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6.2 Líderes políticos e interesses nacionais no tratado de Roma

6.2.3 Reino Unido: três círculos interligados e a apatia européia

Ao final da Segunda Guerra Mundial, em Outubro de 1948, o líder do partido conservador, Winston Churchill, pronunciou um famoso discurso aos delegados de seu partido, em que aludiu a imagem de três círculos articulados, como análoga a política externa britânica. O futuro do Reino Unido para Churchill estaria ligado a três grandes círculos: a Comunidade Britânica, a Comunidade dos países de língua inglesa, centrada nos Estados Unidos e, finalmente, a Europa Unida (PATTEN, 2002; DEIGHTON, 1995) 65.

As percepções de Churchill indicavam que o Reino Unido teria um papel único no pós-guerra – servir como ponto de interseção entre os três círculos, unindo o Império Britânico e a Europa, ao mesmo tempo possibilitando a construção de sólidas relações transatlânticas. Tal posição conferiu a Churchill e ao Reino Unido uma autoridade, um papel e uma obrigação de agir como um grande poder no mundo

63 Sobre a Force de Frappe ver: KOHL, WILFRID L. French Nuclear Diplomacy. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1972; COGAN, CHARLES G. From the Fall of France to the Force de Frappe: the Remaking of French Military Power, 1940-62." Chap. 12 in The Fog of Peace and War

Planning: Military and Strategic Planning under Uncertainty, pages 224-248, (Strategy and History Series). Oxon, UK: Routledge, September, 2006.

64 VICHNEY, NICOLAS. La première bombe A française a explosé samedi matin à 7 heures à

Reggane, in Le Monde. 14.02.1960 - 15.02.1960, N. 4 686; 17e année, p. 1. Disponível em

www.ena.lu

65 Sobre os Três Círculos de Churchill ver:

162 livre, a despeito de sua declinante posição política e a ascensão dos Estados Unidos e União Soviética (DEIGHTON, 1995).

A posição de Churchill produziu impactos ao longo dos governos posteriores, não apenas entre conservadores. Nas negociações iniciais para a criação da Comunidade Econômica e Atômica, em Messina, Itália, o primeiro-ministro conservador Anthony Eden recusou-se a participar das negociações. Eden e seu chanceler Butler resistiram em negociar por considerações econômicas, políticas e sociais.

Economicamente, o Reino Unido não possuía fortes laços comerciais com o continente, ao mesmo tempo praticava tarifas aduaneiras elevadas e, principalmente, temia a competição com os produtos alemães (MORAVCSIK, 1998).

Politicamente, o Reino Unido possuía fortes laços coloniais com largas partes do mundo, seja na África, na Ásia, nas Américas ou Oceania. A vitória aliada reforçou as percepções de liderança britânica. Churchill participara das principais conferências de paz como líder de uma grande comunidade, em que a libra esterlina era o centro das transações financeiras. Apesar de a guerra ter exposto o declínio econômico britânico, a presença de Churchill e Eden (1955-1957) em negociações européias revelava a herança imperial, o papel de potência mundial e a decorrente recusa a integrar-se em uma área que não fosse a sua própria comunidade. Tais percepções de poder continuaram até a Crise de Suez, em 1956. Suez teria revelado aos britânicos que o status anterior não se manteria (DEIGHTON, 1995).

No plano social, o primeiro-ministro trabalhista Atlee (1945-1951), sucessor de Churchill, reagiu negativamente à proposta de supranacionalidade ou qualquer forma de compartilhamento de soberania, desde as negociações para a criação da Comunidade do Carvão e Aço (CECA), no início da década de 50. Em uma histórica passagem na Câmara dos Comuns, em 1948, Atlee declarou:

As nações do Commonwealth são nossas mais próximas amigas. Temos que ter em mente que não somos apenas uma potência européia, mas um

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grande império e uma comunidade (HOUSE OF COMMONS, Debates, 1948, vol. 450. P. 1115, tradução nossa)66.

A reforma econômica trabalhista de Atlee, sob assessoramento direto de John Maynard Keynes, nacionalizou as minas de carvão como forma de assegurar o pleno emprego, aumento da proteção social e bem-estar. Frente aos avanços sociais obtidos, a integração européia significaria um enorme desafio para a manutenção do bem-estar. Os britânicos temiam a competição entre empresas britânicas e continentais, o que poderia gerar desemprego na ilha67.

O governo conservador de Eden manteve os programas de bem-estar e o alinhamento, na política externa, aos círculos interligados de Churchill. Na prática, o posicionamento externo de Eden buscava sustentar um papel de potência global para o Reino Unido. A prioridade dada às relações com a Commonwealth e às relações transatlânticas colocavam em um plano inferior as relações com os demais países europeus.

