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2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS

2.2.3 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

A formação do Estado na América Latina, assim como a formação da nacionalidade42, segue um padrão diferente do modelo europeu. Se na Europa a formação do Estado forte precedeu o surgimento de uma nação, na América Latina observa-se um processo convergente de formação da nação (após as guerras) e de constituição de um sistema de dominação (OSZLAK, 1978).

Segundo Oszlak43 (1978), a maioria dos Estados latinos surgiram através de lutas emancipatórias, sendo que o primeiro passo para a formação do Estado era o reconhecimento da soberania. Contudo, o acontecimento de um movimento emancipatório não determinaria por si só a substituição automática de um Estado colonial por um Estado nacional.

No caso brasileiro só foi possível o surgimento de um Estado nacional após 1930, através de medidas como a diversificação do sistema produtivo e as sucessivas substituições de exportações (OZKLAK, 1978). A mediação pela Inglaterra, durante o processo de emancipação da Colônia Portuguesa, demonstraria outra característica típica da formação do Estado nos países latino-americanos: a profunda relação com o capitalismo internacional.

42 Segundo Oszlak (1978), o termo nação se refere, em elementos materiais, à diferenciação e integração

econômica dentro de um território definido e em elementos ideais a um conjunto de tradições, linguagens, símbolos e valores compartilhados por uma comunidade.

O Estado surgiu nos países da América Latina em um cenário de extremas contradições entre o estabelecimento de um Estado moderno, baseado na satisfação de interesses do capitalismo internacional, e um modo social tradicional oligárquico, apoiado nos interesses de grupos da estrutura social interna. Essa contradição teria desembocado na formação de alianças entre grupos divergentes, resultando na indefinição das funções do Estado e em dificuldades no controle do aparato estatal (FALETTO, 1989).

De acordo com Faletto44 (1989), o sentimento de obrigação em satisfazer as necessidades externas gerou uma situação de dependência econômica e política. Esse cenário fez com que pequenas alterações nas potências econômicas (países centrais), tivessem dramáticas consequências nos países periféricos (por exemplo, os países da América Latina). Neste contexto, o Estado acaba tendo que desempenhar um grande papel para resolver as crises e reinserir o país no capitalismo internacional, mas não seria um Estado forte, pois atuaria apenas como um mediador.

Com a suposta busca por autonomia nacional surgiriam as políticas desenvolvimentistas que tentam, através da formação de uma burguesia nacional, favorecer o desenvolvimento do setor privado. Mas o fato de, muitas vezes, o capital externo também fazer uso das políticas protecionistas aumenta a contradição. Como efeito da transnacionalização, muitas empresas transnacionais atuam em setores chave da economia, reduzindo o poder do Estado (FALETTO, 1989).

Depois da década de 70, as agências de financiamento externo subsidiaram o desenvolvimento interno dos países, garantindo a autonomia das empresas e interesses estrangeiros no mercado nacional, além da propagação do pensamento de que intervenções estatais são perigosas e ineficientes ao desenvolvimento (FALETTO, 1989). O endividamento desses países com agências de fomento internacional, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), fez com que os países fossem forçados a introduzir políticas neoliberais (HARVEY, 2008).

Segundo a autora Eloisa de Mattos Höfling (2001), na concepção neoliberal, o Estado tem a função de garantir direitos individuais, sendo árbitro e não mediador. O que transformaria as políticas sociais em um entrave para o desenvolvimento. Essas transferências de responsabilidades do Estado para o setor privado, típicas do neoliberalismo que visam o aumento da eficiência e redução dos custos, conferem às políticas sociais uma natureza

44 Enzo Faletto foi um sociólogo chileno que atuou como professor titular na Faculdade de Ciências Sociais na

Universidade do Chile. Ele pertenceu ao Partido Socialista e trabalhou na CEPAL e na Faculdade Latino- Americana de Ciências Sociais (FLACSO).

compensatória. Desta maneira, estes programas focalizados acabam por não alterar a ordem estabelecida (HÖFLING, 2001).

Especificamente na América Latina, o fato de as práticas paternalistas, autoritárias e tradicionais serem muito fortes, levou a introdução parcial das políticas neoliberais a partir de 1980 (HARVEY, 2008). Elas tornaram função do Estado a criação de políticas que incentivassem o processo de acumulação de capital e incentivassem o consumo aos setores populares, agravando a crise entre regulação da economia (a favor do acúmulo) e da legitimação (para garantir o voto, alguma medida na área social deve ser tomada). O Estado teve que harmonizar os interesses de mercado e da sociedade, para não somente legitimar o governo, mas manter a produtividade (FALETTO, 1989).

Na década de 1990, com a “nova Terceira Via”, propôs-se a comunhão da busca pela justiça social com uma postura mais ativa da sociedade, através da “responsabilização” e “não do coletivismo”. Concebendo a globalização como positiva, essa proposta se opunha às ações protecionistas e à estrutura burocrática, propondo a “reconstrução” do Estado. De acordo com Anthony Giddens (2000, p. 79):

A reforma do Estado e do governo deveria ser um princípio orientador básico da política da Terceira Via – um processo de aprofundamento e ampliação da democracia. O governo pode agir em parceria com instituições da sociedade civil para fomentar a renovação e o desenvolvimento da comunidade.

Propondo uma economia mista, a descentralização, a busca pela eficiência administrativa do Estado, e o investimento em capital humano, a perspectiva da “nova Terceira Via” influenciou profundamente as políticas públicas brasileiras, principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso. Através da proposta de público não estatal de Bresser Pereira, setores como educação e saúde, começaram a ser revistos no planejamento governamental, o que envolveu tanto terceirizações como o aumento da participação de ONGs (Organizações Não Governamentais) e Instituições filantrópicas na prestação de serviços educacionais (PERONI, 2008).

