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A formação e educação do trabalhador: a participação da igreja e da escola

No documento Caieiras: núcleo fabril e preservação (páginas 137-144)

Figura 12 O “auto-trem”, veículo adaptado

Figura 39 O preparo do terreno para plantar

2.4 A formação e educação do trabalhador: a participação da igreja e da escola

O controle e a moralização dos trabalhadores nos núcleos fabris eram exercidos muitas vezes tendo a igreja e a escola como aliadas. Os casos de inexistência de igrejas em núcleos fabris constituíam exceções, pois era costume promover a construção de uma ou mais igrejas de acordo com a filiação religiosa dos operários107. O papel da igreja poderia ser valorizado pelos industriais no empenho de incutir no trabalhador um comportamento acomodado em sua rotina e conformado com as condições de vida que poderiam incluir a rotina de um trabalho pesado e mal remunerado. Este conceito estaria ainda afinado com o combate ao alcoolismo, a glorificação do trabalho, aceitação das diferenças sociais,

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Na França, por exemplo, havia igrejas católicas nos núcleos de Marquette, Val-des-Bois (criado por fábrica têxtil) e Mulhouse. No núcleo de Port Sunlight (criado pela indústria de sabonetes Lever, na Inglaterra), havia uma igreja congregacional; em Bournville (criado na Inglaterra pela fábrica de chocolate Cadbury) havia uma igreja anglicana e uma Friend´s Meeting House (quaker); na Osaka Spining Cia., (fundada por fábrica de tecidos no Japão), foi construído um templo budista; em New Earswick (criado na Inglaterra pela fábrica de chocolates Rowntree), havia igrejas anglicanas e metodistas e espaço para reuniões aos domingos para católicos e quakers (CORREIA,1998).

paciência e aceitação do sofrimento como algo passageiro e terreno (CORREIA, 1998). O caráter também era tido como um requisito fundamental à qualificação das pessoas108 e participação da igreja para a formação considerada adequada era fundamental. Em Caieiras, a importância desta colocação pode ser observada na descrição da qualificação da parteira da Cia. Ao referir-se àquela profissional, o Sr. Luis Carlos Mancini ressaltava que

A parteira, senhora de excelente formação religiosa, está investida de larga função moral. Além de suas atribuições propriamente obstétricas, faz visitas domiciliares sistemáticas, ministrando também aulas pré-nupciais às noivas. O resultado de seus trabalhos tem sido compensador; di-lo bem o fato de não ter havido até agora um único caso de aborto criminoso (A OBRA SOCIAL D COMPANHIA MELHORAMENTOS-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24, Dezembro de 1940, p.8).

Neste sentido, associando o comportamento do trabalhador à sua formação moral, Mancini ainda faz referência às festas promovidas pela empresa enaltecendo que não havia conflitos sérios ou trabalhistas entre os moradores do núcleo durante tais eventos. Assim, o autor afirma que “a obra de moralização das diversões realizadas na Companhia é relevante” (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p. 14)

Como vimos, em meados do século XX, havia dentro da Companhia. Melhoramentos três de igrejas distribuídas entre as vilas: Igreja Nª Sª do Rosário, Capela de São José e a Sagrado Coração de Jesus. Para administrar as igrejas havia os capelães da Companhia que gozavam de autonomia para intervir nas atividades dos operários. Ao referir-se às atividades que o capelão exercia dentro da empresa, Mancini (1940) descreve que

Ao capelão está afeta larga função educativa. Sua missão não acaba, mas começa com a celebração da missa. A empresa concede-lhe toda liberdade, podendo mesmo, a qualquer instante, interpelar ou ocupar um empregado (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO- IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24, Dezembro de 1940, p. 10)

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A este respeito Correia (1998) cita os privilégios oferecidos pelo industrial Titus Salt, em Saltaire, que construiu 45 casas ao redor de uma praça para ex-operários idosos, que para ter acesso a este privilégio precisariam ser considerados pelo patrão pessoas de bom caráter (CORREIA, 1998).

