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G. Poggi (1965), The British Journal of Sociology, Dec.

4. Alternativas Epistemológicas na

4.3. Diferentes Modos de Ver e Conceber o Sistema Social

4.3.1. A Lógica do Sistema Predeterminado

O que é característico nesta primeira concepção é a visão do sistema como uma entidade natural, concreta, distinta e predeterminada em relação aos sujeitos. A identidade do sistema é independente da identidade dos sujeitos, isto é, o seu agir, a sua permanência ou ausência não lhe alteram a identidade do sistema. O sistema é concebido como uma entidade transcendente em relação

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aos sujeitos, existe antes e separadamente dos sujeitos que dele são dependentes.

Em termos epistemológicos dependem desta concepção formas de leitura e interpretação da realidade com "interpretações baseadas em explicações

causais, dedutivas, ou probabilistico-indutivas e sobre explicações funcionais, isto é, sobre pressupostos positivistas da causalidade necessária e da generalização possível e sobre pressupostos funcionais do sistema." (Maggi,

1996, p.158 - tradução do autor).

Apesar da escolha epistemológica de fundo não ser diferente - preside a pré-determinação do sistema em relação aos sujeitos - é possível distinguir duas expressões desta concepção: a lógica do sistema mecânico e a lógica do sistema orgânico.

A visão mecanicista da realidade social tem a sua origem na «física social» dos séculos XVII e XVIII e teve, neste século, expressão nas correntes do «Scientific Management» e da «Science of Administration». A visão organicista remonta à «fisiologia social» do século XIX e, na segunda e terceira décadas deste século, presidiu ao funcionalismo antropológico, sociológico e psico-social em que se destaca a corrente das «Human Relations», cuja abordagem mais conhecida e difundida é a «sócio-técnica» (idem, pp. 156 e 160).

Na lógica mecanicista o sistema é visto de forma pré-determinada, estável, em que as relações entre as partes são rigidamente programadas sem possibilidade de desvio, como numa máquina. Na lógica do sistema orgânico o sistema continua a ser visto de forma pré-determinada, mas as relações relativamente estáveis entre os seus componentes já possuem alguma variabilidade, alguma flexibilidade e, tal como nos organismos vivos, os desvios, regulados de forma homeostática, podem ser admitidos e promovidos se assegurarem uma melhor funcionalidade do sistema.

A racionalidade objectiva absoluta é uma ideia central na visão do sistema mecânico. Assume-se o pressuposto que o decisor tem condições perfeitas nas escolhas que efectua. Na relação entre os meios e os fins, conhece todas as alternativas, domina completamente as consequências de cada alternativa e pode, portanto, escolher a melhor - "the best way" - maximizando simultaneamente os resultados - eficácia - e a utilização dos recursos - eficiência.

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Esta racionalidade ilimitada do decisor, o seu perfeito domínio das condições em que decide, assumidas como estáveis, permite que se estabeleçam regras de coordenação precisas e permanentemente válidas para representar e realizar as actividades de cada parte do sistema. O controlo assim assegurado a priori permite a definição do programa de forma rígida e absoluta, sem necessidade de correcções, o que conduz à inadmissibilidade de qualquer desvio.

Nesta lógica cada componente do sistema cumpre tarefas específicas que permanecem invariantes e imutáveis, como se de uma máquina se tratasse. É possível dividir as tarefas, formalizar e prescrever rigidamente os procedimentos para as cumprir, circunscrever e hierarquizar as responsabilidades e atribuir

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competências estáveis.

A funcionalidade do sistema é a ideia-chave na visão do sistema orgânico. Cada sistema possui necessidades funcionais de conservação e integração interna dos seus subsistemas e de adaptação ao meta-sistema que lhe é exterior, tendo em conta a persecução das suas finalidades.

Da mesma forma que num organismo vivo, os subsistemas e o sistema mantém-se e desenvolvem-se naturalmente dentro de um equilíbrio morfostátco. Assim, a variabilidade e a flexibilidade passam a ser possíveis e até desejáveis se potenciarem a funcionalidade do sistema. Em vez da rigidez de coordenação e da solução única da lógica do sistema mecânico, a flexibilidade e a equifinalidade são permitidas e promovidas na lógica do sistema orgânico, podendo haver correcções e desvios do programa, na condição de conduzirem a soluções mais funcionais.

Deixa de haver tarefas ou prescrições rígidas dos procedimentos dos sujeitos que são solicitados a desempenhar papéis configurados como regras que admitem a variabilidade das expectativas, das percepções, dos interesses e dos comportamentos. A dimensão do informal é bastante valorizada no relacionamento entre os sujeitos que podem desempenhar os papéis de forma diferente tendo sempre em vista as necessidades funcionais do sistema.

As variantes mecânica e orgânica de expressão da lógica do sistema predeterminado, apesar das diferenças que temos vindo a enumerar, possuem características essenciais comuns - predeterminação e separação do sistema, concebido como entidade natural e concreta, em relação aos sujeitos - que

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conduzem à sua inclusão na mesma escolha epistemológica de fundo, como atrás referimos.

Esta concepção do sistema social devido à sua grande simplificação da realidade social, quer na sua expressão mecânica, quer na sua expressão orgânica, tem marcado de forma particularmente acentuada as representações dos contextos sociais, tendo as suas propostas dos critérios de leitura e interpretação da realidade obtido a maior difusão nas práticas correntes. Isto apesar das outras concepções já existentes no debate das ciências sociais criticarem as insuficiências de ambas as expressões na adequada explicação dos sistemas sociais. A este propósito Maggi (1996, p.157 - tradução do autor) refere que: "desde os seus primeiros enunciados, a teoria dos sistemas pôs em

evidência que não podemos reduzir a complexidade do sistema social às características do sistema natural (ou vivo) condicionado pelas necessidades de adaptação ao meio, e ainda menos às do sistema mecânico, que não comporta nem autonomia, nem auto referência."