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O debate sobre construção e gestão de políticas em ambientes regionais possui uma bibliografia extensa, mas, ao mesmo tempo, sofre do eurocentrismo tão comum à sub-área de integração e regionalismo. A literatura possui inúmeras e profundas contribuições a serem aplicadas analiticamente em regiões. Um bom ponto de partida é o debate entre neofuncionalistas e intergovernamentalistas, porém há um sem número de abordagens tentativas, como as relacionadas à governança supranacional (SANDHOLTZ e STONE SWEET, 1998), governança multinível (MARKS, NIELSEN et alli., 1996; MARKS, HOOGHE e BLANK, 1996), além do novo institucionalismo, tanto de corte racional quanto sociológico e histórico (BULMER, 1994; PIERSON, 1998; POLLACK, 2004). Recentes e desafiantes formulações como as de Peterson (1995) que propõe redes de análise para se pensar formulação

33 de políticas, ou mesmo as de Richardson (1996) que busca a análise de vários momentos do processo decisório, contribuem para o acúmulo na sub-área.

O problema da pesquisa, porém está no lado reverso deste debate: como os Estados percebem a região na construção de suas políticas. A literatura focada em como os Estados consideram as externalidades internacionais e se posicionam politicamente possui uma série de trabalhos, tendo por seminal a contribuição de Waltz (1979). Neste trabalho, Waltz debate a política internacional e sua relação com os Estados, que orientam seu cálculo para a construção de políticas ao compreenderem as restrições que a estrutura internacional lhes impõe. Tal cálculo busca maximizar a segurança e garantir a soberania. Esta é a forma pela qual os Estados percebem racionalmente o plano internacional, na representação neo- realista, corrente inserida no mainstream das relações internacionais. Há variações que alteram o sentido da anarquia, dando a ela uma forma benigna, por meio da cooperação. Porém tal compreensão da anarquia é fruto de um cálculo, que raramente ocorre na área de segurança, dada as considerações sobre ganhos relativos (KEOHANE, 1984; GRIECO, 1993).

Está clara, para este trabalho, a existência de uma dimensão de governança que varia entre o puro intergovernamentalismo e o supranacionalismo em arranjos regionais (mesmo que não institucionalizados), no tocante às políticas (SANDHOLTZ e STONE SWEET, 1998, p.8). A preocupação, porém, está centrada na segunda imagem (Waltz, 1979), na dimensão doméstica e sua relação com o nível político regional. Neste caso a literatura é incipiente e está baseada em modelos que: a) não consideram externalidades (modelo do Estado burocrático); b) não consideram externalidades regionais sobre os sistemas políticos domésticos; c) entendem que os problemas de construção de políticas ligadas á segurança estatal são sempre associadas à terceira imagem, às restrições estruturais advindas do ambiente internacional, espaço que subsume as regiões (neorealismo); ou d) consideram externalidades somente de caráter negativo, dadas as ameaças contidas no fenômeno da globalização.

34 O debate concernente à influência das regiões em políticas domésticas possui na literatura de Relações Internacionais três modelos básicos. O primeiro, baseado no modelo de Nordlinger (1981) adaptado por Howorth e Menon (1997), parte da avaliação autárquica do Estado, e supõe grande autonomia dos formuladores de políticas estatais frente a externalidades internacionais. O segundo entende a região como uma pequena representação da dinâmica política aplicada ao sistema internacional (THOMPSON, 1973). O último modelo, construtivista-globalista, confere aos arranjos regionais o status de ator político, que interage e modifica o espaço doméstico a partir da noção de regionalidade (HETTNE e SODERBAUM, 2002).

O modelo de Nordlinger ressalta que os Estados são autônomos à medida que transformam suas preferências em ações com autoridade pública (NORDLINGER, 1981, p. 19). Tais considerações não são voltadas para as relações entre Estados, mas, antes, para a distinção dos interesses públicos frente à demanda por interesses privados. Nordlinger estabelece uma distinção entre três tipos de autonomia. A primeira está relacionada à ação do Estado contra os atores societais mais poderosos, algo que Marx também avaliou ao discutir o Estado Bonapartista, porém explicitando que o mesmo agiria sempre em benefício da burguesia (MARX, 1980). O segundo tipo refere-se à ação do Estado no intuito de alterar as preferências de grupos de interesse antagônicos, valorizando os demais em sentido convergente aos seus próprios interesses. Já o terceiro tipo supõe que o Estado agirá sobre suas próprias preferências quando elas já se assemelham aquelas da sociedade.

