e t ambém os r el i gi osos sempr e passavam pel as t er r as de Jacó e Bi na, t or nando- se um l ocal de encont r o e r epouso dos vaquei r os e vi aj ant es, em ger al , vi ndos do l i t or al par a o ser t ão e vi ce- ver sa.

3 BOAVENTURA, Eur i co Al ves, Fi dal gos e vaquei r os. . . op. ci t .

4 Depoi ment os expl or at ór i os r eal i zados como par t e do “ Cur so de

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A uni ão dos nomes e a f or ma de pr onunci ar e f al ar r api dament e, bem ao j ei t o br asi l ei r o de supr i mi r , encur t ar , uni r e at é modi f i car , t r ansf or mou a pousada de Jacó e Bi na, em “ Jacobi na” . Rapi dament e os r el i gi osos r esol ver am i mpl ant ar Mi ssões e os vaquei r os, seus cur r ai s na r egi ão. Do bom r el aci onament o, l ogo começar am os pr i mei r os casament os e a i mpl ant ação def i ni t i va dos br ancos na r egi ão. Um pouco depoi s, expl or ador es f i zer am as pr i mei r as excur sões e i mpl ant ar am as mi nas. [ Fi nal do séc. XVI I , quando se i ni ci a a expl or ação do sal i t r e na r egi ão] .

A base dessa ver são f oi r epet i da pel a t ot al i dade dos ent r evi st ados, i ndependent e dos l ocai s de mor adi a, f ai xa et ár i a e gr au de escol ar i dade. Par ece uma f or ma j á cr i st al i zada na memór i a col et i va da ci dade desde mui t o t empo.

Af f onso Cost a, em memór i a apr esent ada no 5º . Congr esso Br asi l ei r o de Geogr af i a r eal i zado em Sal vador em 1916, j á f al ava nessa ver são cont ada como exper i ênci a r emot a, ganhando est at ut o de ver dade ent r e a popul ação l ocal 5.

A concepção de pequena pr opor ção de negr os e da povoação do ser t ão at r avés da mi sci genação de br ancos e i ndí genas f oi f or j ada desde meados do sécul o XI X, com o i ndi ani smo na l i t er at ur a, mas t ambém vai beber em out r as f ont es do sécul o XX, como democr aci a r aci al , l i da de f or ma pr agmát i ca por par t e

5 COSTA, Af f onso. Mi nha t er r a: Jacobi na de ant anho e de agor a. I n:

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da i nt el ect ual i dade bai ana. As bases t eór i cas dest e r aci ocí ni o, por t ant o, são hí br i das.

A r eval or i zação do ant epassado i ndí gena f unci onou como um amál gama par a ci ment ar a coesão de um gr upo bast ant e di sper so e com ci smas i nt er nas avol umadas e gr aves. Nos embat es e r ei vi ndi cações dos cor onéi s com a admi ni st r ação do Est ado, est as i déi as ganhar am cor po e f or am absor vi das ao l ongo do t empo.

Al ves Boavent ur a, no t ext o ci t ado ant er i or ment e, r ef l et e

bem t oda uma t endênci a de par t e da bi bl i ogr af i a que t em o ser t ão como obj et o. Os t r abal hos dest es escr i t or es pr ocur avam mui t o mai s j ust i f i car uma si t uação i nst al ada há sécul os, r epr esent ada pel a concent r ação cada vez mai or das t er r as nas mãos de poucos gr andes l at i f undi ár i os, a expl or ação da mão- de-obr a r ur al e seu êxodo par a as ci dades, sem, ent r et ant o, hi st or i á- l as. Por ém el as t ambém r ef or çam o pensament o, j á enr ai zado nos ser t ões, da pequena quant i dade ou i nexi st ênci a de negr os f or a do l i t or al e do Recôncavo.

Af i r mações como a de Boavent ur a cont i nuam a domi nar o cenár i o das pr oduções sobr e os núcl eos ur banos do ser t ão bai ano. Os aut or es est ão sempr e à pr ocur a dos gr andes pr opr i et ár i os das sesmar i as e suas comi t i vas, f undando f azendas, ou pequenos núcl eos ur banos, com o passar do t empo, t r ansf or mados em ci dades.

