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POUCOS REGISTROS, MUITAS HISTÓRIAS

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 142-150)

A CONQUI STA DA LI BERDADE

3.1 POUCOS REGISTROS, MUITAS HISTÓRIAS

Os Li vr os de Not as t ambém são out r o conj unt o de document os t r azendo i mpor t ant es dados e i nf or mações sobr e os escr avi zados da r egi ão das Jacobi nas: as Car t as de Li ber dade. Est e t i po de document o, sem dúvi da, er a o de mai or i mpor t ânci a par a a vi da dos escr avi zados.

Vej amos os r egi st r os de Car t as de Li ber dade de Mor r o do Chapéu, na r egi ão de mai or per cent agem de escr avi zados em sua popul ação, no l evant ament o de 1856, j á apr esent ado ant er i or ment e.

Os númer os são el oqüent es e podem expr i mi r par t i cul ar i dades r egi onai s i mpor t ant es, i nst i gando pesqui sas e r evel ando dados novos. Ut i l i zando as pr opor ções de por cent agem, el es passam a t er um poder de per suasão ai nda mai or . Ser vi ndo- me dos r egi st r os de Car t as de Li ber dade da ci dade de Mor r o do Chapéu, pr eser vados no Li vr o A, guar dado no Pr i mei r o Car t ór i o do Fór um da ci dade, most r ar ei um pouco desse f ascí ni o.

Desses r egi st r os, 13, 33% não apr esent ar am or i gem nem cor . Do t ot al com r egi st r o de or i gem e cor , apenas 7, 69% apr esent ar am as duas cl assi f i cações, 30, 77% apr esent ar am apenas cor e de 61, 54% f oi r egi st r ada or i gem. Dos r egi st r os com especi f i cação de cor , 60% f or am qual i f i cados como par dos. Daquel es assi nal ando apenas or i gem, 88, 88% f or am qual i f i cados como cr i oul os e apenas 11, 12% er am af r i canos.

Como nos out r os conj unt os de document os sobr e Jacobi na, os af r i canos t i nham pouca expr essão, numér i ca, no conj unt o da popul ação de escr avi zados.

Quant o ao sexo, 80% das pessoas conqui st ando a l i ber dade er am mul her es, cont r a 20% de homens. As cr i anças e j ovens r epr esent ar am 40% dos l i ber t andos. Ent r e as pessoas do sexo mascul i no, as cr i anças e j ovens r epr esent ar am 33, 33%, e, ent r e as de sexo f emi ni no, 41, 66% er am da f ai xa et ár i a de 0 a 20 anos.

Mesmo consi der ando que os doi s úl t i mos par ágr af os f or am apenas um pequeno exer cí ci o i nt r odut ór i o e não uma anál i se est at í st i ca apr of undada, apesar de di mi nut o, est e conj unt o possi bi l i t a saber um pouco mai s sobr e as l ut as e est r at égi as de conqui st as de l i ber dade, em Mor r o do Chapéu.

O t empo f oi bast ant e cr uel par a com essa document ação e só f oi pr eser vado o Li vr o A, cont endo r egi st r os de 1837 a 1848, gr aças à ut i l i dade dos out r os conj unt os de r egi st r os. No moment o da pesqui sa, o of i ci al do car t ór i o r ecebeu um pedi do de cer t i dão de r egi st r o de escr i t ur a exat ament e do l i vr o ut i l i zado.

A conqui st a da l i ber dade f oi medi ant e pagament o em 7 casos, cor r espondendo a 46, 66%. Faust i na, qual i f i cada como de cor cl ar a, com 40 anos, pagou a menor quant i a r egi st r ada, no val or de 102$000. O mai or val or , 400$000 r éi s, f oi desembol sado por João, af r i cano, em 26/ 11/ 1842. A médi a ger al f oi de 251$142 r éi s, sendo que a médi a encont r ada par a os

homens f oi de 315$500 r éi s e par a as mul her es, de 225$400 r éi s, cobr i ndo um per í odo de 1841 at é 1847. Par a est es anos, exi st em i númer os r egi st r os de car t as com val or expr esso.

