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6.2 Líderes políticos e interesses nacionais no tratado de Roma

6.2.2 A França de Faure, Mollet e Bougès-maunoury: pretensões de poder e o

A decisão francesa em assinar o Tratado de Roma rompe com um amplo período de protecionismo e recusa à concessão de preferências comerciais, iniciado no século XIX. Na literatura de relações internacionais é comum a explicação para a mudança de posição dos governos franceses com o recurso a fragilização da Quarta República, após o fiasco em Suez. Há correntes que salientam a difusão das idéias políticas federalistas, bem como a inevitabilidade da integração econômica (LYNCH, 1994).

Ao final da Segunda Guerra, a França tinha por prioridade seus assuntos domésticos e sua reconstrução. A discrição da chancelaria francesa no pós-45 pôde ser notada, por exemplo, na ausência frente às negociações de um novo sistema monetário internacional, em Bretton Woods. Charles de Gaulle, preocupado com a segurança das fronteiras e o bem-estar, estabeleceu suas preferências para solucionar impasses domésticos. Para aumentar a efetividade do Estado quanto ao planejamento econômico e produção de políticas, o presidente do governo provisório nomeou Jean Monnet como comissário responsável pelo planejamento.

Monnet, ao planejar a recuperação econômica francesa, priorizou o sistema de trocas e comércio com a União Francesa, departamentos e territórios ultramarinos. A metrópole francesa demandava políticas protecionistas, à distância das alterações que fizeram do dólar moeda forte na Europa. A liberalização e a abertura comercial poderiam ter efeitos negativos no plano doméstico. Desta forma, as percepções de Monnet eram que as ameaças de crise nos setores econômicos chave (agricultura e indústria de base) demandavam políticas de proteção, anteriores a quaisquer políticas de liberalização.

Como explicar as mudanças, da proteção à liberalização por meio de uma união aduaneira; de instituições domésticas a regionais, em face da ratificação do Tratado de Roma? Quais variáveis explicam a mudança francesa? Os argumentos neste ponto salientam o protagonismo dos líderes franceses e causas domésticas, como a

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defesa do interesse nacional, que destacam o papel dos primeiros-ministros Faure, Mollet e Bougès-Maunoury, na Quarta República e de Charles de Gaulle, já na Quinta República, frente à integração européia e o Tratado de Roma.

O processo político em direção ao Tratado de Roma, conduzido entre 1955 e 1957, foi gerido, inicialmente, no intuito de evitar a criação de instituições supranacionais, tanto por questões estratégicas, como econômicas. Os negociadores franceses esperavam a inclusão dos territórios ultramarinos nos acordos e temiam pelo ingresso de produtos agrícolas mais competitivos em seu mercado.

Face às pressões domésticas e internacionais, os sucessivos governos de Faure, Mollet e Bougès-Maunoury utilizaram as negociações em torno da cooperação européia, no intuito de dar respostas a uma série de questões políticas e manejar os interesses do Estado no plano europeu. Em primeiro lugar havia, disperso na sociedade francesa, o medo do rearmamento alemão; em segundo, as pressões dos agricultores; em terceiro, as garantias à manutenção do programa nuclear, lançado por de Gaulle, no pós-guerra, e, por fim, o fortalecimento do antigo império francês (LYNCH, 1994; MORAVCSIK, 1998).

Dois pontos foram particularmente sensíveis aos negociadores franceses: a manutenção das aspirações de grandeza e a proteção dos interesses agrícolas. A importância do setor agrícola para as negociações do Tratado de Roma é bem conhecida, assim como a resistência francesa à liberalização comercial no pós- guerra. A relação de Paris com a área francesa e com os territórios ultramarinos dificultou, inicialmente, a criação de instituições supranacionais européias e a redução de alíquotas para a Europa dos Seis58.

O custo, relativamente alto, da mão-de-obra agrícola francesa impedia maiores reduções de alíquotas para importação de produtos da área. Ao mesmo tempo, os governos franceses entendiam que preferências comerciais deveriam ser oferecidas

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A Área Francesa (French area) era composta pela França metropolitana, o Marrocos, a Tunísia e a Argélia, bem como os territórios (como a Polinésia francesa) e departamentos ultramarinos (como a Guiana Francesa). A União Francesa excluiria o Marrocos e a Tunísia.

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para os Estados que eram ou tinham sido colônias da metrópole francesa, como a Tunísia, o Marrocos ou a Argélia.

A necessidade de reestruturação do setor agrícola francês foi uma das cinco prioridades do Plano Monnet, estabelecido por de Gaulle. Seu objetivo era de promover a segurança alimentar da França – torná-la auto-suficiente e equilibrar a balança comercial, em função das importações de alimentos.

A demanda dos produtores agrícolas por proteção envolvia um programa de exportação de excedentes, que traria dólares para equilibrar a balança de comércio, ao mesmo tempo em que impediria que eventuais excedentes produzissem redução dos preços agrícolas (LYNCH, 1994).

Charles de Gaulle e os demais primeiros-ministros da Quarta República securitizaram a agricultura francesa e utilizaram as negociações do Tratado de Roma e a Política Agrícola Comum (PAC) para deslocar do centro da política francesa um segmento político aguerrido e demandante das políticas do Estado.

No tocante a grandeza da França há considerações de duas ordens, fortemente interligadas – continuidade do programa nuclear e recuperação do antigo status de potência. Em 04 de Julho de 1956, em entrevista ao diário Le Monde, Maurice Faure, então chanceler francês, argumentava que as negociações em torno da criação da EURATOM, comunidade atômica européia, seriam amplamente favoráveis à França, pois poderiam assegurar a continuidade dos programas nucleares, à distância das duas superpotências 59.

