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G. Poggi (1965), The British Journal of Sociology, Dec.

4. Alternativas Epistemológicas na

4.4. Diferentes Formas de Conceber a Formação

4.4.4. A Formação na Lógica do Sistema como Processo

O sistema social concebido nesta lógica como um processo de acções e decisões dotadas de sentido, orientadas por finalidades e valores, na expectativa de resultados, conduz a uma concepção completamente diferente da formação.

Esta visão do sistema como um processo de acção, um agir, inviabiliza a possibilidade da sua reificação e da separação entre os actores e o sistema. O sistema não existe anterior ou posteriormente aos actores como uma entidade concreta, natural ou construída, tal como era perspectivado nas lógicas do sistema predeterminado e construído. Nesta lógica, o sistema existe enquanto se auto-produz, se auto-regula, se auto-organiza, retoma continuamente o seu próprio curso. É um agir intencional e limitadamente ordenado e orientado. A ordenação das suas acções, a sua organização é a regulação que nele se auto- produz. Esta ordem é reconhecível na sua produção e previsível no seu decurso, apesar de permanentemente modificável e passível de variação, e possui um carácter mais de "organizadora" que de "organizada"30.

A formação é assim concebida, ela própria, como um processo, não separado do sistema enquanto processo e constitui uma parte integrante da

30 Maggi &Terssac (1996, p.95 - tradução do autor) consideram que "Sem diferente da visão da organização

como parte reificada de um sistema predeterminado e da visão da organização como um aspecto da reificação de um sistema construído pelos actores, a organização é a regulação, ela própria um agir. Ela é a acção organizacional que visa ordenar outras acções caracterizadas de diferentes maneiras, para tentar

da explicação à co mp re e n sã o

acção organizadora. A formação não pode ser compreendida como uma actividade separada do sistema de que faz parte.

Nas anteriores concepções a separação entre os sujeitos e o sistema permitia ver a formação como uma reflexão das relações que entre eles se estabelecia. Aqui, a formação é uma reflexão contínua do sistema sobre si próprio. A aprendizagem não é dirigida aos sujeitos com a intenção de que depois se repercuta no funcionamento do sistema, mas constitui a aprendizagem do próprio processo, das suas decisões e das suas acções, desenvolvendo competências ou formas de julgar internamente ao processo, de acordo com o seu devir, as suas decisões e as suas acções.

As distinções entre formação„e aprendizagem, entre "formação invisível" e formação formal deixam de ser importantes porque resultam do isolamento intencional da formação perspectivada pelas anteriores concepções. A garantia da existência e da eficácia de formação deixa de estar ligada à sua visibilidade.

Dizer que a formação é um processo não significa nesta lógica o mesmo que se entende quando se fala no processo formativo como, por exemplo, na lógica do sistema predeterminado em que o processo formativo se refere a actividades separadas: diagnóstico de necessidades, o "curso" de formação, a avaliação que se lhe segue. O que se pretende significar é que a formação, enquanto processo, produz acções e decisões que podem ser distinguíveis do processo primário, mas estritamente conexas e nunca disjuntas da acção do sistema.

A formação enquanto processo de acção é também uma acção organizadora porque visa orientar e ordenar outras acções para tentar alcançar um resultado desejado. No quadro das anteriores concepções é difícil aceitar a formação como acção organizadora intrínseca ao próprio processo de acção do sistema porque vêem a organização como formalização de coordenações ou fixação de regularidades que constrangem os sujeitos e porque a reificam e separam dos sujeitos, sendo a formação vista como um processo que lhe é exterior.

Esta concepção da formação como processo de acções e decisões orientadas, simultaneamente interno e de suporte da auto-organização de um processo social mais amplo, reforça a conexão entre o processo de formação e o processo mais amplo do sistema social que a requer, exprimindo pelas suas

da e xp li ca ç ão à co mp ree n sâ o

opções de auto-organização as necessidades formativas e avaliando os seus resultados. É a partir do processo geral, do sistema, que se pode avaliar se se faz formação e que tipo de formação se deve empreender de forma congruente com o sistema social. Na lógica da acção, qualquer que seja a configuração da formação (em sala ou no posto) ela é sempre auxiliar do projecto do processo e do seu desenvolvimento.

Embora a formação esteja nas três lógicas associada à mudança, com significados diferentes (mudança do sujeito, dos papéis, do sistema), nesta concepção a mudança é intrínseca ao processo, do qual a formação é parte integrante e ocorre ao mesmo tempo que ocorre o processo formativo. Quer o sistema, quer a formação, constituem expressões de um agir organizacional e ambos são percursos heurísticos de investigação, de aprendizagem, de mudança contínua.