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l ocai s e at é mesmo os donat ár i os das vast as por ções das t er r as doadas nas sesmar i as. Est e capí t ul o pr et ende dar vi si bi l i dade às popul ações negr as da r egi ão de Jacobi na, i nvi sí vei s nesses r el at os, most r ando a ocupação do ser t ão e em quai s t r abal hos ou f unções i nser i am- se essas pessoas escr avi zadas, ou após a conqui st a de suas l i ber dades.

Um dos pr i mei r os aut or es a chamar mi nha at enção par a aj udar a desconst r ui r essa i magem de i nvi si bi l i dade da popul ação negr a no ser t ão f oi Lui z Mot t . Em um pequeno t ext o,

el e f al a de quat r o pessoas pr ocessadas pel o Sant o Of í ci o, no sécul o XVI I I , na r egi ão de Jacobi na6. Todos t i nham em comum o f at o de ser em negr os.

O vi gár i o da f r eguesi a de Sant o Ant ôni o, padr e João Mendes, i ni ci ou um sumár i o de cul pa em 1745, movi do cont r a t r ês escr avi zados: Mat eus Per ei r a Machado, dezessei s anos, escr avo de Ver í ssi mo Per ei r a; Lui z Per ei r a de Al mei da, vi nt e anos, escr avo de D. Ant oni o Per ei r a de Al mei da; João da Si l va, conheci do como Cur t o, t r i nt a anos, nat ur al da Cost a de Luanda; e um af r odescendent e l i vr e, José Mar t i ns, vi nt e e ci nco anos, casado. A pr i nci pal acusação er a por t ar em “ bol sas de mandi nga” , os hoj e chamados pat uás7.

Esse ar t i go chamou mi nha at enção pel a aut onomi a r el at i va dos escr avi zados envol vi dos nesse aut o da I nqui si ção, expr esso

6 MOTT, Lui z Rober t o de Bar r os. Quat r o mandi nguei r os de Jacobi na na

I nqui si ção de Li sboa. Af r o- Ási a, Sal vador , n. 16, p. 148- 160, 1995.

(43)

pel a gr ande mobi l i dade dos acusados, conf or me as decl ar ações cont i das nos document os t r anscr i t os, poi s t odos per cor r i am di st ânci as r el at i vament e gr andes par a se encont r ar em. Ti nham, t ambém, r el ações de ami zades mui t o pr óxi mas, apesar de vi ver em em l ocai s l ongí nquos e os escr avi zados ser em de senhor es di f er ent es.

Out r o pont o, bast ant e i nst i gant e f oi o f at o de um dos r éus ser qual i f i cado como l i ber t o, ou sej a, ant es da segunda met ade do sécul o XVI I I , j á exi st i a na r egi ão de Jacobi na a

possi bi l i dade de conqui st ar a l i ber dade.

O quest i onament o de como esse escr avi zado t i nha al cançado sua l i ber dade e o t r ânsi t o l i vr e numa r egi ão ext r ema de col oni zação naquel e moment o mot i vou a pesqui sa nos conj unt os document ai s sobr e a apr opr i ação do t er r i t ór i o pel os eur opeus e de como f or am t r azi dos os pr i mei r os af r i canos e seus descendent es par a a r egi ão.

A per gunt a i ni ci al ment e post a sobr e a aut onomi a dos escr avi zados f oi a sement e de out r os quest i onament os, sobr et udo após a l ei t ur a das obr as dos aut or es como Eur i co Boavent ur a, poi s a movi ment ação dos acusados pel a I nqui si ção, conf or me o ar t i go de Lui z Mot t , cont r ast ava com a f al t a ou f r aqueza do “ el ement o negr o” af i r mada por essa bi bl i ogr af i a8.

