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3 COMO O DIREITO À SAÚDE É CONCRETIZADO NO BRASIL?

3.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA

3.2.3 A ineficiência da atuação administrativa: o gigantismo da estrutura burocrática

3.2.3.2 O gigantismo da estrutura burocrática do SUS e sua debilidade

Os desafios inerentes ao gigantismo do SUS devem ser analisados à luz das peculiaridades que cercam o aparato burocrático brasileiro.

Assim, diante da realidade brasileira, pode-se constatar que a Constituição Federal ousou ao reconhecer a existência de um único sistema de saúde (macroestrutura) envolvendo todos os entes da federação diante de 180 milhões de possíveis demandantes.445 Como se vê, o SUS reflete uma estrutura gigante que, por depender de uma gestão eficiente, pode sucumbir em meio às amarras burocráticas.

Por isso, não é incomum a frequente veiculação de notícias nos telejornais à imagem de um paciente que se queixa da demora ou do não recebimento de medicamentos, por exemplo. Nesses casos, a burocracia acaba proporcionando um óbice ao acesso à saúde sob a escusa de uma gestão eficiente e especializada.

Nesse sentido, Maurício Caldas Lopes traz uma interessante reportagem publicada no jornal O Globo, de circulação na cidade do Rio de Janeiro, do dia vinte e sete de julho de dois mil e oito, sobre as dificuldades que um cidadão (José Raimundo Santos e Silva) passou para obter os remédios necessários à manutenção da sua vida após a realização de um transplante de rim.

Por várias vezes o gesto de amor dos irmãos foi ameaçado, não pela medicina, mas pela burocracia estatal. Durante muitos anos, os medicamentos excepcionais – que são distribuídos pelo governo do Estado – chegavam atrasados ou não chegavam aos pacientes, colocando em risco o tratamento. Em 2006, por exemplo, apenas 30% dos pacientes receberam os remédios de forma adequada. [...]. Nesse período, conta José Raimundo, o estresse era constante no setor de dispensação de medicamentos da Secretaria Estadual de Saúde. Brigas, com a intervenção da polícia e até idas à delegacia, eram constantes.446

Dessa forma, o gigantismo do SUS pode acabar conduzindo a uma estrutura burocrática que torna a busca pelo medicamento e/ou o acesso à saúde algo distante e estressante. É o que se vê no pensamento de Têmis Limberguer447:

É uma estrutura burocrática enorme, que torna a busca do medicamento ou do tratamento de saúde uma verdadeira “via crucis” fazendo com que a pessoa que dele necessita se veja em um emaranhado de repartição de competências entre os entes da federação com relação às responsabilidades que cada um tem. As alternativas administrativas não existem em todos os estados e o recurso ao Poder Judiciário

445

LIEMBERGER, 2010, p. 218.

446

LOPES, 2010, p. 138, (grifo nosso).

447

também é um longo caminho. Então, quando o cidadão já está fragilizado com a enfermidade enfrentar todos esses percalços, fazer movimentar toda esta estrutura burocrática é algo penoso.

Além dessas dificuldades impostas aos usuários dos serviços de saúde, a burocracia também pode surgir como um entrave para os gestores de saúde diante do repasse de recursos e das normas que regulamentam a aquisição de produtos e serviços.

Posto isso, na hipótese de se indagar a um prefeito e a um político o que significa o SUS, “certamente se queixariam da burocracia pra receber o dinheiro, que nem daria para pagar os medicamentos, os médicos, as ambulâncias e os hospitais”.448 Diante disso, a burocracia no repasse dos recursos (escassos) já sinaliza a existência de dois fatores que limitam a efetivação do direito à saúde, quais sejam, a burocracia e a escassez de recursos.

A burocracia também surge quando se trata da aquisição de determinados produtos e serviços na área da saúde. Com efeito, a fim de que o estudo não ficasse restrito ao campo das discussões teóricas, a presente pesquisa conta com um questionário aplicado à Dra. Ceuci Nunes, diretora do Hospital Couto Maia, sendo que uma das questões versa exatamente sobre a influência da burocracia no acesso à saúde:

Pergunta: pode-se afirmar que o SUS explicita uma estrutura burocrática?

Resposta: quanto à questão da burocracia, eu entendo que nós temos uma burocracia imensa no serviço público. Os processos licitatórios são demorados. Existem restrições de compras, algumas são centralizadas, como os materiais permanentes. Na prática nós podemos comprar R$200.000,00 (duzentos mil reais) de medicação, mas eu não posso comprar um foco cirúrgico, pois esse objeto é considerado como material permanente e, por outro lado, medicamento é material de consumo.449

Em verdade, não se pode ignorar que esses exemplos burocráticos que permeiam a saúde representam a “ponta do iceberg” dos problemas relacionados a uma gestão de saúde ineficiente. Isto é, a burocracia é o fator que ganha uma maior visibilidade, no entanto não é o único problema que cerca a má gestão da saúde.

Jairnilson Silva Paim, ao discorrer sobre o SUS, aduz que “o uso político- partidário dos serviços de saúde do SUS para a reprodução do clientelismo compromete a eficiência e a continuidade administrativa”.450

Ou seja, o alto número de cargos de confiança, a falta de uma gestão profissional e a ausência de carreiras direcionadas para os servidores do SUS acabam dificultando a realização de uma gestão eficiente nas diversas esferas de governo. Assim, as constantes mudanças de governo, o persistente clientelismo político e o

448 PAIM, 2009, p. 70. 449 Cf. Apêndice B. 450

engessamento burocrático exigem alternativas aptas a proteger o SUS das “manobras da política na saúde”.451

Em arremate, pode-se concluir que a ineficiência da atuação administrativa e o “conjunto de amarras burocráticas, que, sob o pretexto de combater a corrupção, engessa a administração”452

representam verdadeiros óbices à plena efetividade do direito constitucional à saúde. Com efeito, a burocracia acaba prejudicando a circulação de insumos imprescindíveis à saúde da população e, além disso, não trata a saúde em meio à complexidade inerente ao seu sistema. Com isso, a burocracia é “um dos grandes responsáveis pela pouca resolutividade e baixa qualidade dos serviços do SUS”.453

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