O relato acima mostra que os capelães eram figuras respeitadas e muito ativas dentro das comunidades. Exemplo desta atuação foi observado durante a década de 1930, quando o padre Aquiles Silvestre109 ocupava este posto. Em 1938 padre Aquiles fundou a Associação Mariana Nossa Senhora do Rosário que contava com cerca de 150 jovens e possuía um time de futebol – o Juvenil São Luiz do Gonzaga – e um de voleibol. A Associação Mariana mantinha um corpo cênico formado por moças e rapazes e oferecia curso de teatro, coreografias e caracterizações diversas. Na sede da Associação Mariana havia jogos de xadrez, dama, pingue-pong tênis de mesa e uma biblioteca. Em 1940, o padre Aquiles fundou o grupo Pio União das Filhas de Maria. Além destas atividades, o padre instruía uma equipe de catequistas encarregados da preparação da Primeira Comunhão das crianças. Nesta década, fundou um curso para adultos, equivalente ao curso supletivo. Para as moças, ele criou uma escola profissionalizante com aulas de educação moral e cívica, literatura, música, corte e costura, higiene, culinária e trabalhos artesanais (MORAES, 1995).

Figura 41 O Bairro da Fábrica em Caieiras. No alto, à esquerda, a capela de São José Fonte: A viagem ao maravilhoso mundo do papel e do livro. Melhoramentos (1965)

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O Padre Aquiles iniciou os estudos no Seminário de Bom Jesus de Pirapora. Após cursar o Seminário Maior de São Paulo foi ordenado padre. Chegou em Caieiras na década de 1930, já como Capelão da Companhia Melhoramentos. Em 1942, quando o Brasil entrou na 2ª Guerra Mundial, o padre Aquiles foi convocado para servir como capelão militar da Força Expedicionária Brasileira (FEB) atuando nos campos de batalha italianos. Em 1945, o padre voltou para Caieiras onde permaneceu por mais algum tempo obter o posto de capitão, quando passou a prestar assistência religiosa no quartel do Segundo Exército, em São Paulo (MORAES, 1995). Antigos moradores acreditam que durante o período de perseguição às comunidades alemãs, quando alguns funcionários foram detidos devido às acusações que envolviam a formação de rede nazista, a influência do Padre Aquiles foi importante para a liberação de tais funcionários.

Luis Carlos Mancini descreve que ao todo, em 1940, somavam dentro do núcleo de Caieiras 4 associações religiosas dirigidas pelo capelão: A Cruzada Eucarística, para os menores; a Associação Aluiziana de moços, com 160 membros; a irmandade de São Benedito, de homens com 150 aderentes e a Associação de Nossa Senhora do Rosário com 150 moças (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p.10).

A participação da Igreja nas relações entre patrões e empregados teve influência das recomendações da Carta Encíclica “Rerum Renovarum” assinada no ano de 1891 pelo papa Leão XIII. A carta dispunha sobre as condições dos operários e alertava sobre a necessidade de apaziguamento entre ricos e pobres. Totalmente contrária ao socialismo, a “Rerum Renovarum” defendia a propriedade particular como resultado da dedicação do operário e como uma garantia às gerações futuras das famílias operárias. Pregava também a dignidade pelo trabalho, justa remuneração, necessidades específicas da mulher de acordo com sua “natureza” e as condições efêmeras, referindo-se à vida terrena, as quais os operários deveriam pacientemente suportar. Para a “Rerum Novarum” as classes dos ricos e pobres teriam necessidade uma da outra. Nesta conjuntura, o capital não poderia existir sem o trabalho e vice-versa. As classes deveriam unir-se por laços de amizade (CARTA ENCÍCLICA “RERUM NOVARUM” DO PAPA LEÃO XIII SOBRE A CONDIÇÃO DOS OPERÁRIOS, 1891)110.

A força da igreja como mecanismo para apaziguar inciativas operárias, entre elas, os movimentos políticos, pode ser percebida no depoimento de Bruno Prando quando compareceu para representar o filho que havia sido intimado para depor à respeito da suposta depredação dos transportes da Companhia. Nas palavras do escrivão que datilografou o termo de declarações, os conceitos e posturas ligadas à religião católica opunham-se claramente aos movimentos políticos:

[...] com referência a expressões de cunho comunista, que nesta delegacia ficou sabendo terem sido usadas por pessoas que se utilizam dos transportes da Companhia, o declarante disso não tem conhecimento, podendo afirmar ao contrário, que a população de Caieiras é muito católica e principalmente os trabalhadores da Companhia Melhoramentos (PRONTUÁRIO DEOPS 44311).

