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4.2 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NO PERÍODO DE 2007-2015

4.2.1 CONTEXTO NACIONAL

Na esfera nacional, no ano de 2007 teve início o segundo mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, filiado ao PT. Logo no começo dessa gestão foi promulgado o “Programa Compromisso de Todos pela Educação”, através do Decreto nº 6.094/07. Esse programa propunha, através da adesão voluntária de estados e municípios, um regime de colaboração entre os diversos entes federados, as famílias e a comunidade, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação básica do país (BRASIL, 2007-a).

Aos estados e municípios que aderissem ao programa, foram propostas 28 diretrizes, dentre as quais destacamos:

XII- instituir programa próprio ou regime de colaboração para a formação inicial e continuada de profissionais da educação;

XIII- implantar plano de carreira, cargos e salários para os profissionais da educação, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho;

XIV – valorizar o mérito do trabalhador da educação, representado pelo empenho eficiente no trabalho, dedicação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade, realização de projetos e trabalhos especializados, cursos de atualização e desenvolvimento profissional;

XVI – Envolver todos os professores na discussão e elaboração do projeto político e pedagógico, respeitadas as especificidades de cada escola;

XXII – Promover a gestão participativa na rede de ensino.

XXVII – Firmar parcerias externas à comunidade escolar visando a melhoria da infraestrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais e ações educativas; (BRASIL, 2007-a, grifo nosso)

Ainda segundo esse documento, a medição da qualidade da educação e a determinação de metas seriam realizados pelo IDEB, calculado a partir da confluência de dados do Censo Escolar e do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), e o MEC forneceria apoio através do PAR (Plano de Ações Articuladas). Mas, destaca-se que a assistência fornecida pela União teria caráter de “apoio suplementar e voluntário” (BRASIL, 2007-a, art.8º).

O que se observa nesse documento é o forte hibridismo entre o discurso mercadológico de busca por eficiência e o estímulo à meritocracia na carreira docente, e o de valorização e desenvolvimento dos profissionais. Outra questão relevante é o papel crescente da sociedade enquanto responsável pela promoção e manutenção da qualidade educacional do país, e a abertura da área educacional para a atuação do terceiro setor e de empresas privadas (implícita na XXVII diretriz).

Em relação a autonomia docente, se destaca o estimulo não somente a formação continuada e inicial, mas a inclusão do professor na discussão sobre o PPP e na “gestão participativa da rede de ensino”.

Relacionado a essas proposições, ainda em 2007, foi regulamentado o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) pela lei nº 11.494/07. Essa lei, além de instituir o FUNDEB nos estados, destinou o fundo ao “desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração” (BRASIL, 2007-b).

No ano seguinte, 2008, por meio da lei nº 11.653/08 o governo federal propôs um Plano Plurianual (PPA) para nortear as ações e estipular os programas a serem desenvolvidos no período de 2008 a 2011. No PPA 2008-2011, a educação apareceu como um dos dez objetivos do governo, sendo citada como uma prioridade nacional para o desenvolvimento da competitividade econômica, da busca por equidade social e para o desenvolvimento da cidadania. No documento aparece também a necessidade de se mobilizar a sociedade como um todo para a importância da educação (BRASIL, 2008-a).

Esse PPA apresentou ainda o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) articulado em 4 eixos: Educação Básica; Alfabetização e Educação continuada; Ensino Profissional e Tecnológico; e Ensino Superior. O PPA propunha que 4% da verba total da União do período de 2008-2011 fosse destinado a área educacional, por meio de 13 programas diretamente vinculados a educação (Programa Nacional de Inclusão de Jovens; Programa Universidade para Todos; Programa Brasil alfabetizado; Programa Compromisso de Todos pela Educação; Programa Nacional do Livro do Ensino Médio; Programa Nacional da Biblioteca Escolar; Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar; Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE; Proinfância; Programa de Desenvolvimento da Educação Profissional; Programa Brasil Universitário; Programa Acessibilidade nas Universidades; e Programa Nacional de Pós-Doutorado) e 4 programas de apoio a educação ofertada pelos sistemas municipais e estaduais de ensino (Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE; Programa Nacional de Informática na Educação; Programa Mais Educação; e Programa Caminho da Escola) (BRASIL, 2008-a).

Os programas finalísticos referentes à educação, bem como o único objetivo governamental diretamente relacionada à educação, citados no Anexo I desse PPA, estão presentes na Tabela 04. O PPA de 2008 colocava ainda o Plano de Aceleração do Desenvolvimento (PAD) como umas das prioridades da Administração Pública e determinava ainda a criação de programas de apoio para manter e desenvolver as diferentes políticas públicas e as áreas especiais (BRASIL, 2008-a).

