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OUTROS VALORES ENVOLVIDOS

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 169-176)

A CONQUI STA DA LI BERDADE

3.4 OUTROS VALORES ENVOLVIDOS

Somando t odas as car t as com val or es, i ndependent ement e dos mot i vos expr essos ou quem f i nanci ou a l i ber dade, obt i ve duzent as e uma conqui st as de l i ber dade medi ant e qual quer i mpor t ânci a, di vi di das da segui nt e f or ma: cent o e t r ês não cont i nham det al hes sobr e quem as f i nanci ou; vi nt e e t r ês f or am os pai s, padr i nhos ou out r os f ami l i ar es que assumi r am as despesas da l i ber t ação; ci nqüent a e ci nco escr avi zados pagar am al guma quant i a por sua pr ópr i a conqui st a de l i ber dade, onze t i ver am seus val or es descont ados nas t er ças de seus ant i gos

donos; nove t i ver am mai s de uma pessoa como benf ei t or es de sua l i ber dade, concor r endo mui t as vezes o pr ópr i o l i ber t ando com par t e das despesas.

Todas as al f or r i as conqui st adas t i nham um cust o, sej a monet ár i o, sej a em ser vi ços pr est ados, expr esso ou não nas car t as r egi st r adas. Est e i ndí ci o de vár i as pessoas aj udando monet ar i ament e na conqui st a da l i ber dade, e, ai nda, as i nscr i ções de vár i os l i ber t os apr esent ando, aos car t ór i os de r egi st r os, car t as de l i ber dade de out r as pessoas, l evam a pensar na exi st ênci a de ví ncul os comuni t ár i os, desnudando t ambém l aços f ami l i ar es mui t o f or t es ent r e as popul ações negr as da r egi ão de Jacobi na.

A pr i mei r a i ndi cação di sso apar ece nas Car t as de Li ber dade escr i t as por Mar i a de Ar auj o de Ol i vei r a, passadas em 23 de mar ço de 1809, r egi st r ando a conqui st a de l i ber dade de Rumão52 e Ger ar da53, ambos cr i oul os e f i l hos de Luzi a e

Mat heos, escr avos j á f al eci dos. As quant i as monet ár i as não f or am expr essas em nenhum dos doi s r egi st r os, por ém f or am i nscr i t os ao l ongo do t ext o, out r os val or es.

Na de Rumão est á escr i t o “ [ . . . ] r ecebeu de seus padr i nhos e de out r as pessoas cer t a quant i a e pel os bons ser vi ços e pel o amor que t i nha da cr i ação” . Na de Ger ar da, apar ecer am pal avr as quase i guai s “ [ . . . ] r ecebeu de seos pai s e padr i nhos cer t a

52 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 2, p.

21.

53 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 2, p.

quant i a, pel os bons ser vi ços e pel o amor que t i nha de cr i ação[ . . . ] ” .

O amor de cr i ação er a uma das mot i vações mai s decl ar adas no conj unt o das car t as, não sendo est e o úni co est í mul o, poi s os bons ser vi ços e a quant i a paga t ambém aj udar am na deci são da senhor a. Foi i nst i gant e obser var uma var i edade de pessoas concor r endo par a r eal i zação do esper ado sonho da conqui st a da l i ber dade par a Rumão e Ger ar da. Er a comum os padr i nhos pagar em a conqui st a de l i ber dade de seus af i l hados no Recôncavo, mas out r as pessoas t ambém se envol ver am na causa par a aj udar nesses doi s casos.

A senhor a, Mar i a de Ar auj o de Ol i vei r a, mesmo depoi s da mor t e de seus escr avi zados, Luzi a e Mat heos, aguar dou o t empo necessár i o par a a comuni dade compl et ar o val or acer t ado, pr ovavel ment e com os pai s do casal de l i ber t andos, r espei t ando os acor dos cel ebr ados ant er i or ment e, demonst r ando a l egi t i mi dade do gr upo per ant e a senhor a.

No di a 30 de j unho de 1810, f oi r egi st r ada a conqui st a de l i ber dade do mul at i nho Jer ôni mo, de oi t o anos, r esgat ado do domí ni o do Sar gent o- Mor João Gomes da Si l va, que “ [ . . . ] r ecebeu 100$000 r éi s de Lui s Al var es Bar bosa, avô l egi t i mo do mul at i nho [ . . . ] ” , f i cando ai nda expr essa na car t a a condi ção do meni no per manecer “ [ . . . ] nas mãos dos avós Lui s Al var es Bar bosa e Anna Mar i a par a acabar de cr i ar ”54.

54 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 2, p.

Em 22 de mai o de 1867, f oi r egi st r ada a car t a de l i ber dade de Mar i a, de domí ni o de Her cul ano José D’ Al mei da, expr essando o segui nt e:

[ . . . ] r ecebi de mi nha escr ava Fel i ci dade 100$000 r éi s pel a l i ber dade de sua f i l ha Mar i a, em vi r t ude di sso póde o Senhor Rever endo Padr e Just i ni ano Bapt i zar a di t a cr i a por f ôr r a como se nascesse de vent r e l i vr e.55

O Rever endo Just i ani ano da Rocha Cezar f oi o apr esent ant e da car t a e pr ovavel ment e o i nt er cessor nas negoci ações pel a l i ber t ação da meni na Mar i a na pi a bat i smal , por val or abai xo do pr at i cado. Est a est r at égi a, de pagar a l i ber t ação dos f i l hos e cont i nuar escr avi zado, par ece t er si do bem di f undi da na r egi ão.