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Disponível: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_15051891_rerum- novarum_po.html. Acessado em 12 de julho de 2011, às 15:40h

As ações beneméritas promovidas no núcleo também ganhavam destaque como ações que enalteciam a obra moralizadora da empresa:

[...] cabe uma referência que muito recomenda o espírito social dos operários. Mensalmente eles cotizam remetendo 1:000$000 ao Sanatório das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, de São José dos Campos, que retribue pondo-lhes à disposição dois leitos (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24, DEZEMBRO DE 1940, P.8).

A presença da Igreja Católica mostrou-se sempre muito forte nas comunidades de Caieiras. A popularidade dos religiosos entre os operários e as ações comunitárias que faziam em benefício da população fortalecia o capelão como figura política. Logo após a emancipação do município, chegou a Caieiras o vigário José Cezar de Oliveira111, que assumiu o posto de capelão da Companhia em 1961. Devido à sua força de atuação entre os operários e à admiração que despertava nos mesmos, o capelão foi eleito Prefeito de Caieiras por duas vezes112.

De maneira geral, nos núcleos fabris brasileiros, a escola também interferia na conduta e hábitos dos trabalhadores. Nestes casos, a fábrica exercia controle direto sobre o ensino dos alunos, que era voltado a preceitos de obediência, moral e regras de bom comportamento113. A educação das crianças tinha papel fundamental no controle social sobre as famílias operárias. Nas escolas existentes nos núcleos fabris brasileiros prevalecia uma educação voltada para a formação de futuros operários dedicados ao trabalho (CORREIA, 1998).

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Nascido em Fartura, interior paulista, 23-05-1925 e falecido em 2005. Foi ordenado padre em 1949 e chegou ao título de Monsenhor. Foi o primeiro pároco nomeado da igreja de Santo Antonio, em 1966. Celebrou missas até 2003 (PERES, 2008).

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A primeira gestão administrativa de José Cezar de Oliveira ocorreu entre os anos de 1964 e 1968. A segunda foi entre os anos de 1972 e 1976.

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Em Pedra (AL), por exemplo, todas as crianças eram obrigadas a freqüentar a escola, a partir dos 5 anos de idade. A fábrica controlava e fiscalizava as faltas dos alunos e oferecia prêmios como ingressos para o carrossel e o rink de patinação, para os alunos que se destacassem. Para entrar no cinema, era necessário que as crianças apresentação o comprovante de freqüência às aulas. Os incentivos para os adultos poderiam ser a permissão de escrever cartas às namoradas (CORREIA, 1998).

Figura 42 Entre outras celebridades, o Monsenhor

José Cezar de Oliveira nos eventos políticos e festivos de Caieiras

Fonte: Acervo: Geraldino Ferreira de Almeida

Figura 43 Campanha política do Monsenhor entre

os moradores da Companhia

Fonte: Revista Manchete (02-11-1963. Ano 11. Nº

602)

Em Caieiras, a educação das crianças e dos jovens era mesclada com as atividades religiosas e cívicas, através das associações criadas pela igreja que proporcionavam diversos cursos aos jovens e do grupo de escotismo voltado às atividades físicas e externas: “toda obra da Companhia tem por base a educação, a valorização do homem e por fim, o estabelecimento da paz e da unidade profissional neste sector de trabalho” (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO- IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p. 12).