O trabalho de Nordlinger explicita a ampla liberdade que os policymakers possuem para a construção de políticas públicas, tendo como restrições apenas os atores sociais domésticos. Este tipo de autonomia, porém, restringe o debate sobre segurança internacional e defesa, dadas as pressões e restrições que fluem além das fronteiras do Estado. Menon e Howorth adaptam o modelo de Nordlinger ampliando a noção de autonomia, que passa a envolver tanto forças domésticas e externas, com o objetivo de transformar o modelo em uma ferramenta analítica para determinar que tipo de restrições afeta a habilidade do Estado em formular e

35 implementar efetivamente suas políticas de defesa. Especial cuidado foi dado ao enorme problema das similaridades das preferências dos policymakers estatais vis- à-vis as restrições domésticas. Menon e Howard ajustam tais dificuldades identificando as inerentes divisões entre os formuladores de políticas (1997, p. 2 e 3). Porém a vantagem é fugir do ambiente normativo que trabalharia como indissociáveis as noções de soberania e autonomia. Os autores estão preocupados com o Estado de facto, antes que no Estado de jure, o que distingue o campo da Ciência Política e das Relações Internacionais do Direito. Esta distinção representa o ponto forte da adaptação realizada por Howard e Menon, pois torna possível pensar as políticas dos Estados sem diminuir formalmente suas soberanias, mas compreendendo a transformação de preferências dos mesmos em políticas de defesa, considerando os Estados agindo como partes de um coletivo.

Porém, qual política de defesa pode ser compreendida de forma não relacional? Mesmo para os supostos modelos de Estado unitário as políticas de defesa são produzidas em reação às ameaças percebidas fora das fronteiras nacionais. Para as ameaças domésticas as políticas estatais de segurança pública buscariam prover um ambiente seguro. Este modelo possui muitas lacunas, dificultando sua utilização para o problema de pesquisa desta tese. A consideração apenas dos atores domésticos é insuficiente para a caracterização de ameaças e para produção de políticas em ambientes regionais ou internacionais. As propostas de refinamento de Menon e Howorth não são menos problemáticas, pois entendem que seja possível produzir políticas de defesa isolando a influência internacional, mesmo que no intuito de aferir empiricamente a autonomia estatal.

Os modelos de subsistemas regionais resumidos por Thompson (1973) estabelecem uma subordinação ao modelo de Waltz (1979), pois consideram que regiões são representações diminutas do internacional. Assim os Estados poderiam perceber as regiões focando em instituições como a anarquia, o equilíbrio de poder e as alianças. Há pouco espaço para os aspectos políticos regionais, potências intermediárias, Estados revisionistas da ordem regional, Estados frágeis, grupos de interesse que buscam o poder na região, os líderes nacionais, as dissensões entre elites. As políticas domésticas em subsistemas regionais são, por definição, reações

36 racionais defensivas ao dilema regional de segurança, uma apropriação do trabalho de Herz (1950).

O terceiro modelo é derivado de uma distinta extração intelectual e parte de considerações meta-teóricas. Em primeiro plano o uso de uma teoria social global, em conjunto ao construtivismo e aos estudos comparados (HETTNE e SODERBAUM, 2002, p. 35). Este modelo liga-se ao novo regionalismo por meio de suas preocupações com as interações entre globalização (economia política internacional) e o regionalismo (domínio das Relações Internacionais). O problema em foco estaria relacionado à emergência do conceito de regionalidade, advinda dos espaços regionais, complexos regionais e sociedades regionais. As percepções negativas sobre os problemas derivados da globalização (como comércio de drogas, atividades ilícitas, terrorismo, tráfico de armas, dentre outros) teriam levado os Estados a uma reação regional frente à impossibilidade de curto prazo em moldar uma governança global benigna. O regionalismo, ou as regiões, são vistos como uma espécie de alternativa ao global, produzindo efeitos sobre as políticas domésticas, no intuito de refrear os fluxos globais, de caráter negativo.

A abordagem a ser trabalhada neste trabalho está relacionada às ordens regionais. Especialmente por meio de duas grandes referências - o Realismo Neoclássico e a Escola Inglesa das Relações Internacionais.

No próximo capítulo serão tratadas as teorias regionais, no intuito de avaliar se elas permitem explicar as questões enunciadas por este trabalho.

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3 - TEORIAS DO REGIONALISMO POLÍTICO

Este capítulo possui a finalidade de discutir o estado da arte do regionalismo político, no intuito de avaliar como as teorias e abordagens regionais tratam a questão da ordem política, da segurança e da governança regional, as interações entre níveis de análise e o papel dos atores políticos que promovem a integração.

O primeiro tópico discute regiões e regionalismo nas relações internacionais, o segundo o conceito de região, o terceiro os níveis de análise e, por último, as gerações teóricas do regionalismo político – que envolvem o velho regionalismo, o novo regionalismo e o regionalismo global.