Nesse mesmo ano, foi instituído o Piso Salarial para os profissionais do Magistério, através da lei nº 11.738/08. Ela estipulou que o salário mínimo mensal dos professores com nível de grau médio, referente a 40h/semana, seria de R$950,00117 (BRASIL, 2008-b), o que equivalia a 2,29 vezes o salário mínimo na época.

Em 2009, o Decreto nº 6.755/09, com o intuito de formalizar o processo de formação inicial e continuada dos professores da rede pública de educação básica, instituiu uma Política Nacional de formação de professores em regime de colaboração entre a União, estados e municípios (BRASIL, 2009).

No ano seguinte (2010), duas políticas merecem destaque: primeiramente, o debate emergente sobre a educação integral, que levou ao Decreto nº 7.083 ampliando o tempo das

117 Este valor sofreu reajustes em 2011, 2013, 2015 e 2016. A partir de janeiro de 2016, o piso salarial docente

equivalia a R$ 2.135,64. Fonte: Portal do MEC, disponível em: < http://portal.mec.gov.br /component/content/index.php?option=com_content&view=article&id=33421:piso-salarial-dos-professores-tera- 11-36-de-reajuste-e-passara-a-valer-r-2-135-64&catid=211&Itemid=86> Acesso em 8 mai. 2016.

crianças no interior das escolas (criação das escolas de tempo integral); e em segundo lugar, a regulamentação das políticas de educação no campo, que de acordo com uma análise histórica foram relativamente “esquecidas” pelas políticas governamentais (Decreto nº 7.352/10, que também criava o PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) (BRASIL, 2010-b; 2010-c).

Tabela 04. Programas Educacionais citados no Plano Plurianual do Governo federal referente ao período de 2008 a 2011. Fonte: site oficial do Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/c civil_03/_ato2007-2010/2008/lei/anexos/ANL11653-08-1.pdf > Acesso em 08 mai. 2016.

Objetivo do Governo

Objetivo Setorial Programa

Propiciar o acesso da população brasileira à educação a ao conhecimento com equidade, qualidade e valorização da diversidade.

Universalizar o acesso à educação de jovens e adultos e dar-lhes a oportunidade de continuidade nos estudos.

Brasil alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos

Ampliar o acesso e melhorar a qualidade da educação básica.

Brasil Escolarizado Reestruturar a educação superior pública federal e ampliar

o acesso a esse nível de ensino.

Brasil Universitário Possibilitar a inclusão e o atendimento educacional das

pessoas com necessidades especiais nos sistemas de ensino.

Desenvolvimento da Educação Especial

Ampliar a oferta da educação profissional levando em conta sua articulação com os demais níveis e modalidades de ensino.

Desenvolvimento da Educação Profissional e Tecnológica Formar recursos humanos altamente capacitados e

fortalecer as bases científicas, tecnológicas e de inovação do país, com ênfase na redução dos desequilíbrios regionais.

Desenvolvimento do Ensino da Pós-Graduação e da Pesquisa Científica.

Promover a educação para a diversidade e o fomento ao exercício da cidadania como direito público subjetivo.

Educação para a Diversidade e Cidadania

Ampliar o acesso e melhorar a qualidade da educação básica.

Qualidade na Escola

Findo o mandato do Presidente Lula, em 2011, teve início o governo da Presidente Dilma Rousseff118, que foi reeleita em 2014. No primeiro mandato da Presidente Dilma, foi instituído o PPA referente a 2012-2015, intitulado “Plano Mais Brasil: Mais Desenvolvimento, mais igualdade, mais participação” (Lei nº 12.593/12). Esse plano tinha como algumas de suas diretrizes, a garantia dos direitos humanos, a redução de desigualdades, o aumento da participação social e da eficiência dos gastos públicos, e “o estímulo e a valorização da educação, da ciência e da tecnologia” (BRASIL, 2012, art. 4º).

Com diversos programas sociais, o PPA 2012-2015 conta com alguns programas na área educacional como o Programa Educação Básica, o Programa Educação Profissional e Tecnológica e o Programa de Educação Superior. Com um orçamento de cerca de 127 milhões

118 Dilma Vana Rousseff é formada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, já

trabalhou para Fundação de Economia e Estatística do estado do rio Grande do Sul (1976-1977), foi secretaria municipal da fazenda em Porto Alegre (1986-1988), secretaria de Energia, Minas e Comunicações do estado do Rio Grande do Sul (1993-1994), e Ministra de Minas e Energia durante o governo Lula (CPDOC, 2010).

de reais, o Programa de Educação Básica tinha como intuito elevar: o atendimento escolar (acesso e permanência); a articulação dos sistemas de ensino; a valorização profissional; a oferta do ensino integral; e a gestão e controle social (BRASIL, 2012).

