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3 COMO O DIREITO À SAÚDE É CONCRETIZADO NO BRASIL?

4.3 ALTERNATIVAS PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

4.3.1 O fortalecimento da via administrativa

Uma das principais críticas conferidas à judicialização da saúde está relacionada à questão de um eventual rompimento da igualdade no acesso à justiça. Isto é, algumas pessoas com condições de acionar o Poder Judiciário (seja por meio da advocacia privada ou da defensoria pública) teriam vantagem em detrimento das demais pessoas que não possuem essa possibilidade em função da falta de informação e/ou instrumentalização (a exemplo da ausência de Defensoria Pública em alguns Estados).1040

De acordo com Luís Roberto Barroso, “quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial”.1041

Em face de tal crítica, Têmis Liemberger1042 propõe o fortalecimento da via administrativa enquanto meio apto para a solução dos litígios. Segundo a autora:

Esta via propicia uma agilização em termos de solução de conflitos, pois dialoga diretamente com o setor que institui a política pública e que por algum motivo esta não foi implementada. Sabe-se que o Brasil adotou o sistema da unidade da jurisdição, em detrimento da dualidade, como ocorre na França. Assim, não se tem como suprimir o acesso ao Judiciário brasileiro. Ocorre, porém, que se todas as demandas vão ser discutidas em juízo, em um país de alta litigiosidade, baixo cumprimento espontâneo do direito, pouca credibilidade das instituições públicas, ao que se soma por vezes omissões e má gestão dos órgãos públicos, o Judiciário acaba colapsando com grande número de demandas, o que redunda em morosidade.

Nesse particular, insta salientar a experiência das defensorias públicas dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. A prática de tais defensorias já tem sinalizado uma diminuição considerável das ações judiciais em matéria de saúde, mediante a conciliação prévia por meio da via administrativa, especialmente nas situações que envolvem direitos salvaguardados por políticas públicas existentes no SUS.1043

A Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, em ação conjunta com o município e a defensoria pública estatal, instituiu uma prática colaborativa ante a questão dos medicamentos. Os acordos proporcionaram a criação de uma central única para recebimento

1040 LIEMBERGER, 2010, p. 226. 1041 BARROSO, 2008, p. 241. 1042

LIEMBERGER, op. cit., p. 226-227.

1043

de mandados, com o intuito de evitar a duplicidade de medidas judiciais.1044 Em parceria com a Defensoria Pública do Estado, firmou-se um ajuste “para que ações, pelo menos em relação aos remédios expressamente constantes de listas, não sejam mais propostas, e para que o medicamento seja entregue mediante simples entrega de ofício”.1045

Na prática, quando o sujeito comparece à defensoria, ao invés de se ingressar imediatamente com a ação judicial, verifica-se o termo de cooperação que firma o compromisso de fornecimento e a relação de medicamentos disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde e, após isso, um ofício é enviado para a Secretária de Saúde a fim de que, no prazo máximo de sessenta dias, o Estado entregue voluntariamente o medicamento. Caso isso não ocorra, ajuíza-se a ação judicial. Segundo “o Núcleo de Fazenda Pública da Defensoria do Estado do Rio de Janeiro, as ações foram reduzidas em 95%. Então, o Judiciário se viu desafogado em 95% de suas ações judiciais”.1046

É óbvio que em alguns casos o prazo de sessenta dias não poderá ser aguardado e/ou o medicamento não se encontra na lista relacionada ao termo de cooperação. Nesses casos, ao longo dos debates da Audiência Pública de Saúde, consignou-se uma segunda alternativa já utilizada pela Defensoria Pública da União, qual seja, a formação de câmaras prévias de conciliação. Tal câmara atua em um regime de cooperação entre a Defensoria Pública da União, o Instituto Nacional de Seguridade Social e o Ministério da Previdência. Diante disso, os casos concretos de maior complexidade são enviados para essa câmara com o fito de encontrar alguma solução. Caso não se encontre uma solução, resta aberta a possibilidade de acionar o judiciário.1047

Em São Paulo, por sua vez, firmou-se uma parceria entre a Defensoria Pública estadual e a Secretária de Saúde do Estado com o fito obter uma solução administrativa para a dispensa de medicamentos das listas oficiais ou dos chamados medicamentos excepcionais. O procedimento se desenvolve através do encaminhamento das pessoas que procuram a

1044

MASCARENHAS, Rodrigo Tostes de Alencar. Audiência Pública da Saúde: responsabilidade dos entes da federação e financiamento do SUS. p. 3-4. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudiencia

PublicaSaude/anexo/Sr._Rodrigo_Tostes_de_Alencar_Mascarenhas__Subprocurador_Geral_do_Estado_do_Rio _de_Janeiro_.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2014.