As relações com a Comunidade Britânica determinaram a estabilidade do Império Britânico no século XIX, e estes elos foram reforçados ante a Segunda Guerra Mundial. Os países da Comunidade se aproveitaram das vantagens comerciais, do longo relacionamento político e de um tipo de intergovernamentalismo imperial sem rigidez. Cada país mantinha sua soberania, porém o ambiente da cooperação deu solidez ao modelo centrado no domínio político de Londres (DEIGHTON, 1995).

Com a independência da Índia e Birmânia, atual Mianmá, o poder britânico declinou rapidamente. A tendência ao rompimento da lealdade a Londres se alastrou na comunidade, em direção à independência política. Como resposta, a metrópole se afastou política e militarmente de Nova Deli, permitindo o alinhamento indiano a outra potência – a União Soviética (KAPUR, 1972).

66 The Commonwealth nations are our closest friends. We have to bear in mind that we are not solely an European power, but a member of a great Empire and Commonwealth (HOUSE OF COMMONS,

Debates, 1948, vol. 450. P. 1115).

67 Corriere della Sera. 06.09.1950, No 211; ano 75, p. 1. Disponível no European Navigator.www.ena.lu

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Na década de 50, o declínio político britânico demandava o apoio estadunidense para a segurança de regiões como a Oceania. O pacto de 1951 entre os Estados Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia, era uma evidência da fragmentação do império britânico68.

O círculo americano, prioridade para a política externa britânica, entre 1948-1955, e o Relacionamento Especial entre o império declinante e os Estados Unidos, marcaram o relacionamento bilateral, no pós-guerra. A opção atlântica se deu por meio de uma agenda em que a segurança assumiu o topo. As questões da OTAN, como o ingresso da Alemanha Ocidental na instituição e a contenção do avanço europeu da União Soviética, tiveram destaque no relacionamento. Porém o ponto central que alimentava o interesse britânico era o apoio estadunidense para o programa nuclear de Londres. O programa se tornou o símbolo da busca pela independência política e estabelecimento do papel no sistema de Estados. Talvez os objetivos nucleares expliquem a persistência britânica no relacionamento bilateral, mesmo que Eden e seu embaixador nos Estados Unidos – Roger Makins (1953- 1956) – tenham demonstrado insatisfação com a tendência estadunidense em privilegiar relações européias, como o apoio à Euratom69. Em 1952, após os testes dos Estados Unidos e União Soviética apenas, o Reino Unido se torna a terceira potência nuclear do mundo, com os testes na Ilha de Monte Belo, próxima a Austrália.

Os dois círculos anteriores foram vitais para a recusa às negociações da Comunidade Econômica Européia e a Euratom. A estes motivos devem ser adicionados o interesse comercial das empresas britânicas e de suas representações, no intuito de privilegiar o comércio com a comunidade britânica. Relatórios da época das negociações, como por exemplo, elaborados pelo Mutual Aid Committee (MAC), por demanda do então Ministro de Relações Exteriores, Macmillan, apontavam para enormes riscos para o comércio britânico:

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Para aprofundamento sobre Aliança do Pacífico - Anzus, ver: MCINTYRE, W DAVID. Background

to the ANZUS Pact: Policy Making, Strategy and Diplomacy, 1945-55, Macmillan, Basingstoke, 1995;

MCLEAN, DAVID. ANZUS Origins: A Reassessment, Australian Historical Studies, vol. 24 1990, pp

64-82. SIRACUSA, JOSEPH M. The ANZUS Treaty Revisited. Security Challenges. Volume 1, No.1,

2005.

69 Sobre o programa britânico de armas nucleares, ver:

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O estabelecimento de um mercado comum europeu pode ser ruim para o Reino Unido e, se possível, deve ser impedido. Mas se isto for criado sem a nossa aquiescência, fora do mercado devemos pagar custos comerciais crescentes. Mas mesmo este ponto não deverá exceder as objeções políticas para o ingresso (ELLISON, 1995)70.

Nas conclusões do relatório do MAC a recomendação para que as negociações em Messina não tivessem a presença britânica era explícita, posição assumida pelo primeiro-ministro Eden:

(i) O ingresso poderia enfraquecer a economia do Reino Unido e, consequentemente, o relacionamento político com a Commomwealth e as colônias;

(ii) Os interesses econômicos e políticos do Reino Unido são amplos e um mercado europeu pode ser contrário a abordagem do livre- comércio e pagamentos;

(iii) A participação poderia na prática levar gradualmente a uma integração mais profunda, e talvez a uma federação política, que não foi aceita pela opinião pública na Grã-Bretanha, e;

(iv) Tal questão poderia envolver a remoção da proteção para a indústria britânica frente à competição européia (ELLISON, 1995) 71.

As conclusões da comissão, as preferências de Churchill e Eden, e a possibilidade de estabelecer uma união aduaneira exclusiva estão entre as causas para a criação da Associação Européia de Livre Comércio, criada em 1960, pelo Reino Unido, Portugal, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Suíça.

6.3 - AS NEGOCIAÇÕES PARA O TRATADO DE MAASTRICHT E A