Exi st i r am vár i os casos semel hant es onde os pai s ou avós desembol sar am suas economi as par a f i nanci ar a l i ber dade de seus par ent es. As possi bi l i dades er am mui t o mai or es, poi s os val or es a ser em desembol sados er am menor es.

Er a t ambém cost ume os pr ópr i os senhor es concor r er em com par t e ou t odo o val or de l i ber t ação da pr i mei r a cr i ança nasci da sob seu domí ni o. For am encont r ados cent o e onze casos em que o mot i vo da l i ber dade expr esso f oi o amor de cr i ação, por t er cr i ado ou ser a pr i mei r a cr i a.

55 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 30, p.

Os l aços consangüí neos t ambém est i ver am pr esent es, como no r egi st r o de 14 de agost o de 1815. O Senhor Domi ngos Fer r ei r a da Cr uz r ecebeu 55$000 r éi s, pel a l i ber t ação de João, mest i ço de sei s anos, de João Fer r ei r a, i r mão do meni no56.

Roza Joaqui na Tei xei r a, senhor a de Ci r i aca, uma f usca de ci nqüent a e oi t o anos, r ecebeu a “ [ . . . ] quant i a de 100$000 r éi s [ . . . ] pel a mão de seo f i l ho Raphael Mi guel Ar canj o” , em car t a r egi st r ada em 17 de agost o de 188057.

Os f i l hos t ambém t i nham cui dados com seus pai s, t r abal hando par a dar - l hes a sonhada l i ber dade. Esse caso f echa o cí r cul o: os pai s pagavam a l i ber t ação dos f i l hos, consi der ando não só as f r ancas possi bi l i dades de menor es quant i as necessár i as par a l i ber t ação das cr i anças, mas a concor r ênci a de out r as pessoas, na out r a pont a, após consegui r acumul ar a i mpor t ânci a pr eci sa, o f i l ho negoci ava e r esgat ava a l i ber dade dos pai s. Apesar do dur o si st ema escr avi st a, as r el ações f ami l i ar es e comuni t ár i as est avam pr esent es e er am buscadas par a pr eser var não só as pessoas como al go mai s, um pat r i môni o cul t ur al const r uí do ao l ongo do t empo.

Em 1º de out ubr o de 1866, compar eceu ao car t ór i o de not as Rai mundo José Fer r ei r a par a f azer seu t est ament o. Após as exposi ções habi t uai s, el e passou as cl áusul as de seu t est ament o. Na sext a, encont r a- se:

56 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 3, p.

38v.

57 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 37, p.

Em sext o l ugar di sse que j á t endo passado Car t a de l i ber dade a uma sua cr i a de nome Por f i r i o, com a condi ção de acompanhar a el l e Test ador em quant o vi vo, agor a r at i f i cava e pel o gr ande amor que l he t em dei xa, par a ser t i r ado de sua t er ça, vi nt e novi l has vacas escol hi das das mel hor es, duas par t es de t er r a na Fazenda denomi nada For mi ga, no l ugar chamado Rat o Br anco, t r ezent os mi l r ei s, em di nhei r o, e um caval l o escol hi do dos mi l hor es, e f i nal ment e sahi r a t ão bem de sua t er ça a quant i a que f or pr eci sa par a pagar os di r ei t os Naci onai s, r el act i vament e a est e l egado, assi m mai s, di sse que depoi s de seo f al l eci ment o f i ca f or r a a escr ava de nome Mar i a Mai da r ef er i da cr i a no val or de qui nhent os mi l r ei s, que t ão bem sahi r á de sua t er ça.58

O amor havi a l evado o t est ador a dei xar uma par t e de suas posses par a Por f í r i o e a l i ber dade de sua mãe. Uma possi bi l i dade é a mãe do l i ber t o ser a nova companhei r a de Rai mundo, ou at é mesmo ser o pai bi ol ógi co do meni no, mas i st o não f i ca escl ar eci do no t est ament o.

Em dezoi t o de mai o de 1866, o Tenent e Cor onel Manoel Joaqui m de Car val ho e Si l va t ambém compar eceu ao car t ór i o par a r egi st r ar seu t est ament o. Ent r e as cl áusul as, encont r a- se:

58 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 29, p.

Em sext o l ugar di sse que de sua t er ça t ão bem sai r á a quant i a de duzent os mi l r ei s por quant o f or r ou o mul at i nho Henr i que, como const a da car t a que passou em desecei s de out ubr o de mi l oi t ocent os quar ent a e quat r o, t endo ent ão de i dade set e mezes, o qual mul at i nho f i ca desde j á f ôr r o e l i vr e sem condi ção al guma/ / Em set i mo l ugar di sse, que dei xa par a esse mul at i nho Henr i que dez novi l has de dous annos, das mel hor es que houver na occazi ão, e t er á o mesmo val or , que t i ver o mai s gado59

Não f oi decl ar ado amor ao mul at i nho, mas as novi l has devem t er ser vi do par a um começo i mpor t ant e par a a vi da de Henr i que.

O pat er nal i smo, nesses casos, f i cou evi dent e, poi s os senhor es quer endo pr ot eger “ suas cr i as” dei xar am, após sua mor t e, bens gener osos par a el es, al ém da l i ber dade.

59 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 30, p.

Capítulo 4

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 169-176)