1045

Ibid., p. 4.

1046

ORDACGY, André da Silva. Audiência Pública da Saúde: RESPONSABILIDADE DOS ENTES DA FEDERAÇÃO E FINANCIAMENTO DO SUS. p. 9. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/ processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Sr._Andre_da_Silva_Ordacgy__Defensor_Publico_da_Uniao_.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2014.

1047

Defensoria Pública para o atendimento administrativo por técnicos da Secretária de Saúde, que desempenham essa função no próprio da defensoria.1048

No atendimento, caso se trate de um medicamento da lista oficial, o paciente é orientado a se dirigir para o local onde o fármaco já está disponível para a retirada, sem qualquer burocracia. Quanto aos medicamentos excepcionais, após a instauração de um procedimento administrativo na esfera da própria secretaria, o paciente é submetido a uma avaliação médica. Nessa etapa, confirmada a patologia e a medicação prescrita, se tal medicação for oficial (estiver inscrita na ANVISA), a entrega deve ser feita em um período que varia entre 30 a 40 dias. Os casos excepcionais, o que varia em função da gravidade da patologia, são tratadas, igualmente, de forma excepcional, com prazos reduzidos.1049

Essa experiência produziu um resultado positivo. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo apresentou, em uma unidade específica para mover ações contra a Fazenda Pública na área de medicamentos, um volume aproximado de 150 a 180 ações/mês, exclusivamente no município de São Paulo. Após um ano, esse número foi reduzido para aproximadamente 15 a 18 ações/mês. Isto é, por meio de um esforço conjunto, conseguiu-se reduzir “em cerca de 90% a judicialização das ações referentes ao fornecimento de medicamentos”.1050

Ademais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a recomendação nº 31/2010,1051 com o intuito de indicar aos Tribunais a importância da adoção de medidas que visam subsidiar os magistrados na solução das demandas judiciais envolvendo o direito à saúde. Além disso, por intermédio da resolução nº 107/2010,1052 o supracitado Conselho instituiu o Fórum Nacional de Saúde para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde. Dentre as atribuições de tal Fórum, destacam-se a elaboração de estudos e a indicação de medidas (concretas e normativas) voltadas para a melhoria dos procedimentos, bem como para o reforço à efetividade dos processos judiciais e à prevenção de novos conflitos.1053

1048

MAXIMIANO, Vitore. Audiência Pública da Saúde: gestão do SUS – Legislação do SUS e universalidade do sistema. p. 5-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoaudienciapublicasaude/anexo/sr_ vitore_maximiano.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2014.

1049

Ibid., p. 6-7.

1050

Ibid., p. 7.

1051

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010. p.1. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/recomendacoes/reccnj_31.pdf>. Acesso em: 06 Ago. 2014.

1052

Id.. Resolução nº 107, de 6 de abril de 2010. p. 1. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/ docs_cnj/resolucao/rescnj_107.pdf>. Acesso em: 06 Ago. 2014.

1053

Em face do exposto, nota-se a importância da aproximação entre o Poder Judiciário e os órgãos responsáveis pela assistência farmacêutica e fornecimento de medicamentos. Essa é uma prática que viabiliza a troca de informações a respeito dos medicamentos padronizados e daqueles que integram as demandas judiciais, o que pode auxiliar nas decisões do Poder Judiciário e na gestão farmacêutica das Secretarias.1054

Dessa forma, o fortalecimento da via administrativa pode ser visto como uma alternativa interessante para a efetivação do direito à saúde. Segundo Têmis Liemberger:1055

A via a ser construída, aponta que os organismos institucionais podem construir alternativas de aperfeiçoamento, visando a informação recíproca, com o objetivo de melhorar a prestação do direito social à saúde, mediante a racionalização de rotinas e procedimentos conferindo-lhe uma maior efetividade, bem como a otimização de recursos e sua fiscalização. Enfim, cada um dos atores jurídicos e dos poderes comprometidos no seu papel, trabalhando de uma maneira integrada como forma de desbancar a estrutura patrimonialista, infelizmente, tão presente no Brasil. A partir de então, possivelmente as instituições funcionarão como balizadores democráticos e não servirão para extratificar desigualdades.

Por fim, cumpre salientar que a utilização da via administrativa não significa um desprestígio ao Poder Judiciário, “mas sim uma racionalização dos custos (tempo e dinheiro), que poderão propiciar um maior investimento em outros setores que estão a demandar o investimento do setor público”.1056

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