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A partir da análise temporal construída foi possível constatar que a ampliação do acesso à educação sem um adequado planejamento fez com que a qualidade do ensino fosse comprometida e as condições de trabalho dos professores se deteriorassem. Concomitantemente, a ampliação repentina gerou uma diversidade de escolas na rede, que oferecem a diferentes extratos da população formas de ensino com currículos e recursos diferenciados. É importante ressaltar que, na maioria das vezes, as mais precárias unidades são as que se destinam ao atendimento da população de baixa renda.

Foi detectado também que um dos maiores problemas citados pelas políticas públicas educacionais paulistas tem sido a evasão e a repetência. Historicamente, o combate a estes elementos, através de proibições de repetências e da progressão continuada, não repercutiu em melhoras significativas na qualidade de ensino, mas somente tem mascarado os índices educacionais. Essas e outras políticas representam ainda as influências dos órgãos internacionais de fomento sobre os programas e políticas educacionais nacionais.

Especificamente em relação ao período final da Ditadura Militar, observa-se: uma maior articulação dos profissionais da educação nos sindicatos; a expansão no número de servidores públicos estaduais na área da educação; a ampliação da estrutura física da rede,

104 De acordo com os dados disponibilizados na plataforma Lattes, Maria Lúcia Marcondes Carvalho é pedagoga

formada pela USP, doutora em Educação pela USP e em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, já trabalhou como professora de EF e EM, e é professora titular da graduação e da pós graduação no Mackenzie. Já atuou também como reitora do Mackenzie.

105 Miguel Henrique Russo é graduado em Química e Pedagogia, mestre em Educação pela Unicamp e doutor em

Educação pela USP. Ele é professor na Universidade da Cidade de São Paulo.

através da criação de novas EEPGs; a introdução de políticas de descentralização e municipalização; e um incentivo a participação dos professores no processo de planejamento escolar.

Ao se analisar as modificações pelas quais tem passado a rede pública de ensino paulista no período de 1986 a 2006 foi possível constatar: a introdução do discurso gerencialista; o estímulo à formação de parcerias entre o setor público e privado; a inclusão do terceiro setor na promoção de serviços públicos (principalmente nos governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin); um crescente discurso de corresponsabilização da sociedade com a educação e de maior “autonomia”; o estímulo à descentralização e municipalização do ensino fundamental; a descontinuidade entre políticas (Escola Padrão e Escola de Tempo Integral); e a participação dos docentes na formulação de políticas (Estatuto do Magistério) durante o governo de Franco Montoro.

O montante de recursos destinados à SEE-SP em relação a verba total de SP também flutuaram ao longo do tempo (Tabela 03 e Figura 09). Como pode ser observado no gráfico, durante o intervalo de tempo analisado há padrões: de aumento dos recursos destinados a SEE- SP de 1984 a 1987 (governo Franco Montoro) e de 1992 a 1995 (Governo Fleury Filho); e de redução de investimentos na área educacional de 1979 a 1981 (Governo Paulo Maluf), de 1987 a 1992 (Governo Quércia) e de 1995 a 1997 (Governo Covas).

É possível observar ainda na Figura 09 que há uma estabilização no repasse de verbas à SEE-SP de 1998 a 2006 (Governo Alckmin).

Ainda de acordo com a análise construída, observou-se que as políticas educacionais implementadas de 1979 até 2006 perderam progressivamente seu caráter prescritivo sobre o “como” as escolas funcionam. O novo foco das políticas passou a ser a determinação dos objetivos educacionais e a avaliação dos resultados atingidos, por meio de políticas de avaliação externa por exemplo.

Em relação ao planejamento educacional, foi constatado que, na maioria do tempo, os educadores foram excluídos de uma participação ativa no processo de tomada de decisões. A abertura e o estímulo a participação nos últimos anos (1988-2006), presente no discurso de descentralização e autonomia, aparecem repletos de interesses em aumentar a margem de manobra dos professores durante suas práticas, para que os objetivos estipulados por outros (“superiores”) sejam cumpridos com maior efetividade e com menor gasto de recursos.

