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3 COMO O DIREITO À SAÚDE É CONCRETIZADO NO BRASIL?

3.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA

3.2.1 A falta de vontade política

O artigo 196 da Magna Carta atribui ao Estado o dever de garantir a saúde para todos por intermédio de políticas sociais e econômicas. Assim, resta claro o alto grau de importância conferido às políticas econômicas e políticas sociais enquanto verdadeiras condições de possibilidade para que o direito à saúde seja aferível no plano real.

Na esteira do pensamento de Jairnilson Silva Paim380, as políticas econômicas e sociais são instrumentos imprescindíveis para a salvaguarda do direito à saúde. Segundo o

377

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. A produção do Direito no Brasil: A dissociação entre direito e realidade social e o direito de Acesso à Justiça. 2. ed. Ilhéus: Editus: 2008. p. 160.

378

BEZERRA, loc. cit.

379

DANTAS, 2009b, p. 177.

380

aludido autor, “questões como a produção e a distribuição da riqueza e da renda, emprego, salário, acesso à terra para plantar e morar, ambiente, entre outras, influem sobre a saúde dos indivíduos e das comunidades, embora integrem as políticas econômicas”.381 Em uma relação de complementaridade, as políticas sociais são implementadas por meio da educação, lazer, segurança pública, cultura e outros aspectos que possuem o condão de minorar os riscos de doenças e agravos.

Dessa maneira, um dos principais fatores que cercam a problemática de inefetividade do direito à saúde consiste no seu aspecto político, ou seja, no grau de vontade demonstrado pelo Poder Público (em meio às suas funções) para implantar políticas públicas compatíveis com os problemas sanitários. Com efeito, as políticas públicas de saúde representam o primeiro instrumento apto a realizar o disposto no art. 196 da Constituição Federal.382

Assim sendo, entende-se que a compreensão da dinâmica que permeia o sistema social de saúde383 perpassa inicialmente pela observância do aspecto político. Vale dizer, a vontade política atua como meio de pressão nas entradas do sistema sanitário, bem como no processamento das demandas.384

Hernán Durán Morales385, ao tratar do tema, assevera que:

El sistema de salud sería incomprensible en su dinámica si no se entendiera que hay un contexto político que afecta sus componentes. El poder político real, con sus valores, ideologías e intereses va condicionando en la sociedad una actitud respecto a la salud de la población, sus riesgos y sus consecuencias. Esta valoración define la trascendencia social de la salud y proporciona a los agentes políticos (líderes, partidos, sindicatos, profesionales, y otros.) los argumentos que los llevan a actuar como órganos de presión a la entrada del sistema y también durante el procesamiento de las demandas.

Em face do exposto, as políticas de saúde surgem como um instrumento de governo, que devem ser aplicadas de acordo com as normas de gestão política, os valores, ideologias e interesses da população.386 Se há um planejamento sanitário, “éste no es otra cosa que un modelo de aplicación de la política, que en última instancia está en manos de quienes

381 PAIM, 2009, p. 44. 382 SCHWARTZ, 2001, p. 156-157. 383 Cf. Anexo E 384

MORALES, Hernán Durán. Aspectos Conceptuales y Operativos del Proceso de Planificacion de la Salud. Santiago de Chile: Las Naciones Unidas, 1989. p. 44.

385

MORALES, loc. cit.

386

ejercen el poder”.387

Portanto, cabe ao Estado o dever de realizar as políticas públicas sanitárias e de criar condições que possibilitem o acesso efetivo aos serviços de saúde.

É o que se verifica abaixo:

O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. (AI 734.487- AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20- 8-2010.)

As políticas públicas de saúde devem ser encaradas como verdadeiras imposições constitucionais a serem cumpridas pelos administradores, sujeitas, por conseguinte, ao controle judicial.388 Nesse contexto, o sentido de política pública passível de controle jurisdicional abarca toda e qualquer atuação estatal (incluindo a não ação), por intermédio da Administração pública, que tenha como escopo a concretização de direitos fundamentais389, tais como o direito à saúde.