Os relatos mostrados no item Organização das vilas, apontam a existência de até 7 escolas no núcleo fabril de Caieiras. No ano de 1940, funcionavam cinco escolas, as quais eram freqüentadas por 660 alunos. Neste período, a educação dos meninos estava voltada à formação profissional enquanto que a educação feminina direcionava-se às atividades consideradas de “natureza feminina”, como exemplo, os cursos de corte e costura organizados pela Associação Nossa Senhora do Rosário para as moças de Caieiras. As peças confeccionadas pelas operárias aprendizes de costureira eram doada às comunidades pobres da região. Havia também cursos profissionalizantes ministrados por engenheiros e oferecidos aos operários de certos setores. Cursos noturnos eram reservados aos adultos. Mancini (1940) relatou que os alunos de Caieiras, periodicamente, passavam por inspeção médica e dentária, procedimento que a Companhia pretendia estender para todos os operários como medida obrigatória (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS

MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, pp. 8, 9, 10).

O ensino nas escolas do núcleo fabril da Companhia Melhoramentos ocorria em escolas primárias e não visava uma formação que fosse além do ensino básico para o operário. Muitos trabalhadores não continuavam os estudos devido às limitações existentes nas escolas e às dificuldades de se conciliar trabalho, estudo e distância existente para chegar às escolas com ensino mais avançado.

Eu estudei no Monjolinho, era Escola Mista do Monjolinho. Depois do segundo ano eu vim pra Caieiras, no Otto Weiszflog, [...] naquele tempo era até o quarto ano e não tinha ginásio, não tinha nada [...] eu fui fazer o ginásio depois [...] que eu já tinha os quatro filhos, aí fui fazer ginásio e era madureza ainda! Fiz o ginásio e o colegial ali em Franco da Rocha, fiz com o Milton Nicodemo. Escola tinha na Fábrica e tinha também na Calcárea. A Calcárea não existe mais, a via Norte, a Bandeirantes, passou lá e demoliu tudo (PRANDO, 2011).

Me formei no Otto. Fiz o primário no Otto. E só também, né? [...] Então, mas era assim, eu tirei o diploma em 1953. É porque eu repeti dois anos, eu entrei em 47, em 53 eu acho que eu saí. Eu fiquei 4, 5, 6 anos na escola. Porque eu repeti o primeiro ano e o quarto. Você acredita nisso? Eu era pequenininho mas eu lembro bem. E depois eu só fui estudar quando eu fiz o Senai só. Fiz algumas aulinhas particulares com pessoas, professores particulares, lá na fábrica mesmo. Assim, conhecimento de desenho mecânico, né? Relacionado à minha profissão mesmo né? Mas pouca coisa (EUSÉBIO, 2011).

Ao completar sete anos, ingressei no Grupo Escolar “Alfredo Weiszflog” no ano de 1951, onde terminei o 4º ano primário em 1954. As escolas existentes nas comunidades eram construídas pela Companhia, a qual contratava professores de São Paulo e outros locais para ensinar as crianças que estudavam até a conclusão do curso primário. Não havia criança fora da escola (GABRIELLI, 2010).

Assim, devido a esta situação, após o término do antigo curso primário, era comum que os alunos filhos de operários encerrassem os estudos. Filhos de funcionários com graduação maior tinham condições de freqüentar outras escolas. Alguns saíam diariamente, via trem, para as escolas de São Paulo, principalmente para aquelas localizadas no Bairro da Lapa como o Colégio Campos Salles e o Colégio Anhanguera. Outros, conforme relato de antigo morador, freqüentavam internatos no interior do estado de São Paulo.

[...] porque São Paulo era longe ainda, muitos desses filhos de alemães estudavam em São Carlos, mas aí ficavam em internatos lá, por exemplo, os filhos dos Faltin estudavam em São Carlos e havia mais que ficavam lá em internato em São Carlos. Não sei que escola é. Aqui em Caieiras não tinha escola para segundo grau (BELLEN, 2011)

Como vimos no item 1960-2010 Loteamentos e desmonte, relatos apontam que a busca por escolas que oferecessem um conteúdo mais avançado começou a ocorrer mesmo entre os operários, e esta busca motivou a saída de alguns funcionários do núcleo. Com a emancipação de Caieiras, ocorrida em 1958, a escola externa passou a ser vista como uma oportunidade de crescimento do aluno e as escolas do núcleo passavam a ser percebidas como instituições com certa limitação.

2.5 Bem estar físico e mental: as comemorações, cultura, saúde e utilização das

No documento Caieiras: núcleo fabril e preservação (páginas 137-144)