A formação aparece, portanto, nesta visão como permanente, ligada ao sistema de acção organizadora, como ela mutável e agente de mudança, geradora de capacidades de observação, de leitura e interpretação de processo.

No diagnóstico de necessidades não se pode falar de um pedido do sistema ou do actor, como nas lógicas anteriores, mas de necessidades de um processo de acção e decisões orientadas por finalidades. A necessidade é que serve à decisão num percurso heurístico e exprime-se na congruência interna entre as escolhas da acção, de conhecimentos e de resultados esperados.

A análise de necessidades não poder ser feita a partir do exterior porque as observações pertinentes têm de ser feitas no desenrolar da acção.

As actividades de formação consistem em tentativas de satisfação das necessidades postas em evidência no decurso da acção. Constituem, portanto, na investigação e promoção de conhecimentos, de capacidades, de novas orientações continuamente comprometidas com o processo que as desencadeou, do qual não podem ser separadas, o que não implica que não se possa fazer formação em sala. Esta pode ser utilizada desde que as actividades aí realizadas estejam integradas com o processo que originou a formação, e não intencionalmente separadas como acontece com as lógicas anteriores.

Nesta concepção não faz sentido falar em formadores, formandos, organizadores, prescritores, etc. Todos os actores implicados no processo podem contribuir para qualquer uma das fases do processo formativo.

da e xp I i caç âo à co mp re e n sã o

Os resultados da formação consistem no que se segue a um diferente grau do percurso heurístico e exprimem-se pela congruência interna ao processo que origina a intervenção formativa e constituem uma nova necessidade, reformulada, modificada, que pode originar um novo processo de formação, o que sugere um processo cíclico.

A avaliação dos resultados assenta, na congruência entre o processo de acção e as diversas fases do processo formativo.

Da análise deste interessante contributo de Bruno Maggi, pode reflectir-se sobre a possibilidade de melhor compreender as nossas práticas avaliativas e de construirmos novas alternativas à formação e ao uso que dela podemos fazer.

Mesmo tendo consciência que no contexto do nosso tecido empresarial, ainda muito marcado por grandes debilidades gestionárias e organizativas, possa ser difícil esperar grandes e rápidas evoluções, o aspecto que se pretende salientar tem a ver com a pertinência e a utilidade que este tipo de reflexões podem permitir ao nível da formação dos formadores, gestores, conceptores, organizadores e outros protagonistas do processo formativo. Ou seja, mesmo que não se afigure fácil empreender intervenções avaliativas assentes em abordagens mais sofisticadas e em compreensões mais esclarecidas da função social que cumprem, parece importante abrir o debate e a confrontação a novas formas de pensar e de agir.

opções metodológicas

capítulo 3

O p ç õ e s M e t o d o l ó g i c a s

1. Introdução

Neste capítulo pretende-se descrever e justificar as opções metodológicas que orientaram o estudo de caso analisado no capítulo 4, de modo a tornar possível a compreensão da forma como se foi construindo a acção investigativa aí empreendida.

Antes de caracterizar essas opções, é importante referir que o estudo de caso corresponde a um momento privilegiado deste trabalho porque foi a partir das regulações entre a análise empírica da investigação e a reflexão teórica que emergiu a necessidade de reflectir sobre a importância da compreensão das concepções que orientam as abordagens da avaliação de programas formativos (v. capítulo 1, ponto 2).

Quando se iniciou o estudo empírico, ainda antes da circunscrição dos objectivos concretos que estruturaram o seu desenvolvimento (v. capítulo. 4, ponto 1.3), decidiu-se à partida que se estudaria a problemática da avaliação de programas de formação realizados em contexto empresarial e que se privilegiariam alguns princípios e procedimentos habitualmente utilizados na

opções metodológicas

abordagem qualitativa da investigação avaliativa que consistem: a) na utilização frequente do estudo de casos; b) na preferência generalizada, embora não exclusiva, por métodos qualitativos; c) na assunção da influência do investigador nas várias etapas do processo investigativo devido à impossibilidade da sua neutralidade; d) em promover a compreensão prática do programa no sentido de incrementar melhorias no seu funcionamento, sobretudo junto dos implementadores e beneficiários (Greene, 1994 e Patton,

1987).

Depois da opção por estudar as teorias subjacentes ao programa, e com a definição dos objectivos que daí decorreram (v. capítulo 4, ponto 1.3), embora mantendo na generalidade os princípios mencionados no parágrafo anterior, houve necessidade de definir procedimentos concretos articulados com as opções definidas.