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4.4 Percepções no realismo neoclássico

5.1.2 A autonomia argentina, a aliança Brasil-Estados Unidos e o retorno à rivalidade

5.1.3.2 O desenvolvimento do programa nuclear brasileiro durante o regime militar

Dado o apoio americano ao golpe de 1964, o governo Castelo Branco estabeleceu sua política externa em alinhamento a Washington, abandonando conceitos estabelecidos pela política externa independente de Quadros e Goulart (VIZENTINI, 1998).

Costa e Silva, presidente entre 1967-1969, reorientou a política externa brasileira, aumentando as áreas de tensão com os Estados Unidos e Argentina, além de no

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plano doméstico ter agudizado a ditadura com a edição do Ato Institucional de número 5 (AI-5), dando poderes ao presidente de fechar o Congresso. As causas do deslocamento da política externa podem ser encontradas na mudança de orientação política dos grupos de poder, internos à ditadura. Com Castelo Branco chegaram ao poder militares, tecnocratas e empresários com fortes ligações internacionais. Era a geração de Roberto Campos, Juracy Magalhães e Otávio Bulhões (MARTINS, 1975).

Costa e Silva, preocupado com a integração regional, relaciona o programa nuclear ao desenvolvimento da América Latina e a redução da assimetria em relação às nações industrializadas:

Neste contexto, a energia nuclear desempenha papel saliente, sem dúvida, será o mais poderoso recurso a ser colocado ao alcance dos países em desenvolvimento, para reduzir a distância que os separa das nações industrializadas [...]. Estamos convencidos de que paralelamente à formação do mercado comum regional, deveremos dar passos concretos para afixar um segundo processo de integração latino-americana em torno da utilização da energia nuclear 38.

O TNP foi negociado ao longo do governo Costa e Silva, que não cedeu às pressões dos Estados Unidos para a assinatura do Tratado. A geração posterior, envolvida no Governo Médici, manteve a mesma conduta quanto às questões nucleares, apesar da aproximação política com os Estados Unidos e a superação da Diplomacia da prosperidade, conduzida por Magalhães Pinto. Mário Gibson Barbosa, chanceler de Médici, acreditava que o TNP produzia duas classes de países – os que possuíam a bomba e os que não possuíam. Para os primeiros não haveria proibição alguma, era possível expandir os arsenais e testar novas tecnologias. Para a outra classe havia a interdição da montagem de explosivos nucleares, bem como do próprio desenvolvimento tecnológico, para finalidades pacíficas (BARBOSA, 1992). O governo Médici sustentou a reprovação ao TNP, apesar da subscrição de Tlatelolco, em 1967.

O governo Geisel significou um grande divisor de águas em relação ao programa nuclear brasileiro. Até a posse de Geisel, em 1974, vários acordos foram firmados

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com os Estados Unidos para fornecimento de reatores de pesquisa, exportação de urânio e apoio a área da pesquisa e formação de técnicos. A dependência tecnológica do Brasil em relação a Washington e as pressões para a assinatura do TNP inquietavam os formuladores da política externa Brasileira. Para Geisel e Azeredo da Silveira, chanceler brasileiro, assinar o TNP e manter os acordos nucleares com os Estados Unidos significava uma inserção subalterna na ordem regional ou internacional. O desejo de poder no Cone Sul e de crítica a ordem internacional orientou Geisel a buscar o acordo com a Alemanha Oriental. A decisão foi construída em um núcleo pequeno de poder, composto pelo presidente, pelo chanceler Azeredo da Silveira, o ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki, e o presidente da Nuclebrás, Paulo Nogueira Batista (BARLETTA, 1997).

O acordo de 1975, firmado entre a Nuclebrás e a empresa alemã Kraftwerk Union (KWU), possuía cinco elementos centrais: a) Pesquisa exploratória e mineração de urânio, b) enriquecimento de urânio por meio da tecnologia Becker Jet Nozzle39

, c) produção de combustível, d) reprocessamento de combustível, e) construção de plantas nucleares. O programa previa a construção de nove centrais nucleares, em um prazo de dez anos. As usinas de Angra II e Angra III foram adquiridas da KWU por meio do acordo de 1975 (MYERS III, 1980; BARLETTA, 1997).

Além do Programa Nuclear Civil, sob a direção da Nuclebrás, o Estado brasileiro desenvolveu um programa nuclear paralelo, sob a direção das Forças Armadas. Sob o protagonismo da Marinha, o Programa Autônomo de Tecnologia Nuclear (PATN), alcançou relativo êxito na pesquisa e desenvolvimento da tecnologia de enriquecimento de urânio, dado o fracasso da construção de uma usina de reprocessamento, no Programa oficial. As causas para o PATN podem ser encontradas nas críticas ao programa oficial, a reação da comunidade científica e a insatisfação militar com a dependência tecnológica com o acordo alemão-brasileiro.

