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Moradia para chefes

No documento Caieiras: núcleo fabril e preservação (páginas 181-185)

Habitação e Arquitetura

Figura 64 Madeiramento do telhado nas casas do

3.1.3 Moradia para chefes

As casas ocupadas por chefes sempre tiveram posição de destaque em relação às casas de operários em Caieiras. Não há dúvidas que os patrões dispunham de casas maiores e mais confortáveis, pois à medida que o funcionário tivesse melhor cargo dentro da empresa, tinham direito de ocupar melhores casas.

A casa habitada pelo coronel Rodovalho seguia padrões de arquitetura rural. Tratava-se de uma casa térrea, com altas janelas guilhotinas. Semelhante em alguns aspectos à casa-grande dos engenhos de açúcar142. A implantação da casa de Rodovalho

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Pode-se encontrar certa semelhança à descrição das casas de sítio feitas por Gilberto Freyre (2004): “Na sua arquitetura, a casa de sítio ou a chácara parece que foi por muito tempo mais casas de fazenda do que de cidade. Mais horizontal do que vertical. [...] aspecto de casarão quadrado e com alpendre que geralmente tinham as casas de engenho (FREYRE, 2004, p. 323).

em região alta pode ser entendida como herança do tradicional posicionamento da casa- grande, que se destacava das demais edificações da fazenda, revelando sua importância no conjunto. A localização destas edificações nas fazendas paulistas não era ao acaso, tratava-se de uma estratégia do patrão:

Ela não está em destaque por acaso: a casa-grande se mostra a todo o conjunto de edificações, de modo a lembrar, constantemente, que é de lá que vem o poder, assim como a punição. Não à toa, instalou-se à sua frente, aberto para todas as demais edificações, o observatório oficial do fazendeiro: o alpendre. Deste local o fazendeiro exerceu o poder, vigiou e controlou toda a movimentação da propriedade (BENINCASA, 2003, p.134).

Figura 78 A casa que tinha sido ocupada pelo coronel Rodovalho, década de 1920 Fonte: Peres (2008)

Observamos que alguns enfileiramentos das casas de Caieiras tinham em suas extremidades casas diferenciadas das demais. Estas casas tinham em sua arquitetura elementos que as distinguiam das outras, como platibandas ornamentadas com frisos e cornijas que escondiam os telhados. Elementos como as platibandas era uma forma de caracterizar as casas utilizadas por funcionários chefes. Para este fim, outros elementos também eram utilizados, tais como bossagem, óculos, forros de madeira e pisos de assoalho. Nestes casos de casas de extremidade de fileiras, os funcionários eram chefes de setores, encarregados, mas não ocupavam os cargos mais altos da empresa.

Exemplo desta utilização e diferenciação pode ser observado no conjunto da figura 57. A casa da extremidade esquerda, datada de 1904, era utilizada pela família de um dos chefes do setor de limpeza e manutenção das áreas externas durante as décadas de 1940 a 1960. A fachada é composta por elementos que denotam certa sofisticação – bossagem, frisos, cornijas, platibandas – e os acabamentos internos – forros e assoalhos de madeira.

Na casa, as antigas janelas de escuro, originalmente construídas com tábuas, passaram a ser substituídas por novos modelos de venezianas. Além disto, tinha números de cômodos e pé-direito maiores que as demais. As varandas também constituíam elementos que destacavam as casas dos chefes. Nos blocos de moradias da Vila Foresto (ver figura 67 e 68), as casas das extremidades possuíam pequenas varandas que ressaltavam a moradia da chefia. Esta forma de dispor as residências de chefia nas extremidades foi adotada por alguns núcleos para garantir a ordem daquele renque de residências. Assim, funcionários mais graduados supervisionavam os vizinhos operários143.

Algumas casas de chefia e de hóspedes também foram construídas inspiradas nos bangalôs e nos chalés europeus. Estas casas eram ocupadas por profissionais com cargos melhores, os cargos formados pela chamada “alta chefia”. Nestes casos, as casas tinham ambientes mais amplos e em maior número que as demais. Surgiam isoladas ou geminadas duas-a-duas, como as casas da Rua do Filtro, que foram ocupadas por chefes. Estas casas eram implantadas nas áreas mais altas do terreno e tinham varandas privilegiadas com vista para a fábrica de papéis ou áreas livres (ver figuras 79 e 83).