Tabela 03. Mudanças no orçamento destinado à SEE-SP em relação a receita total do estado (1979-2006). Fonte: Construída pela autora com base nos dados que constam nas leis de Orçamento-Programa disponibilizadas no site oficial da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (acesso em 28 out. 2016).

Ano de exercício Porcentagem da receita estadual destinada a SEE- SP* Governador na data da promulgação da lei Secretário de Educação na data da promulgação da lei Lei nº

1979 17,21% Paulo Egydio José Bonifácio Coutinho 1.877/78. 1980 13,27% Paulo Salim Maluf Luiz Ferreira Martins 2.227/79. 1981 12,57% Paulo Salim Maluf Luiz Ferreira Martins 2.610/80. 1982 12,98% Paulo Salim Maluf Luiz Ferreira Martins 3.175/81. 1983 12,96% José Maria Marin Jessen Vidal 3.635/82. 1984 16,41% Franco Montoro Paulo de Tarso Santos 3.941/83. 1985 16,56% Franco Montoro Paulo Renato Costa Souza 4.431/84. 1986 15,84% Franco Montoro Paulo Renato Costa Souza 4.882/85. 1987 17,40% Franco Montoro José Aristodemo Pinotti 5.403/86. 1988 14,49% Orestes Quércia Chopin Tavares de Lima 5.966/87. 1989 10,98% Orestes Quércia Chopin Tavares de Lima 6.247/88. 1990 12,83% Orestes Quércia Wagner Gonçalves Rossi 6.626/89. 1991 12,12% Orestes Quércia Carlos Estevam Martins 6.992/90. 1992 10,80% Fleury Filho Carlos Estevam Martins 7.640/91. 1993 12,94% Fleury Filho Carlos Estevam Martins 8.202/92. 1994 14,98% Fleury Filho Carlos Estevam Martins 8.509/93. 1995 15,58% Fleury Filho Carlos Estevam Martins 9.033/94. 1996 10,29% Mário Covas Teresa Roserley Neubauer 9.333/95. 1997 10,16% Mário Covas Teresa Roserley Neubauer 9.467/96. 1998 15,52% Mário Covas Teresa Roserley Neubauer 9.902/97. 1999 15,30% Mário Covas Teresa Roserley Neubauer 10.151/98. 2000 15,25% Mário Covas Teresa Roserley Neubauer 10.479/99. 2001 15,20% Mário Covas Teresa Roserley Neubauer 10.707/00. 2002 15,13% Geraldo Alckmin Gabriel Chalita 11.010/01. 2003 15,16% Geraldo Alckmin Gabriel Chalita 11.332/02. 2004 14,80% Geraldo Alckmin Gabriel Chalita 11.607/03. 2005 15,14% Geraldo Alckmin Gabriel Chalita 11.816/04. 2006 14,23% Geraldo Alckmin Gabriel Chalita 12.298/06. * O cálculo da porcentagem da verba estadual destinada à Secretaria de Educação foi feita com base nos dados que constam nas leis de Orçamento-Programa disponibilizadas no site oficial da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (http://www.al.sp.gov.br/, acesso em 28 out. 2016). Figura 09. Gráfico de flutuação da porcentagem de verba recebida pela SEE-SP de 1979 a 2006.

Fonte: calculado pela autora com base nos dados disponibilizados pelas leis de orçamento-programa anuais disponibilizados pelo site oficial da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Outro ponto que merece ser destacado é que as mudanças de governo têm afetado e muito a melhoria da educação. Em muitos casos, a troca de governante levou a uma substituição das políticas sem sua avaliação. Esses projetos inacabados não favorecem nem ao aprendizado político nem à resolução de problemas. Muitas vezes os projetos com potencial de ser bem sucedidos ficam abandonados e muitos projetos semelhantes são continuamente reiniciados.

A hierarquização e divisão do trabalho dentro do ambiente escolar também são evidentes, visto que as fissuras entre os formuladores de políticas educacionais e seus executores ainda permanecem firmes na estrutura educacional.

Da mesma forma, o pagamento de gratificações, que oferecem uma única vantagem pecuniária, obstrui o caminho para aquisição de melhorias salariais para a categoria docente. Atravancando a melhoria das condições de trabalho dos professores e desvalorizando a profissão. Outro agravante, nesse sentido, é a desarticulação da categoria gerada por diferenças salariais entre os docentes que trabalham em modelos escolares diferentes.

