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G. Poggi (1965), The British Journal of Sociology, Dec.

4. Alternativas Epistemológicas na

4.4. Diferentes Formas de Conceber a Formação

4.4.3. A Formação na Lógica do Sistema Construído

Nesta lógica o sistema é produzido pelas interacções dos sujeitos. É concebido como uma construção reificada a posteriori das regularidades institucionalizadas dos comportamentos típicos dos actores no desempenho dos seus papéis. Estes não são designados pelo sistema, como se verifica na lógica do sistema predeterminado, mas assumidos pelos actores na interacção que estabelecem entre si. Verifica-se, portanto, contrariamente ao que acontecia naquela lógica, um predomínio do actor face ao sistema.

A formação nesta concepção tem como objectivo contribuir para ajudar os actores a tomarem consciência ' dos papéis que assumem na sua vida profissional e social, o significado/sentido subjectivo das suas acções no seu quotidiano. Procura através de uma orientação não directiva sensibilizar os sujeitos para a compreensão dos fenómenos e dos processos característicos da interacção social.

Enquanto que na visão do sistema predeterminado a formação visa fornecer capacidades aos sujeitos para promover a sua adaptação às normas ou a sua integração na funcionalidade do sistema, nesta visão a formação pretende sensibilizar os actores, isto é, desenvolver o seu crescimento pela capacidade de análise e de reflexão das suas próprias experiências, para a tomada de consciência do seu papel nas relações sociais. Esta tomada de consciência promove nos actores a compreensão da construção social, dos fenómenos que conduzem aos processos de institucionalização das interacções, que ao repetirem-se de forma padronizável através dos comportamentos habituais nas situações típicas, produzem o sistema, que ao ser reificado se torna concreto. O sistema assim concebido pode ser coercivo para os actores que dele ficam prisioneiros devido às limitações que exerce nas suas margens de liberdade de acção e nos constrangimentos que acarreta para a realização das suas estratégias e consecução dos seus interesses. Ao promover esta reflexão sobre os processos de interacção e sobre os fenómenos envolvidos na sua institucionalização, a formação torna possível aos actores a tomada de consciência das suas relações com os sistemas organizados, permitindo, assim, a alteração das suas atitudes e comportamentos para se oporem aos constrangimentos e efeitos não desejáveis do sistema. Podemos, portanto, concluir que a função da formação, que é de adaptação completa do sujeito às

da explicação à co mp re e n sã o

normas do sistema na lógica do sistema mecânico, de integração dos papéis desempenhados pelos sujeitos na funcionalidade do sistema na lógica do sistema orgânico, passa a ser nesta lógica do sistema construído a oposição dos actores ao sistema, particularmente nos seus aspectos coercivos, nos

«efeitos perversos» s e nos constrangimentos q u e o s limitam.

A valorização que a formação faz da experiência dos sujeitos nesta concepção consiste na sua utilização como recurso de aprendizagem no sentido em que reflectem sobre ela, aprendem com ela, recorrem à introspecção nela focalizada para ganharem consciência e compreensão do papel que desempenham na construção da interacção social que constitui a realidade social . Na concepção do sistema mecânico a experiência dos sujeitos é desvalorizada porque, sendo o sistema visto como predeterminado e configurado de forma absoluta e não modificável, a experiência dos sujeitos torna-se irrelevante para o seu funcionamento. Na concepção do sistema mecânico, o sistema, apesar de predeterminado, já possui alguma flexibilidade para melhor se adaptar ao meio e integrar os seus componentes, o que é congruente com a utilização da experiência dos sujeitos, mas no sentido de a incrementar, de a formação contribuir para que «façam experiência».

A formação enquanto processo de mudança é concebida nesta lóqica do sistema construído como alteração das relações interpessoais que, consequentemente produzem mudanças do sistema, ou seja, a formação promove a mudança das relações entre os actores tendo em vista a mudança do sistema. Nas lógicas descritas anteriormente trata-se de mudar os sujeitos para o melhor desempenho das funções - sistema mecânico - e de mudar os papéis desempenhados pelos sujeitos para aumentar a funcionalidade do sistema - sistema orgânico.