Compar ando os val or es das conqui st as de l i ber dade com os encont r ados por Mar i a José de Souza Andr ade, obser va- se o enquadr ament o de Faust i na no gr upo “ mai or com of í ci o sem doença” , na t abel a el abor ada pel a pesqui sador a, sendo a médi a obt i da de 190$000, ou sej a, a l i ber t anda despendeu pouco mai s da met ade do val or vi gent e em Sal vador , no mesmo ano de 18424.

Compar ando com o val or de 328$750, médi a col et ada nos Regi st r os de Compr as, Venda e Doações par a Jacobi na5, par a a

mesma f ai xa et ár i a de Faust i na e ano, el a pagou menos de um t er ço do val or obt i do par a a r egi ão. A pr oxi mi dade com seu senhor desde mui t o t empo, el a f oi dei xada de her ança par a Fr anci sco de Paul a Fi del i z, e a “ gr at i dão pel os ser vi ços pr est ados”6, podem expl i car essa di f er ença do val or

encont r ado.

A meni na Joanna, cr i oul a, set e anos, conqui st ou sua l i ber dade pagando 200$000 r éi s. Na car t a, exi st e apenas a ci t ação de “ f al eci ment o dos donos ant er i or es”7. O val or obt i do

pel a pr of ª . Mar i a José Andr ade, par a a mesma f ai xa et ár i a, f oi

4 ANDRADE, Mar i a José de Souza. A mão- de- obr a escr ava em Sal vador ,

1811- 1860. Sal vador : Cor r upi o, 1988, Tabel as 10, 10. 1, 11, 11. 1, p. 207- 214.

5 ver nos anexos.

6 FÓRUM MUNI CI PAL DE MORRO DO CHAPÉU ( FMMC) , Li vr o A, p. 132 7 FMMC, Li vr o A, p. 138

de 176$666 r éi s8, ou sej a, pagou um sobr eval or de mai s de 13%.

Par a o mesmo ano e f ai xa et ár i a obt i ve, nos r egi st r os de Venda, Compr a e Doações, a médi a de 260$000 r éi s, ou sej a, el a desembol sou 30% menos que a médi a de val or obt i do par a Jacobi na.

O val or r egi st r ado na car t a de l i ber dade do af r i cano João, 400$000 r éi s, em 26 de novembr o de 1842, par a sua senhor a Ter eza de Jesus Mar i a9, f oi mai or que o obt i do por mi m

nos Regi st r os de Compr as, Venda e Doações par a Jacobi na e na Tabel a de Mar i a José Andr ade10. O val or par ece r ef l et i r uma das

condi ções i mpr essas na car t a, mas est as não f i cam de f or ma nenhuma escl ar eci das no document o, nem exi st e qual quer pi st a par a sua sol ução. A condi ção expr essa f oi : “ ser ão l i ber t os os f i l hos de Fel i ppe” . Quem er a Fel i ppe? Um par ent e, ami go ou compadr e? A pr oxi mi dade de um pequeno núcl eo ur bano possi bi l i t ava um r egi st r o assi m, sem os nomes ou qual quer i ndi cat i vo das pessoas envol vi das. Ou ser á uma f or ma de bur l ar a l ei e dei xar os “ f i l hos de Fel i ppe” na mesma condi ção de escr avi zados? Não encont r ei nenhuma pi st a nos out r os conj unt os de f ont es par a aj udar na el uci dação dest e caso.

Os casos de mai or e menor val or f or am r egi st r ados no ano que concent r a o mai or númer o das l i ber dades, 1842, com quat r o

8 ANDRADE, Mar i a José de Souza. A mão- de- obr a escr ava. . . , op. ci t . ,

p. 207- 214.

