3 COMO O DIREITO À SAÚDE É CONCRETIZADO NO BRASIL?
4.3 ALTERNATIVAS PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
4.3.4 Participação popular e democracia na saúde
Apesar das inúmeras previsões salvaguardadas pela Constituição Federal brasileira para a participação da população (como nos Conselhos Municipais de Saúde, por exemplo), a realidade é que a herança do modelo autoritário estatal ainda é bem presente e, em função disso, o cidadão tende a se sentir mais determinado a buscar a tutela jurisdicional
1077
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Brasil). Grupo de Trabalho Saúde. Disponível em:
<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/grupos-de-trabalho/saude/institucional/apresentacao>. Acesso em: 13 ago. 2014.
1078
Id. Financiamento da saúde. Brasília, DF, 2008. p. 92. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/pfdc/ institucional/grupos-de-trabalho/saude/atuacao/manuais-de-atuacao/Financiamento_da_saude>. Acesso em: 13 ago. 2014.
1079
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Brasil), loc. cit.
1080
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Brasil), loc. cit.
1081
ROCHA, 2011, p. 59.
1082
do Estado do que motivado a tentar alcançar a efetivação de seus direitos por meios coletivos de participação social.1083
Além disso, há de se acrescentar que a sociedade brasileira atual tem como característica um acentuado individualismo. De igual modo, faz-se importante considerar que, no imaginário da população, subsiste a crença de que a solução dos problemas relacionados ao acesso à saúde é função exclusiva dos governos, uma vez que os cidadãos pagam tributos para isso.1084
Nesse sentido, faz-se necessário que a barreira característica do individualismo seja superada paulatinamente. Em uma sociedade complexa e com múltiplos problemas em áreas cruciais para a dignidade humana, “como educação, saúde, moradia, segurança entre outras, as soluções individualizadas serão sempre mais dispendiosas e pouco eficientes para a construção da cidadania ativa e da justiça social”.1085
Por conseguinte, o estudo em torno da participação popular e da democracia na saúde surge enquanto alternativa importante para se (re)pensar a concretização do direito à saúde no Brasil.
No que se refere à participação popular na saúde, a Constituição estabelece que:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
[...]
III - participação da comunidade.
A participação da comunidade constitui um dos principais meios democráticos de se efetivar a saúde, afinal, “a proteção da saúde não é interesse exclusivo de alguém; é de todos”.1086
Aqui, “o cidadão assume um papel de agente promotor da eficácia sanitária, para que todos possam contar efetivamente com a saúde”.1087
Na prática, a Lei nº 8.142/90 estabelece normas sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, sendo que tais normas fornecem subsídios para a criação da Conferência de Saúde e do Conselho de Saúde, instâncias colegiadas que atuam em cada nível da federação como “catalizadores da participação e gestão democrática do sistema”.1088
Desse
1083
CARLINI, Angélica. Judicialização da Saúde: pública e privada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 177-178.
1084
Ibid., p. 178.
1085
CARLINI, loc. cit.
1086 SCHWARTZ, 2001, p. 183. 1087 Ibid., p. 187. 1088 FIGUEIREDO, 2009, p. 98.
modo, a participação da comunidade resta viabilizada por intermédio de diversas possibilidades, dentre as quais se destacam:
1) a Conferência de Saúde, que avalia a situação da saúde e propõe a formulação da política de saúde no nível correspondente – art. 1º, §1º, da Lei nº 8.142/90.
2) o Conselho de Saúde, que formula estratégias e atua no controle da execução da política de saúde na instância correspondente – art. 1º, § 2º, da Lei nº 8.142/90.1089
Busca-se, com isso, fomentar a participação em ações e serviços no âmbito da saúde, o que pode ocorrer por meio de organizações representativas de cunho comunitário, “seja de profissionais e prestadores de serviços que atuam no ramo da saúde, seja, especialmente, dos usuários”.1090
Dessa forma, viabiliza-se a participação nas decisões “acerca das diretrizes, estratégias, execução e controle relativos a programas voltados à saúde pública no país”.1091 O conselho de saúde, por exemplo, “tem organizado as conferências nacionais que debatem e deliberam sobre temas relevantes para a saúde, eventos que tem contado com a atenção da mídia”.1092
Pela via do Poder Judiciário, a participação da comunidade também resta assegurada por meio “das garantias coletivas do direito à saúde, tais como o mandado de segurança coletivo, a ação popular, a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção coletivo, entre outros”.1093
Há, ainda, a existência de Organizações Não- Governamentais – ONGs, que também contribuem de forma direta para a participação da comunidade na Administração Pública. Exemplos no caso do direito à saúde: “Liga Feminina de Combate ao Câncer, Greenpeace, SOS Erro Médico, AVERMES – Associação das Vítimas de Erros Médicos”.1094
Ademais, a participação popular deve ser constatada igualmente a partir das experiências dos Municípios que adotam o orçamento participativo. Um exemplo é o Município de Porto Alegre, que possui o Conselho do Orçamento Participativo enquanto “órgão de participação direta da comunidade, tendo por finalidade planejar, propor, fiscalizar e deliberar sobre a receita e despesa do Orçamento”.1095
1089 SCHWARTZ, 2001, p. 109. 1090 LEDUR, 2009, p. 197. 1091
LEDUR, loc. cit.
1092
Ibid., p. 196.
1093
SCHWARTZ, op. cit., p. 186.
1094
SCHWARTZ, loc. cit.
1095
Nesse particular, cumpre chamar atenção para a necessidade de uma “virada institucionalista no campo da saúde no Brasil”,1096
isto é, para o resgate do processo de escolhas públicas. Isso passa pelo controle preventivo das informações relacionadas à execução do orçamento público, mas não é algo adstrito ao orçamento. É preciso, por exemplo, definir protocolos médicos, deliberar sobre os montantes de recursos e, por fim, eleger prioridades por critérios públicos.1097 O fato é que a supracitada virada demanda a publicização de todas essas escolhas, sendo que a publicização não é somente sinônimo de divulgar, mas também consiste em tornar público o processo de escolha.1098
Nota-se, destarte, a importância do controle preventivo das informações relacionadas à execução do orçamento público, bem como o papel que o cidadão bem informado pode exercer nesse contexto.1099
A importância da transparência acerca da execução orçamentária pode ser identificada sob duas facetas. Por um lado, a transparência consiste em um dever da Administração de conferir publicidade aos seus atos. Por outro lado, há o direito do cidadão de ser informado sobre o que acontece com a coisa pública.1100 De acordo com Têmis Liemberger, “por meio da informação disponível em meio eletrônico, desenvolve-se um controle preventivo, estimula-se a participação popular, torna-se o exercício do poder mais transparente e, conseqüentemente, mais democrático”.1101
Esse controle preventivo é importante, pois o sistema jurídico atua predominantemente de modo repressivo, isto é, depois de ocorrido o ilícito.1102 Conclui-se, portanto, que o controle preventivo, exercido através da participação popular e da transparência orçamentária, constitui um importante meio de fiscalização das verbas orçamentárias destinadas à saúde e, por via de consequência, uma alternativa factível na busca pela efetividade do direito à saúde.
1096 AMARAL, 2010, p. 180. 1097 Ibid., p. 179. 1098 Ibid., p. 180. 1099 LIEMBERGER, 2010, p. 229. 1100
LIEMBERGER, loc. cit.
1101
LIEMBERGER, loc. cit.
1102