8 Est e t i po de t r abal ho cont i nua f azendo mui t o sucesso nas ci dades do

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Out r os aut or es, j á ci t ados na Apr esent ação9, e mesmo Lui z Mot t af i r mavam a gr ande concent r ação de af r odescendent es em r egi ões di st i nt as do ser t ão nor dest i no10. Por ém, par a a r egi ão de Jacobi na, nada ai nda havi a si do pesqui sado sobr e i st o. I ni ci amos, por t ant o, est a par t e pr ocur ando r esponder : Como os negr os chegar am ao ser t ão das Jacobi nas? Quai s as mot i vações par a a escol ha da r egi ão de Jacobi na?

1.1 A IMPLANTAÇÃO DA COLONIZAÇÃO NA REGIÃO DE JACOBINA

As t er r as, desabi t adas ou não, dever i am cumpr i r seu i deal : ser vi r bem à sua maj est ade r eal e seus súdi t os escol hi dos. Por t ant o, nem bem a r egi ão f oi per cor r i da pel os

9 PI NA, Mar i a Cr i st i na. Sant a I sabel do Par aguassu: ci dade, gar i mpo

e escr avi dão nas l avr as di amant i nas, sécul o XI X. 2000. 110 f . Di sser t ação ( Mest r ado em Hi st ór i a Soci al ) - Uni ver si dade do Est ado da Bahi a, Sal vador , 2000; DANTAS, Môni ca Duar t e. Fr ont ei r as movedi ças: r el ações soci ai s na Bahi a do sécul o XI X. 2002, 295 f . Tese ( Dout or ado em Hi st ór i a Soci al ) - Uni ver si dade do Est ado de São Paul o, São Paul o, 2002; MORENO, José Ri car do. Escr avos, qui l ombol as ou meei r os? 2001. 158 f . Di sser t ação ( Mest r ado em Hi st ór i a Soci al ) - Uni ver si dade do Est ado da Bahi a, Sal vador , 2001; PI RES, Mar i a de Fát i ma. O cr i me na cor : a exper i ênci a escr ava no al t o ser t ão da Bahi a – Ri o de Cont as e Caet i t é – 1830- 1888. 1999, 255 f . Di sser t ação ( Mest r ado em Hi st ór i a Soci al ) - Pont i f í ci a Uni ver si dade Cat ól i ca de São Paul o, São Paul o, 1999; e FAGUNDES, Er i val do. Uma comuni dade ser t anej a: da sesmar i a ao mi ni f úndi o. Sal vador : EDUFBa: UEFS, 1998.

10 Só par a ci t ar al gumas dest as obr as: MOTT, Lui z Rober t o de Bar r os.

(45)

pr i mei r os expl or ador es do ser t ão, dando not í ci as de suas r i quezas nat ur ai s, al guns at é omi t i ndo i nf or mações das t r i bos nat i vas al i i nst al adas, a admi ni st r ação col oni al em Sal vador passou a pr eocupar - se com a or gani zação de doação dessas t er r as, adot ando o si st ema de concessão de sesmar i as. A ocupação mai s f áci l er a com a cr i ação de gado.

Já em 1609 f oi f ei t a uma concessão na r egi ão de Jacobi na a Ant oni o Guedes:

[ . . . ] nas cabecei r as das suas t er r as t oda a ms.

houver ent r e os Ros. I nhambupe e I t api cur ú, e par a o

Ser t ão 10 l egs. medas. Rumo di rt o. Com t odas as

pont as, enseadas, mat os, agoas e ms. per t enças 11

Em out r as concessões f ei t as a Ant oni o Guedes de Br i t o e seu pai , Ant oni o de Br i t t o Cor r ei a, evi denci am- se out r os aci dent es geogr áf i cos da r egi ão, como as cabecei r as ou os Ri os Jacuí pe e I t api cur u, apar ecendo como bal i zas demar cat ór i as, ou

peões, como ci t ados nos document os, dos l i mi t es das t er r as a el es concedi das.

Ai nda em out r as concessões, pr i nci pal ment e de Bel chi or da Fonceca, Fr anci sco Di as D´ Avi l a, Padr e Ant oni o Per ei r a, Manoel Vel ho de Mi r anda e Gar ci a D´ Avi l a, t ambém apar ecem t opôni mos como “ peões” demar cat ór i os per t i nent es à r egi ão.