9 FMMC, Li vr o A, p. 191.

10 ANDRADE, Mar i a José de Souza. A mão- de- obr a escr ava. . . , op. ci t . ,

r egi st r os ( 26, 66%) , em Mor r o do Chapéu. Quat r o t ambém f oi o númer o de casos, nos quai s a l i ber dade f oi conqui st ada com a condi ção de ser vi r em vi da, não t endo nenhum caso com pagament o, e condi ção de ser vi dão.

Os val or es das mul her es apr esent am númer os mui t o di scr epant es. A meni na Joanna, cr i oul a, cor cobr e, de set e anos, conqui st ou sua l i ber dade pel o val or de 200$000 r éi s, enquant o o pr eço pago por Faust i na, cor cl ar a, de quar ent a anos, f oi de 102$000 r éi s, ou sej a, quase a met ade.

I sso par ece r ef l et i r uma t endênci a, par a a r egi ão, a val or i zação das mul her es j ovens com mai s anos de t r abal ho pr odut i vo pel a f r ent e, al ém de poder t or nar em- se r epr odut or as. Os val or es t ambém podem r ef l et i r out r as nuances como a i nt i mi dade const r uí da ent r e os envol vi dos nas car t as.

Out r os mot i vos de conqui st a da l i ber dade t ambém são expr essos nesse conj unt o de Car t as, t ai s como: bons ser vi ços, ou mot i vo semel hant e como gr at i dão pel os mui t os anos de ser vi ços pr est ados; amor de cr i ação; pr esent e de casament o da escr ava; ou o senhor r ecebeu out r a escr ava no mesmo val or .

Esses mot i vos i nst i gam novos ol har es sobr e as r el ações ent r e escr avi zados e senhor es. Exi st e um r egi st r o, de 01 de j anei r o de 1843, no qual a escr avi zada, o nome est á i l egí vel , de dezesset e anos, cr i oul a, conqui st a sua l i ber dade como

pr esent e de casament o de seu senhor , José de Souza de Car val ho11.

Essa conqui st a par ece- me embasada em uma r el ação de í nt i ma pr oxi mi dade const r uí da ent r e a escr avi zada e a f amí l i a do senhor , poi s f i cou est abel eci da a condi ção de a l i ber t anda cont i nuar ser vi ndo na casa da f amí l i a.

O amor t ambém f oi o mot i vo da conqui st a da car t a de Li ber dade de Ar cangi l a, cr i oul a, de t r ês anos de i dade, r egi st r ada em 26/ 06/ 1841. Sua senhor a, Eugeni a da Si l va Lemos, dei xou, de al guma manei r a, expr esso seu amor e a meni na r ecebe do senhor José de Souza Bi spo a car t a, “ como pr emi ação pel o f al eci ment o da mul her Eugeni a [ . . . ] que t i nha mui t o amor pel a escr ava”12.

A meni na f oi ent r egue a Ant oni o, escr avo do Al f er es Ant oni o Fer r ei r a, encar r egado de sua cr i ação. Est a possi bi l i dade l eva a pensar na exi st ênci a de gr upos af r o- br asi l ei r os de par ent esco ou convi vênci a envol vendo escr avi zados de di f er ent es senhor es.

Os l aços er am ext r emament e f or t es, possi bi l i t ando a saí da da meni na da casa de seu ex- senhor par a vi ver com out r as pessoas. Qual ser á o gr au de par ent esco ent r e a meni na e Ant oni o? Se não er am par ent es, quai s ser i am seus el os? Est es quest i onament os f i car am sem r espost as.

11 FMMC, Li vr o A, p. 216 12 FMMC, Li vr o A, p. 120

Foi possí vel ao meni no Candi do t ambém const r ui r uma r el ação de t r ocas sent i ment ai s i nt ensas com sua senhor a, Ther eza Jesus Mar i a, l evando à conqui st a de sua l i ber dade e a de sua mãe Cl ar a, cr i oul a, em 16 de f ever ei r o de 183813.

