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2 O CARÁTER FUNDAMENTAL DO DIREITO À SAÚDE

2.1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1.4 O regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais sociais

2.1.4.1 A fundamentalidade formal e material dos direitos fundamentais

adstrito à segunda dimensão, o direito à saúde pode ser analisado a partir das múltiplas dimensões dos direitos fundamentais. É nesse sentido que o presente trabalho direciona as suas investigações, isto é, avalia-se a efetividade do direito à saúde, levando-se em consideração as várias dimensões que o mencionado direito assume e, especialmente, a ideia de que o direito à saúde (enquanto direito social) requer obrigações positivas e negativas.137

2.1.4 O regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais sociais

O regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais sociais apresenta três pontos basilares a serem analisados. Em primeiro lugar, cabe observar as noções que permeiam a fundamentalidade (formal e material) de tais direitos. Em segundo lugar, tendo em vista o estudo do alcance das normas constitucionais que dispõem sobre os referidos direitos, aborda-se a concepção materialmente aberta adotada pelo constituinte pátrio (art. 5º, §2º, da CF/88). Por fim, a análise se volta para a interpretação da cláusula que contempla a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º, da CF/88).138

2.1.4.1 A fundamentalidade formal e material dos direitos fundamentais

Em princípio, a fundamentalidade dos direitos fundamentais pode ser desvelada a partir das lições de J. J. Gomes Canotilho acerca das diferenças entre os significados de constitucionalização e de fundamentalização.

Com efeito, o ilustre constitucionalista lusitano assevera que a constitucionalização consiste na “incorporação de direitos subjectivos do homem em normas formalmente básicas”, ou seja, na inclusão dos aludidos direitos em meio às constituições formais. A fundamentalização, por sua vez, baseia-se nas noções de fundamentalidade

137

Nesse sentido, Victor Abramovich e Christian Courtis afirmam que: “los derechos sociales tampoco se agotan en obligaciones positivas: al igual que en el caso de los derechos civiles, cuando los titulares hayan ya accedido al bien que constituye el objeto de esos derechos – salud, vivienda, educación, seguridad social – el Estado tiene la obligación de abstenerse de realizar conductas que lo afecten. El Estado afectará el derecho a la salud, o a la vivienda, o a la educación, cuando prive ilícitamente a sus titulares del goce del bien del que ya disponían, sea dañando su salud, excluyéndolos de los beneficios de la seguridad social o de la educación, del mismo modo en que afecta el derecho a la vida, o la libertad de expresión, o la libertad ambulatoria, cuando interfiere ilegítimamente en el disfrute de esos bienes”. ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. p. 2. Disponível em:

<http://www.derechoshumanos.unlp.edu.ar/assets/files/documentos/apuntes-sobre-la-exigibilidad-judicial-de- los-derechos-sociales-2.pdf>. Acesso em: 22 maio 2014.

138

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 63.

propugnadas por Robert Alexy e “aponta para a especial dignidade de protecção dos direitos num sentido formal e num sentido material”.139

De acordo com Robert Alexy, o sentido das normas de direitos fundamentais para o sistema jurídico pode ser mensurado a partir da conjugação de dois fatores: da sua fundamentalidade formal e da sua fundamentalidade substancial (material).140 Nesse ínterim, o autor registra que a Constituição alemã não possui um aspecto puramente material ou procedimental, mas uma característica mista (material e procedimental).141

A fundamentalidade formal das normas de direitos fundamentais encontra-se relacionada à ideia de constitucionalização propugnada por J. J. Gomes Canotilho e, portanto, envolve a inserção dos supracitados direitos no plano do direito constitucional positivo. Tal fundamentalidade decorre da posição que as normas de direitos fundamentais assumem no ordenamento jurídico, como direitos que vinculam diretamente os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.142

Nesse sentido, conforme Ingo Wolfgang Sarlet, a fundamentalidade formal resulta dos seguintes aspectos, devidamente adaptados ao contexto constitucional brasileiro: a) enquanto parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais encontram-se no topo de todo o ordenamento jurídico; b) na condição de normas constitucionais, submetem-se aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60, da CF/88); c) cuida-se de normas diretamente aplicáveis e vinculativas com relação às entidades públicas e privadas (art. 5º, §1, da CF/88).143

A fundamentalidade material, por outro lado, pode viabilizar a “abertura da constituição a outros direitos”144

, uma vez que tal tipo de fundamentalidade prescinde da necessária vinculação à constituição escrita. Em verdade, trata-se de uma análise do teor dos direitos fundamentais como um componente constitutivo “das estruturas básicas do Estado e da sociedade”.145

Vale dizer, os direitos fundamentais e as suas respectivas normas “são fundamentalmente substanciais porque, com eles, são tomadas decisões sobre a estrutura normativa básica do Estado e da sociedade”.146

Dessa forma, de acordo com o sentido

139

CANOTILHO, 1999, p. 354.

140

Nesse mesmo sentido, Jorge Miranda também analisa o sentido das normas de direitos fundamentais sob o aspecto formal e material. Cf. MIRANDA, 2000, p. 7-12.

141 ALEXY, 2011a, p. 520-522. 142 Ibid., p. 520. 143 SARLET, 2012, p. 74-75. 144

CANOTILHO, op. cit., p. 355.

145

CANOTILHO, loc. cit..

146

material dos direitos fundamentais, existem direitos (igualmente fundamentais) que, por seu conteúdo substancial, integram o plano jurídico-constitucional de um Estado, inobstante não estarem previstos formalmente.

Logo, pode-se afirmar a existência dos direitos fundamentais em sentido formal e dos direitos fundamentais em sentido material. Do mesmo modo, é possível cogitar a existência de duas espécies de direitos fundamentais, quais sejam: a) os direitos formal e materialmente fundamentais (com assento na Constituição escrita); b) os direitos apenas materialmente fundamentais (sem o reconhecimento positivo-constitucional).147 Ademais, quanto ao critério classificatório, não se pode olvidar a existência de doutrina respeitável que aponta a existência de uma terceira espécie de direitos fundamentais sob a fórmula dos “direitos só formalmente constitucionais”.148

Posto isso, os direitos fundamentais serão formal e materialmente fundamentais se, diante da sua importância para o Estado e para a sociedade, eles se encontram salvaguardados por uma Constituição escrita. Serão materialmente fundamentais se, não obstante a percuciente contribuição para os desígnios do Estado e da sociedade, não estiverem constitucionalizados.149 E, por fim, serão direitos só formalmente constitucionais nas hipóteses dos direitos consagrados por meio de uma Constituição que, no que se refere ao conteúdo, não podem ser considerados materialmente fundamentais.150

Em arremate, Robert Alexy assevera que “com a tese das fundamentalidades formal e substancial afirma-se que as normas de direitos fundamentais desempenham um papel central no sistema jurídico”.151

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