Outro marco do período foi a publicação do PNE, referente ao decênio 2014-2024, por meio da lei nº 13.005/14. O novo PNE apresentou 20 metas e suas respectivas estratégicas para melhorar a educação nacional nos próximos anos (Tabela 05). A análise desse PNE em relação à autonomia docente pode ser observada no Quadro 10.

Tabela 05. Relação dos temas de cada uma das 20 metas do PNE para o decênio 2014-2024. Fonte: Construído pela autora com base na lei nº 13.005/14.

Meta Tema

01 Educação infantil.

02 Universalização do ensino fundamental.

03 Universalização do ensino médio.

04 Acesso à educação aos portadores de necessidades especiais e superdotados.

05 Alfabetização de todas as crianças até o 3º ano do ensino fundamental.

06 Educação em tempo integral.

07 Melhoria do fluxo e da aprendizagem.

08 Elevação da taxa de escolaridade da população de 18 a 29 anos.

09 Elevação da taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais.

10 Oferecimento da educação de jovens e adultos atrelada à educação profissional.

11 Triplicar as matrículas no ensino técnico.

12 Elevar a taxa bruta de matrículas no ensino superior.

13 Elevar a qualidade do ensino superior.

14 Elevar as matrículas nos programas de pós-graduação.

15 Regime de colaboração nas políticas de formação dos profissionais de educação.

16 Formação em nível de pós-graduação dos professores de educação básica.

17 Valorização profissional.

18 Plano de Carreira dos professores da educação básica.

19 Efetivação da gestão democrática.

20 Ampliação dos investimentos públicos em educação.

Quadro 10. Quadro analítico do PNE 2014-2024 em relação à autonomia docente. Fonte: Construído pela autora com base na Lei que instituiu o PNE 2014-2024 e sua comparação com diferentes autores.

Análise do PNE 2014-2024 em relação à autonomia docente

Dentre as metas propostas pelo novo PNE, merece destaque a Meta 7, que rege sobre a melhoria do fluxo e da aprendizagem, por apresentar pontos importantes quando se questiona o planejamento e trabalho docente. O primeiro ponto a ser destacado diz respeito à descentralização do processo administrativo, onde as instituições escolares são responsáveis pela regulação de seu próprio funcionamento, que pode ser observado na meta 7:

7.4) induzir processo contínuo de autoavaliação das escolas de educação básica, por meio da constituição de instrumentos de avaliação que orientem as dimensões a serem fortalecidas, destacando-se a elaboração de planejamento estratégico, a melhoria contínua da qualidade educacional, a formação continuada dos (as) profissionais da educação e o aprimoramento da gestão democrática; (BRASIL, 2014)

Este estímulo a participação dos profissionais da educação e da própria comunidade no funcionamento da unidade escolar também aparece na Meta 19:

19.6) estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos (as) e seus familiares na formulação dos projetos político pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares;

19.7) favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino; (BRASIL, 2014)

A ampliação da participação da população, aparece novamente na estratégia 7.28, na qual se propõe a mobilização das famílias e da sociedade civil para que a educação seja “assumida como responsabilidade de

todos e ampliar o controle social sobre o cumprimento das políticas públicas educacionais” (BRASIL, 2014, ANEXO, Meta 7, estratégia 28). Contudo, a participação da comunidade se limita à esfera escolar, e não ao sistema educacional como um todo.

Outro ponto que merece ser destacado nesse documento são as estratégias 7.4 e 7.5 que estimulam o apoio financeiro e técnico para a formação inicial e continuada dos professores, a diversificação de recursos pedagógicos e a expansão da infraestrutura física.

O que se evidência nesta análise é o forte hibridismo entre o discurso de aumento da participação popular e os pensamentos meritocrático e de controle gerencial do ensino. Já que a valorização por mérito da equipe escolar apoiada em resultados do IDEB aparece no texto da estratégia 7.36: “estabelecer políticas de estímulo às escolas que melhorarem o desempenho no IDEB, de modo a valorizar o mérito do corpo docente, da direção e da comunidade escolar.” (BRASIL, 2014).

O pensamento meritocrático é incompatível com a concepção de autonomia no sentido emancipatório, pois molda ação dos professores e da equipe escolar. Nesse contexto, a participação serve não à emancipação dos sujeitos escolares, mas a sua adaptação à estrutura escolar vigente e proposta por terceiros. Seguindo a linha de pensamento apresentada neste trabalho, essa proposta caminha no sentido de estimular um ajuste às normas/estrutura vigente por meio de uma participação que visa à adaptação e não a transformação. Nesta perspectiva, o discurso de maior autonomia e de gestão democrática ocultaria a manutenção da estrutura de poder vigente, através de um discurso de flexibilização.

Contudo, dentro desse contexto de hibridismo, no qual coexistem tanto o estímulo a participação local e a de descentralização, quanto o discurso de meritocracia, como teria se desenvolvido a maior rede estadual de ensino brasileira?