Esse amor f i cou expr esso nesse document o ambí guo, poi s apesar de enunci ar em seu boj o a condi ção de pr opr i edade do senhor , enquant o concedent e da l i ber dade, sobr e o escr avi zado, est e passava a ser devedor desse f avor pel o r est o de sua vi da ao senhor ou senhor a, expr essa t ambém f or mas sur das de r esi st ênci a dent r o do si st ema escr avi st a, às vezes const r uí da com cui dados e car i nho.

A pr ópr i a car t a de l i ber dade pode ser pensada como uma i nst i t ui ção que expl i ci t a o car át er cont r adi t ór i o da escr avi dão moder na e o pat er nal i smo senhor i al . O senhor consi der ava- se o dono do escr avi zado, por t ant o a l i ber dade er a uma dádi va, par a el e. O escr avi zado usava t odos os r ecur sos di sponí vei s par a consegui r sua al f or r i a, e nest e sent i do, el a er a uma conqui st a. O desenvol vi ment o do pat er nal i smo no Vel ho Sul , i st o é, o desenvol vi ment o de um senso de di r ei t os e dever es r ecí pr ocos ent r e senhor es e escr avos, i mpl i ca num consi der al espaço de vi da, no qual os escr avos pudessem cr i ar f amí l i a est ávei s, desenvol ver uma r i ca comuni dade espi r i t ual e gozar de conf or t o f í si co.14

13 FMMC, Li vr o A, p. 38

14 GENOVESE, Eugene D. , 1993, apud RI BEI RO JÚNI OR, Fl or i sval do Paul o.

A l ógi ca da car t a de l i ber dade apr esent ava mai s cl ar ament e essa cont r adi ção baseada na ment al i dade do si st ema. A possi bi l i dade de l i ber dade l evava o escr avi zado a uma post ur a mai s obedi ent e e dóci l per ant e o senhor . Por out r o l ado, est a possi bi l i dade t ambém ger ou novas f or mas de convi vênci a e al i anças no sent i do de gar ant i r a conqui st a da l i ber dade15.

Par a conqui st ar a l i ber dade, t odas as possi bi l i dades of er eci das pel o escr avi smo er am usadas, como no caso da meni na par da Er emar i a, de 12 anos, of er ecendo como pagament o de sua l i ber dade out r a pessoa, Mar i a Cl ar a, em r egi st r o de 13 de abr i l de 183816.

É i nci t ant e, esse document o r evel ando a l ógi ca da escr avi dão moder na oci dent al , poi s uma meni na de doze anos consegui u r ecur sos par a compr ar uma out r a pessoa escr avi zada. I st o r ef or ça, t ambém, a escr avi dão como si st ema. Como em casos ant er i or es, exi st e a possi bi l i dade do concur so dos pai s, par ent es, padr i nhos ou ami gos t er em aj udado, mas i st o não f i cou expr esso no document o.

Em out r os, o si st ema é quest i onado, como na Car t a de 05 de mai o de 1842, da meni na Joanna, de set e anos, cr i oul a, cor cobr e, pel a qual , após o f al eci ment o de seus ant i gos senhor es,

cat i vei r o – Uber aba, 1858- 1901. 2001, 192 f . Di sser t ação ( Mest r ado em Hi st ór i a Soci al ) - Pont i f í ci a Uni ver si dade Cat ól i ca de São Paul o, São Paul o, 2001. p. 53.

15 LARA, Si l vi a Hunol d. ‘ Bl owi n’ i n t he Wi nd: E. P. Thompson e a

exper i ênci a negr a no Br asi l : Pr oj et o Hi st ór i a, São Paul o, n. 12, out . 1995.

conqui st a sua l i ber dade medi ant e o pagament o do val or de sua aval i ação, 200$000 r éi s, após ser dest i nada como par t e da her ança de José Pedr o de Souza.

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 142-150)