• Nenhum resultado encontrado

O princípio da não gratuidade

No documento Caieiras: núcleo fabril e preservação (páginas 194-197)

Habitação e Arquitetura

Figura 64 Madeiramento do telhado nas casas do

3.1.7 O princípio da não gratuidade

No Brasil era comum que as empresas cobrassem uma taxa para o pagamento do aluguel das casas151 (CORREIA, 1998). Esta prática também norteou os industriais da Companhia Melhoramentos. Quando inquiridos pelo DEOPS152, em 1949, acerca das moradias oferecidas aos operários e relações entre empresa e funcionários, a Companhia transcreveu trechos do artigo de Mancini (1940) – então diretor do Departamento Nacional de Previdência Social do Ministério do Trabalho - publicado pela própria

151

Dados de um levantamento realizado pelo Departamento Estadual do Trabalho no Estado de São Paulo, em 1919, apontam que a maioria das vilas constituídas por empresas estavam no interior do estado e pertenciam, muitas vezes, às empresas ligadas à estrada de ferro e que as casas poderiam ser cedidas gratuitamente ou por aluguéis simbólicos. Este levantamento mostra que os alugueis cobrados pelas vilas paulistanas, no começo do século XX, tinham preço menor que o mercado. A Indústria Têxtil do Belenzinho alugava a seus operários casas por 44$000; a Fiação da Saúde, por 25$000; a Silex, indústria metalúrgica, por 30$000; a tinturaria das indústrias Reunidas Matarazzo, por 44$000; a Ítalo- Brasileira de vestuário, por 25$000; e a casa Rodovalho, por R$35$000. Se comparados às vilas particulares de baixo padrão, a quantidade de casas era equivalente e os valores eram menores, pois os aluguéis das vilas particulares variavam de 45$000 a 50$000 (BONDUKI, 1998). Alguns industriais, entretanto, optaram pela venda da casa aos operários. A opção pela venda estava embasa em um suposto efeito positivo que a propriedade exerceria sobre o trabalhador (CORREIA, 1998). Na Cimento Portland Perus, fundada no começo do século XX, em São Paulo, a questão dos aluguéis das casas operárias, durante a década de 1960, tentou ser negociada por meio de um acordo entre o Grupo Abdalla, proprietário da empresa, e os operários. Neste acordo haveria um comprometimento por parte da empresa em construir um loteamento nas terras ociosas. No loteamento, as casas seriam construídas através de mutirão pelos operários. Em contrapartida seriam descontados 5% do salário dos operários para a constituição do Fundo da Casa Própria, que permitira a todos a compra de um lote. Esta negociação foi homologada no acordo salarial de 1960, mas o Grupo Abdalla não cumpriu o estabelecido (JESUS, 1992).

152

Companhia sob o título “A Obra Social da Companhia Melhoramentos de São Paulo – impressões do Sr. Luis Carlos Mancini” para argumentar seus princípios e a opção em cobrar valores, mesmo que simbólicos, de aluguéis das casas153:

A obra operária para ser amada pelo operário e produzir efeitos educativos, repugna o caráter ‘paternalista’ ou ‘caridoso’, que caracteriza o ato da esmola dada ao indigente. Instituições desta natureza devem possuir um feitio másculo, ver no operário um homem capaz de organizar e administrar seus próprios negócios, travando com êle, antes relações de tipo comercial que caritativo. O operário deve pagar sempre, não importa que sejam réis, mas deve sempre pagar. Não quer isso dizer que deva ser tratado fora de sua condição social. Absolutamente. A esmola deprime. A obra aparatosa, quer pelas instalações, quer pela inhabilidade no tratar o operário, arruína-se depressa ou arruína seus assistidos (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO SOCIAL Nº24, 1940, p.13).

Em Caieiras, a entrega da casa no caso de demissão é estabelecida item IV do contrato de concessão de moradia:

O presente contrato será considerado de pleno direito rescindido, independentemente de qualquer notificação judicial ou extra-judicial, nos seguintes casos:

1º - Quando o empregado for demitido, solicitar demissão ou, por qualquer motivo deixar o serviço ativo da empregadora;

2º - Quando o empregado infringir qualquer cláusula ou condição dêste instrumento (PRONTUÁRIO DEOPS nº 96964).