No Bairro da Fábrica, descendo a Igreja de São José, logo que começa a descida, do lado direito, foi construída uma casa de tijolo à vista, linda! Uma casa de gerente, era um médico que morava ali, o médico da empresa que morava ali. Depois tinha no Bairro do Filtro, um pouquinho mais pra baixo, na rua que entrava assim, só que já era, não era bem colônia, eram umas casas enormes. Morava o [...], ele morava ali. O pessoal de Caieiras ninguém quer escutar falar o nome dele, de ruim que ele era. [...] então, aí tinha a casa dele que era uma casona enorme e depois tinha tipo de uma colônia, só que já era umas casas boas, sabe? [...] mas era tudo junto, era enfileirado, tinha uma varanda grande na frente que pegava quase toda ela assim e era branca e azul também só que era umas casas enormes, bonitas, casa pra chefe vai. E pra chefe era outro padrão, mas era tipo de uma colônia. E tinha o Bairro do Filtro, ou Rua do Filtro. Depois vinha a Vila Leão [...] aí era tudo tijolo à vista. O do Filtro, quando eu nasci já tinha aquilo [...] descendo a Igreja de São José [...] tem uma entrada à esquerda e tem um tanque de água grande, é o filtro, que filtrava água pra fábrica de papel. Naquela rua já derrubaram várias casas também. [...] então depois o Bairro Vila Leão [...] eu devia ter uns 14 anos (quando fizeram) [...] era tudo casa de tijolo à vista. Tinha algumas que eram geminadas e devia ter umas 8 ou 9. Era um bairro grande lá na Vila Leão. Tinha umas 8 ou 9 que logo que você entrava no Bairro Leão, à esquerda tinha umas geminadas, mas de tijolo à vista, já diferente, nada a ver com aquelas (de colônia). O resto era de duas ou uma. Fizeram uma igreja lá também [...] Sagrado Coração [...] uma capelinha que o próprio pessoal fez (PRANDO, 2011).

As enormes casas, que Prando (2011) encontra certa semelhança com colônias eram casas geminadas duas-a-duas, com grandes varandas divididas por pilares com vista para a

143Este modelo foi observado também em Pedra (AL) onde enfileiramentos bem maiores do que os de Caieiras

fábrica de papéis que remetiam às casas de aspecto rural devido às avantajadas áreas avarandadas (ver figura 83).

Para Moraes (1995), a casa ocupada pela diretoria técnica, inicialmente pela família do gerente Ehlert e posteriormente pela família Köeller, mostrada na figura 82,

[...] era uma mansão em estilo europeu, tendo na frente um terraço nobre, composto de colunas em estilo romano e encimadas por capitéis esculpidos nos moldes coríntios. No telhado, havia torres com janelas para aeração e iluminação dos quartos de hóspedes (MORAES, 1995, p.156).

Alguns telhados se diferenciavam dos demais por tratar-se de elementos maiores com várias águas com caimentos diferenciados dos freqüentes telhados de quatro águas (ver figuras 81 e 82). As casas dos chefes mais graduados eram localizadas em regiões altas com vista privilegiada tanto em relação à paisagem quanto às fábricas. As áreas próximas à Capela de São José, no Bairro da Fábrica, configuraram-se como áreas ocupadas por casas construídas para a “alta chefia”.

Figura 79 Vista da residência da família Bellen. À

direita, ao fundo, vê-se o Pico do Jaraguá

Fonte: Acervo Bonno van Bellen

Figura 80 Casa de ocupada por chefia no barro do

Sobradinho. A casa ainda existe é hoje é utilizada como centro de treinamento para os funcionários

Fonte: Paulo Polkorny

Figura 81 Casa ocupada por chefia, demolida

Fonte: Paulo Polkorny Figura 82 Casa ocupada pela diretoria técnica Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo

(Weiszflog Irmãos inc). Fábrica de Papel-Editora- Oficinas Gráficas, [19-]

Figura 83 No alto, à esquerda da chaminé, as já demolidas casas geminadas utilizadas pela chefia com varandas

no fundo, 1926

Fonte: Donato (1990)

Figura 84 Casa de hóspedes, próxima à estacão. Foi moradia de médicos da Companhia e ainda está preservada. Fonte: Acervo da autora (2010)

No documento Caieiras: núcleo fabril e preservação (páginas 181-185)