Uma das características fundamentais da formação na lógica do sistema construído é a utilização como instrumento privilegiado das reuniões/seminários de grupo, habitualmente de pequena dimensão e realizadas em contextos separados da realidade institucional em que os actores estão inseridos. O

29 Merton, citado por Crozier & Friedberg (1977, p.14) define «efeitos perversos» como "conséquences

inattendues de l'action". Estes autores (Crozier & Friedberg, 1977, idem), que também os denominam como «effets contre-intuitifs», definem-nos como "... les effets inattendues, non voulus et à la limite aberrants sur le plan collectif d'une multitude de choix individuels autonomes et, pourtant, chacun a son niveau et dans son cadre, parfaitement rationnels. Ils marquent le décalage, voire l'opposition souvent fatale entre les orientations et les intuitions des acteurs et l'effet d'ensemble de leurs comportement dans le temps, ce

da explicação à compreensão

recurso frequente a este instrumento tem a ver com a consideração do grupo como um modelo, uma espécie de simulador, da realidade das organizações e da sociedade, no seio dos quais é possível produzir e analisar fenómenos e processos característicos da interacção humana. A vivência destas interacções que os actores experienciam nos grupos, as reflexões que podem a partir daí desenvolver, são um importante recurso de aprendizagem, facto que leva à consideração e utilização do grupo como objecto de experiência, considerada como importante dimensão no desenvolvimento humano, nomeadamente, através da identificação das vivências «aqui e agora», da possibilidade de expressar emoções e sentimentos, do desvendar de aspectos inconscientes das atitudes e das vivências profundas nos planos individual e interpessoal.

Sem pretender fazer confrontações entre as posições epistemológicas que estão na base das concepções sobre formação nas lógicas do sistema predeterminado e do sistema construído, se colocarmos em confronto essas concepções, verificamos que, apesar das marcadas diferenças que temos vindo a descrever, é possível encontrar algumas convergências e semelhanças. A mais óbvia é constatação em ambas as lógicas da separação da formação dos contextos sociais que a originam e utilizam. O privilegiar da «sala» como contexto por excelência em que a formação desejada e intencionalmente se realiza constitui o indicador desta separação.

A concepção do sistema como entidade concreta também se verifica nas duas lógicas, apesar de natural e predeterminado a priori em relação aos sujeitos - sistema predeterminado - e construído a posteriori pelas interacções dos actores - sistema construído. Esta concepção reificada do sistema conduz à visão dos sujeitos como separados do sistema. Em ambas as lógicas a formação é uma actividade isolada e mesmo «protegida» em relação ao sistema, pensada e representada como reflexão das relações entre os sujeitos e o sistema.

Nesta visão, dada a predominância do actor sobre o sistema, a análise das necessidades resulta da interacção que quotidianamente estabelecem e não do sistema, que é o resultado da institucionalização dessas interacções. As necessidades constituem sinais, habitualmente débeis e não explícitos, de confrontações das estratégias dos actores. A explicitação e compreensão das necessidades não pode ser separada da reflexão sobre a experiência que se produz durante a acção formativa.

da e xp li ca ç âo à co mp re e n sã o

As actividades de formação consistem em reflexões sobre o agir quotidiano e é habitualmente realizada em sessões de grupo que decorrem institucionalmente separados do sistema em que os actores se integram. O formador desempenha o papel de um actor, com uma estratégia própria, que consiste em facilitar a reflexão dos formandos no contexto formativo.

Os resultados da formação são as tomadas de consciência dos problemas dos actores na sua interacção, nas relações de poder e nos papéis que desempenham. A avaliação dos resultados coincide com a avaliação da reflexão que se produz na acção formativa, não havendo lugar à validação externa, "que envolveria a necessidade de outros actores e por consequência provocaria outras aprendizagens" Maggi (1996 p. 171).