Entretanto, que caminhos seguiram as políticas públicas educacionais nos últimos anos (2007-2015)? Como os professores podem atuar em sala de aula? Como estes condicionantes históricos têm afetado o seu planejamento? De que maneira os professores enxergam seu próprio trabalho e de seus pares dentro deste contexto social, cultural, histórico, político e econômico?

4 PLANEJAMENTO DOCENTE NO ENSINO PÚBLICO ESTADUAL PAULISTA (2007-2015)

Desde que a instrução pública surgiu no território brasileiro até 2007, muita coisa mudou. Com a redemocratização e a reabertura política nos anos 80 e 90, houve um período de aumento progressivo da participação popular no setor político e de aquisição de direitos na legislação (CARVALHO, 2013).

Em um contexto de globalização, de avanço dos sistemas de transporte e das tecnologias, formaram-se novos dilemas à questão da cidadania. As antigas desigualdades sociais não se dissolveram, mas se metamorfosearam em novas formas de desigualdades e de exclusão. Tudo isso foi ocasionado pela dissolução das rígidas fronteiras entre os países e da declinação do modelo “Estado-nação” (IANNI, 2008).

Concomitantemente, outros fatores também têm remodelado o cenário político, econômico e social brasileiro e transformado a cultura, os valores, e os estilos de vida, como: a “cultura de massa”, marcada pela racionalidade técnica e pelo individualismo; a influência das agências de fomento internacional sobre as políticas e práticas governamentais de diferentes países; o crescimento das políticas baseadas no pensamento da “nova Terceira Via”; e a introdução de políticas neoliberais e da gerência flexível (IANNI, 2008).

Nesse contexto, uma das mudanças que merece destaque é o significativo aumento no acesso à escolaridade. Contudo, se garantiu o acesso a que tipo de escola? Será que todos os estratos da população tem acesso ao mesmo modelo de ensino público?

Em 2007, o estado de São Paulo apresentava um IDEB de 4.1, que, na ocasião, era um valor superior à média nacional (3.5) (INEP, 2015). Mas essa posição de superioridade estava longe de representar um motivo de comemoração. A situação educacional pública paulista ainda era alarmante, pois o rendimento nas avaliações estaduais e o fluxo dos alunos ainda eram muito ruins (IDESP estadual de 2.54, sendo que o índice varia de 0 a 10) (SÃO PAULO, 2016-a).

Esses índices foram interpretados como instrumentos que denunciavam um cenário de precariedade no ensino público paulista e serviram como justificativa para o desenvolvimento de reformas educacionais em grande escala no período de 2007 a 2015. O governo paulista propôs então inúmeros programas, impulsionados e insuflados pelo discurso de melhoria da qualidade da educação, como o São Paulo Faz Escola (SPFE). Mas, como esses programas interagem com a rotina de trabalho dos professores dentro das escolas?

Com o intuito de analisar como o Programa SPFE tem se relacionado com o planejamento e autonomia dos docentes, este capítulo contém um estudo de caso do tipo

etnográfico realizado no município de Votorantim-SP, abrangendo três escolas públicas estaduais. Para viabilizar uma análise conjuntural das mudanças que ocorreram neste período, esta pesquisa não se limitou à análise dos textos legais, mas buscou problematizar o que ocorre no “chão da escola”, destacando as falas dos professores da rede pública paulista.

Este capítulo está estruturado em quatro partes principais. A primeira é destinada à caracterização da área de estudo e dos participantes. Para fazer a contextualização da pesquisa foram utilizados tanto documentos disponibilizados na internet, quanto informações obtidas durante entrevistas semiestruturadas com funcionários das escolas analisadas. A segunda parte se refere à análise das políticas e dos principais programas do período de 2007-2015, em especial o SPFE, e sua comparação e contraste com os discursos dos professores das três unidades. A terceira parte é dedicada, especificamente, ao planejamento docente e ao trabalho dos professores dentro das escolas, tentando examinar, a partir de suas falas, limites e avanços à questão da autonomia. E a última parte, contém reflexões e uma síntese do capítulo.