• Nenhum resultado encontrado

G. Poggi (1965), The British Journal of Sociology, Dec.

4. Alternativas Epistemológicas na

4.2. A Formação como Sistema Social

Para esclarecer as diferentes concepções da formação talvez seja útil começar por questionar algumas opiniões e conceptualizações difundidas sem grande discussão, isto é, preconceitos, conforme designação de Maggi (1996, p.152).

da explicação à co mp re e n sã o

Um preconceito com grande aceitação entre os actores ligados ao processo formativo consiste na utilização dos níveis da formação que vão desde a transmissão de conhecimentos até às mudanças de valores como caracterizador das diversas modalidades formativas. Esta visão é especialmente protagonizada pela definição da formação como «saber, saber-fazer e saber- ser» atribuída a Jean Cavozzi nos anos setenta (Maggi, 1996, idem).

A ampla difusão desta conceptualização deve-se à sua aparente capacidade de distinguir plenamente as diferentes modalidades formativas desde a informação e transmissão de conhecimentos («saber»), passando pela aprendizagem das operações e dos comportamentos («saber-fazer») para culminar na integração das condutas, da tomada de consciência e aquisição dos valores («saber-ser»).

Além de partir do pressuposto inaceitável de que é possível separar conhecimentos, comportamentos e valores, isto é, que sejam possíveis conhecimentos e comportamentos disjuntos de valores26, com base nesta

formulação é possível identificar profundas diferenças de «saber, saber-fazer e saber-ser» tendo em conta as «formas de ver» alternativas de interpretar o contexto, o sistema social, que determina a formação, conforme se desenvolve no ponto 4.4. deste capítulo.

Um outro preconceito bastante difundido nas concepções sobre a formação consiste em pensá-la e praticá-la «no vazio», separada do contexto social que a origina e utiliza, excluindo os processos que a precedem e que se lhe seguem. Procede-se como se a formação se auto-justificasse, como se fosse um fim em si mesma.

Considera Maggi {idem) que esta concepção resulta da extensão para a formação não escolar das ideias da tradição pedagógica que consideram a formação escolar como uma realidade pressuposta que se auto-legitima e que é analisada e estudada a partir de si própria.

A consequência que daqui decorre é que, mesmo quando colocamos o epíteto de formação «nas organizações» para distinguir a formação profissional

26 Esta questão está bem esclarecida por Yves Schwartz (1996) quando refere, tomando como referência a

ergonomia francófona, que "aucune activité ne se déploie ou ne se déplie sans convoquer en même temps un espace de valeurs. " (p.147) ou ainda quando a propósito da transferência de competências afirma: "si l'efficacité de l'activité dans telle situation est inséparable du complexe particulier de valeurs qui s'y noue, le transferable ne relève pas - seulement - de l'objectif et du mesurable mais de l'évolution de ce complexe de valeurs dans la nouvelle situation." (p. 154).

da explicação à co mp re e n sã o

contínua da formação de base ou quando nos socorremos do conceito de «andragogia» em oposição ao conceito de «pedagogia» para significar que nos referimos à formação não escolar, o que habitualmente fazemos é limitarmo-nos a distinguir as práticas no plano didáctico e no plano das relações que se estabelecem entre quem ensina e quem aprende num contexto (nas organizações) e noutro (na escola). Substantivamente a realidade que assim construímos, salvo nestas pequenas distinções, permanece a mesma. Quer num caso, quer noutro, os processos sociais que estão a montante e a jusante do acto pedagógico - ou andragógico - estão excluídos da esfera de interesses da formação.

Sabemos, contudo, que há sempre um contexto, um sistema social, que activa, gere e utiliza a formação. Assim, tendencialmente o sistema estatal origina a formação escolar e a formação extra-escolar é activada pela dinâmica de emprego onde interagem diversos agentes e instituições que o constituem: empresas, organizações e serviços de utilidade pública, organizações sindicais, associações patronais, etc.

É, assim, importante considerar a formação como um sistema social integrado num sistema social mais amplo e mais complexo. "O próprio momento

da formação constitui um sistema social: a turma da escola e o grupo de formação pós-escolar, mas também as situações de formação não institucionalizadas, não etiquetadas, como a vizinhança entre operários na fábrica, de empregados no escritório, de aprendizes na oficina do artesão, os primeiros passos do sindicalista na prática da acção sindical. Conjunto de relações entre duas ou mais pessoas, instrumenta/mente orientadas por finalidades específicas, o sistema social da formação está em relação com um sistema social mais complexo: a oficina, a empresa, o sindicato, o Estado."

(Maggi, 1996, p. 154 -tradução do autor).

Concluímos, assim, que a formação é uma actividade organizada que se relaciona com uma actividade organizada mais ampla. É um sistema social, isto é, uma organização27 que está integrada num sistema social ou numa

27 A organização definida como pré-ordenação dos processos ou das acções, é uma dimensão instrumentai

geral de toda a acção social e colectiva e pode desenvolver-se de várias formas, ser vista de acordo com várias perspectivas (v. Terssac, G. & Maggi, B., 1996, pp.95-99). Ao definir a formação como uma organização pretende-se significar que ela consiste na regulação de uma acção intencional ou finalizada, na pré-ordenação dos fins e dos meios. A formação, como toda a acção social, é finalizada o que requer uma pré-ordenação (que desde logo se assume poder ser alterada com o decorrer da acção) das acções

da e xp li ca g So à co mp re e n sã o

organização de maior amplitude e de maior complexidade que a requer, origina, gere e utiliza. "Os sistemas sociais ao produzirem-se e desenvolverem-se

requerem e produzem, entre outras, actividades de formação." (Maggi, 1996,

p.155 - tradução do autor).

Esta consideração da formação como sistema social na sua relação com o contexto que a desencadeia, ou nas interfaces que estabelece com uma organização particular, permite a emergência de diferenças, não apenas no que diz respeito às formas, aos conteúdos, às didácticas, mas também de outras características fundamentais nos modos de compreender e conceber a formação que são ignoradas, negligenciadas ou incompreendidas quando nos limitamos à «exterritorialidade» característica do modelo tradicional escolar importado do sistema formal de ensino.

Dado ter-se assumido que as concepções da formação resultam das concepções do sistema social (v. p.46), antes de derivarmos as consequências que decorrem para as diferentes maneiras de ver a formação, é necessário analisar as escolhas epistemológicas que sustentam os modos alternativos de ver o sistema social.