Nos governos de Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, apesar das medidas e investimentos no setor social, a força do terceiro setor e o destino de verbas públicas para o setor privado se mantiveram (PERONI, 2008). Contudo, quais seriam os impactos destas políticas especificamente no ambiente educacional?

2.2.4 Políticas públicas educacionais

Até o final do século XVIII, em inúmeros países, grande parte da população era analfabeta, e o privilégio da leitura e da escrita estava relegado às pequenas elites (DI

GIOVANNI; NOGUEIRA, 2015). Com a Revolução Francesa o direito à escolaridade emergiu como uma forma de se viabilizar a igualdade, liberdade e fraternidade, o que definiu um novo perfil de escola e inaugurou o papel do Estado na universalização do direito a educação. Na Inglaterra, por exemplo, com a Revolução Industrial e com o crescimento da urbanização e do proletariado, o movimento de expansão da educação foi acelerado. Esse movimento se iniciou com a defesa por escolas públicas obrigatórias e leigas e, posteriormente, abrangeu a expansão da oferta de ensino para toda a população (DI GIOVANNI; NOGUEIRA, 2015).

Contudo, antes da Primeira Grande Guerra Mundial (1ª GM), o que se observava era que a escola elementar se destinava ao atendimento da população em geral, e o ensino secundário apenas à elite. Com a eclosão da 1ª GM, os países passaram a, estrategicamente, valorizar mais a educação como forma de garantir a reconstrução e desenvolvimento de seus países (DI GIOVANNI; NOGUEIRA, 2015).

Com o fim da guerra, teve início um processo de busca por maior eficiência e eficácia no ensino, que deu origem a Teoria do Currículo, inaugurada com a publicação do livro de Franklin John Bobbitt nos Estados Unidos da América (EUA) em 1918. Essa teoria propunha a transposição de técnicas de aumento de produtividade fabris para o ambiente educacional, estipulando o que e como deveria ocorrer o processo de ensino (SOUZA et al., 2005).

Depois da Segunda Guerra Mundial, a ONU promulgou vários documentos na tentativa de exaltar a necessidade de se ofertar uma formação plena às crianças e jovens. A educação apareceu então como direito humano básico, um forte elemento na luta por melhorias da qualidade de vida dos cidadãos de diferentes países (melhoria nos padrões de emprego, saúde, democracia e justiça) (DI GIOVANNI; NOGUEIRA, 2015).

No Brasil, a inclusão do direito à educação está presente desde as primeiras constituições, mas a parcela da população total que era considerada cidadã, e, portanto, merecedora deste direito era bastante restrita. Somava-se a isso a reduzida aplicabilidade das leis, a grande extensão territorial, a descontinuidade das políticas e reformas, e os baixos investimentos e interesses na alfabetização da população (DI GIOVANNI; NOGUEIRA, 2015). As ações governamentais brasileiras no sentido de promover a expansão da educação têm início em 1930, mas a primeira ação com o intuito de organizar os sistemas de ensino se deu em 1960, através da LDBEN. Na década de 70, o ensino obrigatório foi estendido para 8 anos, e a obrigação da oferta universal fez com que o Estado priorizasse os investimentos no ensino de 1º e 2º grau (1ª a 8ª série), liberando a educação superior à iniciativa privada (DI GIOVANNI; NOGUEIRA, 2015). Esse período ficou marcado também como o auge do tecnicismo no Brasil (SOUZA et al., 2005).

Mas, na década de 80 surgiram novas concepções em relação ao currículo, que alertavam para sua dimensão política. Através dos trabalhos de grandes autores, como Michael Apple e Henry Giroux, o currículo passou a ver analisado como uma forma de resistência, como uma bandeira de luta para a promoção da emancipação e libertação. No Brasil um grande expoente nessa linha foi Paulo Freire, que ao desenvolver inúmeros projetos de alfabetização com jovens e adultos, propunha o uso do conhecimento e do processo de ensino aprendizagem para problematizar as opressões e situações desiguais pelas quais passavam seus educandos e promover a transformação social (SOUZA et al., 2005).

A partir da década de 80 começaram inúmeros movimentos reformistas da educação pública no mundo todo. Com a mudança no modelo predominante de Estado de Bem Estar Keynesiano para o Schumpeteriano, o discurso de flexibilidade, empreendedorismo e reorganização subordinada às forças de mercado substituiu o discurso produtivista baseado no fordismo. Esse novo modelo, que propunha um “controle à distância”, passou a instaurar no ambiente educacional o discurso mercadológico. A competição, a performatividade, e a responsabilização passaram a fazer parte do ambiente educacional nas décadas de 90 e no início do século XXI através da instauração tanto de uma cultura de avaliação do desempenho de professores e alunos, políticas de bonificação por resultados e índices de desempenho (BARROSO, 2005).

Segundo Barroso45 (2005) o que se observa é uma nova forma de regulação do sistema educacional como um todo, onde o Estado desempenha o papel de propositor e avaliador, e não mais de provedor. Nessa visão, o Estado passaria a propor metas e medir os resultados obtidos, evidenciando a oferta pública universal descentralizada.

No entanto, de acordo com Di Giovanni e Nogueira (2015), a educação brasileira entrou no século XXI com uma massa de analfabetos e analfabetos funcionais, o que demonstra que o direito a educação foi consolidado nas leis, mas não concretizado na prática. Contudo, como essas políticas teriam afetado especificamente o trabalho dos profissionais da educação?