Faure, ligado ao gaullismo, e o socialista Mollet, demonstraram suas preferências de que o programa nuclear francês deveria ficar restrito a esfera civil da pesquisa e

59 “If Euratom is not set up, we shall have to buy the nuclear fuel required for the development of our atomic industry directly from the United States, or from the International Atomic Agency when it is created. As from 1958, France itself will produce too little. When buying from outside, be it the United States or the UN, we shall be subject to very strict controls and to total dependence on the powerful organization that sells this fissile material. Euratom will also exert some control. However, this control will be exercised by a Community to which France will belong and which it will have helped to organize” (Entrevista de Maurice Faure concedida ao diário Le Monde, em 04 de Julho de 1956). Tradução para o inglês do European Navigator – www.ena.lu

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desenvolvimento. Faure declarou, em várias oportunidades, sua recusa a extensão militar do programa francês60.

Mollet, ao defender as negociações da Euratom, foi acusado na Assembléia francesa de querer atrasar o programa nuclear francês. Publicamente, o partido socialista e o governo Mollet defenderam que o programa nuclear fosse exclusivamente pacífico. A presença francesa na Euratom restringiria as pressões militares para redirecionar o programa nuclear na Comissão de Energia Atômica (CEA)61.

A explicação para o ativismo francês, em torno da Euratom, encontra suas causas não no pacifismo e na recusa às armas nucleares. Há razões que levam a entender que as negociações européias não impediram o desenvolvimento do programa militar. Este é um ponto controverso, pois historiadores e acadêmicos de estudos europeus comumente creditam tal fato à crise da Quarta República e a chegada ao poder de Charles de Gaulle (MENDL, 1965).

Em função da situação política do pós-guerra e da nova distribuição de poder no mundo, amplas parcelas da vida política francesa utilizaram a cautela como forma de garantir a independência frente às ameaças européias. Poucos segmentos externavam suas preferências de que a França deveria manter um programa nuclear para produção de armas. Exceto de Gaulle e alguns de seus mais próximos colaboradores, todos os demais setores da vida política francesa defendiam a pesquisa civil para o desenvolvimento da tecnologia nuclear62.

Os governos dos primeiros-ministros Faure e Mollet eram de coalizão, incluíam vários partidos e posições políticas, o que trazia uma dificuldade adicional para o tratamento de questões estratégicas. Apesar do caráter socialista do governo, Mollet

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“Nous avons decide d’eliminer les recherché consacrees aux utilizations de caractere spécifiquement militaire. Nous nous limiterons donc à dês utilisation civiles. Em conséquence nous n’entendons pas consacrer d’etudes à la création d’unne bombe H. ou d’unne autre bombe” (Combat, 14 de Abril de 1955).

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Journal Officiel, Débats Parlementaires, No. 81. Sessão de 11 de Julho de 1956.

62 Ver arquivos da Central de Inteligência dos Estados Unidos – CIA, sobre a nuclearização da França. Disponível em http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB184/index.htm

160 possuía como ministro da defesa o radical Maurice Bourgés-Manoury, que defendia a inclusão da pesquisa militar na agenda nuclear francesa.

Os documentos primários sobre o período dos governos de Mendès France (1954- 1955), Faure (1955-1956), Mollet (1956-1957) e Bourgès-Maunoury (1957) indicam que os líderes, face às restrições que os difusos gabinetes apresentavam, mantiveram uma desconexão aparente entre seus discursos e as políticas adotadas. Ao longo de seus governos, o programa voltado para a produção de armamentos nucleares seguiu intacto. Os militares franceses, na Quarta República, dispunham de liberdade para prosseguir com as políticas definidas por De Gaulle no pós-guerra, que propunham uma relação causal entre o programa de armas nucleares e a independência política da França. A criação do programa de armas nucleares, desta forma, apesar de possuir seu momento crucial na Quinta República, não pode ser entendido sem referência à Quarta República (MENDL, 1965; MORAVCSIK, 1999).

Desde seu início, o programa nuclear francês aliou pesquisa civil ao desenvolvimento militar. Em 1945, o então primeiro-ministro Charles de Gaulle autorizou a criação de uma autoridade estatal para organização do setor. A CEA (Comissariat a l´Energie Atomique) passava a ser responsável pela pesquisa civil e pelas aplicações militares. No mesmo ano, reatores de pesquisa de plutônio foram construídos em Le Bouche e a produção industrial de plutônio foi autorizada para ocorrer próximo a cidade de Marcoule. Em 1954, o então primeiro-ministro Pierre Mendes autorizou o desenvolvimento de um programa de armas. Em 1956, secretamente, foi criado um comitê militar para energia atômica, que em curto prazo de tempo autorizou o desenvolvimento e testes de armas nucleares. A forte relação entre a CEA e os militares franceses produziu o rápido desenvolvimento do programa (HECHT, 1998; TERTRAIS, 2004).

O retorno ao poder de De Gaulle, como presidente da República em 1958, após a assinatura do Tratado de Roma, foi determinante para o estremecimento das relações entre a França e os Estados Unidos. As percepções de De Gaulle eram de que a OTAN estava completamente dominada pelo interesse político estadunidense, e, portanto, a alternativa seria criar uma força nuclear independente, a Force de

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Frappe63, que logo reuniu condições para o primeiro teste nuclear, em 1960, levando a França ao status de potência nuclear mundial64.

As negociações francesas na Euratom foram conduzidas no intuito de utilizar as instituições supranacionais como uma forma de assegurar o equilíbrio econômico e militar na Europa, buscando o fortalecimento do Estado e a independência política por meio do programa nuclear. Para a França a Euratom não significava um compromisso com o controle ou a eliminação de armas nucleares, ao menos para si (Lynch, 1994).

6.2.3 - REINO UNIDO: TRÊS CÍRCULOS INTERLIGADOS E A APATIA