• Nenhum resultado encontrado

3.4 As gerações teóricas do regionalismo

3.4.1 A primeira geração do regionalismo

3.4.1.2 As críticas ao neofuncionalismo e a emergência do liberal-

Há vários pontos frágeis no trabalho de Haas: a diluição dos governos, dos líderes políticos e do Estado na explicação supranacional; o sentido teleológico da dinâmica do spillover, o deslocamento de lealdades não verificado em vários projetos de integração espalhados pelo mundo, especialmente na América Latina, bem como a euro-estagnação em vários momentos da experiência européia, para citar os mais

54 debatidos (HURRELL, 1995a; SCHMITTER, 2004; MATTLI, 2005; ROSAMOND, 2005). Em função das alegadas fragilidades, da autocrítica de Haas ao citar a obsolescência da teoria regional e neofuncionalista (HAAS, 1975) e do crescente papel da interdependência no capitalismo dos anos setenta surgem vários trabalhos racionalistas e institucionalistas, no intuito de apresentar interpretações distintas e concorrentes ao Neofuncionalismo, em que se destacam Hoffmann (1966), Keohane (1984) e Moravcsik (1993). Hoffmann (1966) ao apontar a importância dos Estados na integração européia destaca que os estados-membros da União Européia tinham sido mais obstinados em favor da integração que os Neofuncionalistas poderiam esperar. Keohane aponta, por meio de representações racionalistas baseadas na teoria econômica (ao contrário de Haas, ligado às Ciências Sociais) e nas instituições internacionais, que a cooperação era viável no sistema internacional (1984). Porém, o mais ambicioso trabalho estabelecido em caminho oposto ao de Haas foi construído em ambiente liberal por Moravcsik (1991 e 1993).

Moravcsik discutiu o processo que levou à criação do Ato Único Europeu (1986), documento que permitiu o relançamento da União Européia, após vários anos de estagnação política. Seu trabalho “Negotiating the single european act: national interest and conventional statecraft in the european community”, publicado na International Organization em 1991, propunha um novo modelo para se pensar as negociações do Ato Único Europeu, que incluía os governos, os grupos de interesse e os líderes políticos europeus, e elidia as instituições supranacionais, como a Comissão Européia. Tal modelo foi contraposto ao trabalho de Sandholtz e Zysman (1989), que ao discutirem as negociações do Ato Único Europeu focalizaram a aliança entre grandes grupos econômicos europeus e a Comissão Européia para a criação de um regime de governança regional mais profundo, como aquele que foi produzido pelo Tratado de Maastricht, em 1992.

O quadro abaixo, compilado de Moravcsik (1991, p. 26), é alusivo à diferença entre as duas abordagens, o institucionalismo supranacional de Sandholtz e Zysman e o institucionalismo intergovernamental de Moravcsik:

55

Parâmetro Institucionalismo

supranacional Institucionalismo intergovernamental Atores chave das negociações e compromissos Grupos de interesse transnacionais e a burocracia supranacional

Chefes de governo e funcionários de alto escalão dos maiores Estados-membros, com metas específicas de políticas determinadas por seus sistemas políticos domésticos e pelas preferências dos policy-makers, tecnocratas, partidos políticos e grupos de interesse.

Natureza da barganha

Troca de favores e articulações que favorecem o interesse

comum dos Estados- membros.

Menor denominador comum (grupo de veto), decisões entre os maiores Estados, sendo que os menores Estados receberiam side-payments ao mesmo tempo em que Estados maiores ameaçariam com a exclusão, em caso de confronto. Natureza do acordo Grande fluidez de articulação de áreas (issue-linkages) e transbordamento (spill over).

Rigidez na articulação de áreas (issue areas) que são sujeitas a mudança apenas por um acordo interestatal sob a regra da unanimidade

Quadro 1: Institucionalismo supranacional e intergovernamental: distinções teóricas.

O quadro 1 demonstra as distinções entre a perspectiva de Sandholtz e Zysman (1989) e Moravcsik (1991). Os primeiros utilizam uma estrutura explicativa semelhante à de Haas, ao apontar a relevância da Comissão Européia na intermediação de interesses frente às negociações do Ato Único Europeu. Por seu turno, Moravcsik salienta a importância de chefes de governo e seus principais negociadores em nomes dos estados-membros.

Sandholtz e Zysman preferem explicar as mudanças políticas na Europa do início dos anos noventa, pelo ativismo dos principais servidores comunitários (comissários europeus, funcionários de alto-escalão da burocracia européia em Bruxelas) em coalizão aos grandes grupos econômicos transnacionais europeus. No intergovernamentalismo o peso dos governos, dos líderes e dos grandes Estados se faz sentir nas barganhas políticas. O peso de cada ator não é substituído pela burocracia supranacional, nem pelo transbordamento das articulações (linkages)

56

entre áreas distintas. Há grande controle pelos líderes para que uma área de negociação não contamine imediatamente outras, através, por exemplo, do uso do veto.

Crítico a Haas, Moravcsik explica as negociações por uma análise em dois níveis: envolve a arena doméstica e a internacional, em uma espécie de tabuleiro duplo, no jogo da diplomacia (PUTNAM, 1998). Moravcsik foi influenciado pelo trabalho de Bulmer e Putnam que buscaram estabelecer uma articulação entre o campo da política comparada e as relações internacionais (ROSAMOND, 2000). Sua abordagem pode ser entendida como liberal, pois desagrega interesses das preferências dos atores, e é intergovernamental, pois supõe barganhas entre Estados, no ambiente das interações regionais. Assim, em Moravcsik não é possível entender os interesses de um determinado Estado sem recorrer às interações estado-sociedade. Atores domésticos contam, possuem suas próprias preferências e se articulam no intuito da definição dos interesses do Estado. Uma vez formulados, os interesses são então barganhados na arena intergovernamental. Não existem preferências fixas, como em algumas variações neo-realistas, mas construídas no processo dinâmico da política.

Para Moravcsik não há diluição do Estado, da política doméstica ou mesmo um deslocamento progressivo (da economia para a política) de lealdades políticas em processos de integração. As barganhas, na visão do autor, não fragilizam o Estado, como sugerido por Haas, ao contrário, possuem o efeito de potencializá-los, fortalecê-los. Os motivos seriam os issue-linkages, os trade-offs e as sub- barganhas12.

O trabalho de Moravcsik estabeleceu uma teoria competidora ao Neofuncionalismo, em uma díade que definiu o centro do debate teórico, comum à primeira geração do regionalismo (POLLACK, 2001).

12 Issue-linkages seria a articulação entre áreas (segurança, comércio, meio-ambiente, etc), que possibilita a cooperação internacional (Keohane, 1984). Trade-offs são trocas compensatórias entre

57

3.4.1.3- A CONTRIBUIÇÃO NEO-INSTITUCIONALISTA AO DEBATE TEÓRICO