Ao Poder Judiciário cabe o papel de correção das eventuais distorções evidenciadas no plano sanitário, desde que provocado. A atuação judicial far-se-á em um momento posterior à verificação de que as ações estatais não foram suficientes para salvaguardar o direito à saúde. Trata-se, por conseguinte, de uma atuação secundária (mas não suplementar) em relação ao dever dos Poderes Legislativo e Executivo, pois não existiria a necessidade de uma decisão oriunda do sistema judicial caso tais Poderes cumprissem satisfatoriamente as suas respectivas funções.390

Ocorre que, de uma forma geral, os preceitos instituidores de direitos sociais (a serem executados pelo administrador) não têm sido cumpridos, configurando, portanto, uma situação de crise estatal. Além disso, segundo Têmis Liemberger, “atualmente, não se afigura um projeto político claro com realização às demandas prestacionais sociais. Como consequência, os serviços públicos não são prestados ou o são de forma deficiente”.391

Como bem adverte Schwartz392, pode-se afirmar que uma parte da culpa relacionada à inefetividade do art. 196 reside “na falta de vontade política, na ausência de

387

MORALES, 1989, p. 44.

388

LIEMBERGER, Têmis. Políticas públicas e o direito à saúde: a busca da decisão adequada constitucionalmente. In: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. v. 5. p. 54.

389

JORGE NETO, Nagibe de Melo. O controle jurisdicional das políticas públicas: concretizado a democracia e os direitos sociais fundamentais. Salvador: Jus Podvim, 2009. p. 54.

390 SCHWARTZ, 2001, p. 162. 391 LIEMBERGER, 2009, p. 54-55. 392 SCHWARTZ, 2001, p. 159.

respeito à Constituição por parte dos Poderes Públicos e na ausência de compreensão do porquê de existirem Poderes Constituídos imbuídos da defesa do interesse público – e que no entanto não cumprem a sua função”.393

Trata-se, portanto, de uma questão que demanda uma conscientização ético- política em torno do respeito à Constituição e do papel que o administrador (enquanto agente público) deve exercer para a adequada concretização do conteúdo constitucional.

Além disso, não se pode olvidar que o comportamento omissivo da sociedade diante da falta de vontade política só contribui para a manutenção do status quo. Ora, como bem adverte Jose Luis Bolzan de Morais, “o Estado somos todos nós”,394 isto é, a sociedade também possui a sua carga de responsabilidade diante dos resultados alcançados, como resultado da arte política, tal como a tradição grega ensina.395

Nesse mesmo sentido, Sandra Regina Martini Vial396 aduz que:

Para o direito à saúde ser plenamente realizado, não basta apenas a preocupação estatal; é preciso o engajamento de todos (indivíduos, famílias, organismos, empresas); é preciso uma construção coletiva da saúde com participação ativa do Estado, não no sentido de privatizar a saúde, mas de torná-la um lócus público.

Nessa etapa, a participação não se restringe à ida periódica às urnas, a fim de atribuir representação a membros dos Poderes Legislativo e Executivo, mas exige cidadãos com uma postura ativa em torno da sua liberdade e dos seus direitos fundamentais, com o intuito de que a liberdade real possa alcançar a todos. É nesse sentido que a Sociedade deve participar da decisão dos temas que dizem respeito ao gozo dos direitos fundamentais por todos397, o que inclui o direito social à saúde.

Assim sendo, conclui-se que, caso houvesse uma real e efetiva vontade política, a Constituição seria devidamente concretizada e, consequentemente, a problemática sanitária brasileira estaria mais próxima da efetivação.398

393

SCHWARTZ, 2001, p. 159 , (grifo nosso).

394

MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Afinal: quem é o estado? Por uma Teoria (possível) do/para o Estado Constitucional. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson; BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis; STRECK, Lenio Luiz (Orgs.). Estudos Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 171-172.

395

Ibid., p. 172.

396

VIAL, Sandra Regina Martini. Democracia, direito à saúde: do direito ao direito à saúde. In: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. v. 6. p. 189.

397

LEDUR, 2009, p. 210-211.

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