A Companhia utilizava para cobrança dos valores para uso das casas um cálculo fundamentado na organização da ficha de classificação ponderada das moradias, que passava a substituir o anterior sistema de fixação empírica das taxas de contribuição de cada empregado-beneficiário. Este novo modelo foi inicialmente implantado gradativamente, ou seja, para as casas novas que eram construídas ou para as casas que vagassem e fossem ocupadas por novos moradores. Ao constatar a dificuldade de manter dois sistemas diferentes – um com base empírica e outro considerado mais racional e equitativo, baseado na ficha de ponderação - para cobrança das taxas durante o período de transição, enquadrou todos os empregados-beneficiários no mesmo sistema de ficha de classificação, apresentando uma demonstração dos valores cobrados a partir de setembro de 1948, após o reajuste geral salarial dos funcionários (PRONTUÁRIO DEOPS 96964):

153

Correia (1998) relata que um observador francês do século XIX já condenava a prática de cessão gratuita das casas para os operários argumentando que o operário não daria valor ao que lhe seria cedido gratuitamente. A este respeito, Carpintéro (1997) transcreve uma citação de Prestes Maia durante o Primeiro Congresso da Habitação, afirmando seu desinteresse pela solução de Vilas Operárias, por considerá-las ineficientes pelas mesmas razões do observador francês (CARPINTÉRO, 1997).

Tabela 8 Valores para utilização das casas na Companhia Melhoramentos

Casa Valores cobrados * Salário*

31/08/48 01/09/48 31/08/48 01/09/48 A-71 70,00 105,00 1.200,00 1350,00 A-114 65,00 105,00 900,00 1000,00 A-276 7,80 20,00 680,00 760,00 A-12 20,00 37,50 640,00 680,00 A-50 31,00 52,50 680,00 760,00 A-18 25,00 45,00 800,00 900,00 A-70 65,00 105,00 1350,00 1.500,00 A-13 65,00 105,00 940,00 1.050,00 A-64 50,50 105,00 680,00 760,00 A-94 15,00 30,00 680,00 760,00 *Em 1948 a moeda brasileira era o Cruzeiro

Fonte: PRONTUÁRIO DEOPS 96964, p. 6 e 7

A tabela acima mostra que os valores cobrados para utilização das casas em Caieiras eram simbólicos e não ultrapassavam 15% dos valores salariais154. As entrevistas feitas com os antigos moradores reafirmam esta colocação. Alguns nem sequer lembram-se dos valores que pagavam para ter o direito de moradia em Caieiras, devido a pouca significância que os valores tinham em relação aos seus salários. Os ex-moradores relatam que os valores cobrados para utilização de energia elétrica já estavam incluídos nas taxas pagas para utilização das casas.

(...) a gente pagava uma taxa, mas era tão irrisória aquela taxa, muito baixinha, muito, eu não me lembro pra dizer pra você quanto, mas era muito pouco. Só que era assim: tinha um relógio medidor de força e eles davam uma taxa pra você gastar. Eu me lembro que para os mais baixos era 50kw mensal. Se passasse daquilo, eles cortavam a luz. Então ninguém tinha que gastar, imagina pra gastar 50kw, hoje eu gasto em uma semana. A gente tinha que gastar em um mês. Também, naquela época a gente não tinha geladeira. Mas também não tinha nada, era luz elétrica e ferro de passar roupa, só isso. Não tinha enceradeira, não tinha nada dessas coisas, então dava. Apesar que a gente viveu assim e bem. Dava, né? Tinha por exemplo, chefia grande, era 150, 120kw. Era uma discrepância muito grande entre os funcionários e os grandes. Tinha pessoas que eram “chefinhos mais ou menos” que era 60kw, outros era 80. Não tinha uma regra. Os mais baixos, era 50 pra todo mundo. Depois conforme a graduação da pessoa na firma, é que ia aumentando, tinha umas regalias assim. Água não tinha mesmo e quando encanaram a água não se cobrava. Era gratuito (EUSÉBIO, 2011).

154

Eva Blay (1985) mostra algumas situações relativas à moradia de aluguel em vilas operárias em São Paulo. Nas vilas das indústrias Beltramo, Nadir Figueiredo e Guilherme Giorgi as casas eram sempre alugadas aos operários. Em entrevista à autora uma operária afirma que em 1955 pagava $650,00 por uma casa na vila Guilherme Giorgi e o salário era de $1190,00. A renda dela e do marido somavam $3000,00. Estes números expressam que os aluguéis chegavam, nesta vila, a 50% dos valores dos salários operários (BLAY, 1985, p. 179).

Na publicação A Obra Social da Companhia Melhoramentos-impressões do Sr. Luis Carlos Mancini, (1940), é afirmado que o funcionário categorizado recebia gratuitamente, além do direito a habitação, também luz elétrica, água e lenha e ao operário era aplicado então, o conceito da não gratuidade, pois segundo a publicação, este deveria pagar mensalmente uma taxa de 4% ao ano, sobre o valor de prédio, o que corresponderia, em 1940, a uma importância variável entre 20 e 50$000 mensais. O autor ainda afirma que a distribuição de água para os operários era livre e a cobrança pela eletricidade era feita na base de 1$000 mensais por lâmpada (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL, nº 24, Dezembro, 1940, p. 6).

3.2 Arquitetura

No documento Caieiras: núcleo fabril e preservação (páginas 194-197)