11 ARQUI VO NACI ONAL ( AN) , Códi ce 155, Fundo: Tesour ar i a da Fazenda da

(46)

Na car t a concedi da a Ber nar do Vi ei r a Ravasco, i r mão do f amoso Padr e Vi ei r a, e i dent i f i cado como gr ande cr i ador de gado vacum, conf or me car t a de 07 de j unho de 1655, r egi st r ada no 6o Li vr o de Pr ovi sões Reai s, encont r ei a segui nt e menção:

Dónde acaba a dada de Lui z de Fi gr . do. , na l ar g. a

del l a p. ª de Nor t e, encost adas á Ser r a da Jacobi na,

p. l a. p. t e. de Oest e, as quaes se cont ar ão d’ onde

acaba a m. ma. dada de Lui z de Fi gr . do. q. começa

d’ onde o p. e. Ant º Per ei r a se i nt r odusi o sem l eg. º

do Gov. º , e caso não sej ão capazes de cul t ur a as 10

l eg. s. conf r ont adas, ser ão t omadas em ql .qr . p. t e. da

Ser r a e Campos, q. j unt o á el l as se achar em pel a

p. t e. de Oest e, cor r endo sempr e encost ada á Ser r a

p. ª a p. t e. do Ri o de S. Fr anci sco, e m. s. a q. al ém

das 10 l eg. s. ped. as. houver at é o R. o de S.

Fr an. co. p. t a. p. t e. de Oest e na m. ma. Ser r a da

Jacobi na, q. se achar desde as 1as. Al dei as do

Gent i o, vi zi nhas á mesma Ser r a at é o Ri o de S.

Fr anci sco, com t odas as agoas, campos;12

O padr e Ant oni o Per ei r a r ecebeu uma concessão de t er r as na r egi ão de Jacobi na por car t a do di a 02 de j anei r o de 165913.

As sesmar i as pr i vi l egi avam os mai s abast ados e as pessoas com boas r el ações com os admi ni st r ador es, por ém no document o

12 AN. Códi ce 155, Fundo: Tesour ar i a da Fazenda da Pr oví nci a da

Bahi a, l i vr o 1, p. 20.

13 AN. Códi ce 155, Fundo: Tesour ar i a da Fazenda da Pr oví nci a da

(47)

não havi a gar ant i a de est ar em essas t er r as desocupadas de i ndí genas e gr upos aqui l ombados, t ampouco os donat ár i os assegur avam uma ef et i va ocupação r eal i zada por el es pr ópr i os. Na mai or par t e das vezes, est a ocupação er a r eal i zada por pessoas de t ot al conf i ança dos donat ár i os, que dei xavam os encar gos e per i gos de sobr evi ver nas t er r as i nóspi t as e negoci ar com os gr upos aut óct ones a car go desses pr epost os.

Al guns vaquei r os e possei r os er am mest i ços ou br ancos pobr es, sem nenhum pr est í gi o em Sal vador par a obt er sesmar i as

j unt o às aut or i dades r eai s, e que par t i am r umo ao ser t ão par a " t ent ar a vi da" , pr ot egi dos pel os senhor es de t er r as aos quai s devi am o f or o anual . Assi m, i am ampl i ando as ár eas agr i cul t ávei s e de past agens no ser t ão.

Pedr o Cal mon descr eve a ut i l i zação do gado, por Gar ci a D´ Avi l a, como pr i nci pal el ement o de penet r ação r umo ao ser t ão:

Os out r os ser t ani st as se apossavam do paí s com

t r opas de guer r i l hei r os; êl e o empal mou, com as suas

boi adas. O r ebanho ar r ast ava o homem; at r ás dêst e, a

ci vi l i zação. A t er r a f i cava à mer cê da col oni zação:

êl e a i nundou de gados, em mar cha i ncessant e par a o

i nt er i or . Aquel es ani mai s l evavam nas pat as os

l i mi t es da capi t ani a. Di l at avam- na 14.

A est r at égi a de pr i mei r o ocupar as t er r as com gados, f azer mel hor i as e post er i or ment e t r at ar dos document os de

14 CALMON, Pedr o. Hi st ór i a da Casa da Tor r e: uma di nast i a de

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