39 A tecnologia Becker Jet Nozzle adquirida por Brasil e África do Sul está em desuso atualmente, pelo grande consumo de energia. No Brasil não houve o enriquecimento de uma grama sequer de urânio, por meio desta tecnologia. As Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), no momento, trabalham com tecnologia de ultracentrifugação criada pela Marinha nacional, para o enriquecimento de urânio. Para mais informações sobre a tecnologia ver: Othon L.P. da Silva - Nuclear inspections in Brazil and the French public pissoir. Disponível em http://ecen.com/eee44/eee44e/nuclear_french_pissoir.htm.

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O PATN surge ao final dos anos 70, ainda sob o governo Geisel. A figura central do programa seria o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, aluno de doutorado em Engenharia nuclear no Massachussets Institute of Technology (MIT) nos anos 70. Ao retornar ao país, já sob o governo Figueiredo, buscou a construção de uma ultracentrífuga, com o apoio da Universidade Estadual de Campinas e da empresa Eletrometal. Obteve apoio do ministro da Marinha, Maximiano da Fonseca, através do Almirante César Flores. A partir deste momento, as forças se reuniram para estabelecer as etapas do programa. A cada força coube uma etapa do programa: à Aeronáutica o programa do laser (alternativa para o enriquecimento), ao Exército um reator e à Marinha o enriquecimento de urânio para o programa de um submarino nuclear (entrevista de Renato Archer a Rocha Filho e Garcia, em ARCHER, 2004, p. 155).

O PATN ganhou corpo por meio da articulação entre a CNEN, o Conselho de Segurança Nacional (CSN), as forças armadas e o gabinete da presidência. O principal objetivo do programa, o enriquecimento do urânio, foi compartilhado, nos momentos iniciais, entre a marinha e a força aérea brasileira. A escolha do PATN recaiu sobre a tecnologia de ultracentrífugas, após hesitação sobre a adoção do enriquecimento a laser (BARLETTA, 1997).

Em 1979, inicia-se o programa de construção de um submarino a propulsão nuclear, desenvolvido pela Marinha e apoiado pelo Instituto de Pesquisas Nucleares (IPEN). Também em 1979, houve a implantação do Complexo de Aramar, com o pseudônimo de "Estação de Ensaios de Equipamentos a Vapor". O programa obteve recursos secretos por meio de contas delta (contas secretas na filial de Luxemburgo do Banco di Roma, com um saldo de US$ 700 milhões, e outra no Banco do Brasil) e aproveitamento de recursos humanos e tecnológicos do IPEN-SP40.

O antigo Ministério da Marinha realizou pesquisas através do IPEN, em um convênio para o desenvolvimento de combustível de oxido de urânio (UO2), que foi totalmente repassado para as instalações da Marinha, em Aramar (Iperó-SP), no ano de 1989

40 Sobre o programa do submarino nuclear brasileiro, ver:

116 (site do IPEN). Os resultados podem ser considerados bem-sucedidos, pois em setembro de 1987 o IPEN anunciou que produziu vários quilos de urânio enriquecido a 1,2%. Em 1988, o centro de Aramar comunicou o enriquecimento de urânio a 5%, posteriormente de 20% (O ESTADO DE SÃO PAULO, 09/06/87; FOLHA DE SÃO PAULO - FSP, 09/06/87).

A iniciativa do então Ministério do Exército – a construção de um reator experimental irradiado, teve lugar nas instalações militares de Guaratiba, interior do Rio de Janeiro. O reator, moderado a grafite e dotado de urânio natural como combustível, buscava a capacidade de produção de plutônio, elemento essencial para a fabricação de artefatos militares. Ligado ao programa do Exército, mas sob responsabilidade da Força Aérea, foram realizadas diversas perfurações subterrâneas, no Campo de Provas Militares da Serra do Cachimbo, no sul do Estado do Pará, divisa com Mato Grosso. Indícios muito fortes que as atividades na Serra do Cachimbo pudessem contemplar ou a destinação de resíduos radioativos, ou mesmo testes de artefatos nucleares, foram revelados pela mídia, no ano de 1986. Em 1990, o ex-presidente Collor de Melo determinou a lacração dos poços e fim das pesquisas geológicas na Serra do Cachimbo, após a confirmação de que os poços serviriam para testes nucleares (FSP, 08/08/1986; OLIVEIRA, 1998).

Com o PATN a distância tecnológica em relação ao programa argentino foi sendo encurtada, progressivamente. O grande crescimento econômico brasileiro dos anos 70, o avanço no programa nuclear e o nacionalismo foram determinantes para que os argentinos pudessem buscar acordos político-militares com o Brasil.