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Na disciplina de Relações Internacionais o status teórico e epistemológico dado às regiões não é consensual. Metodologicamente, o debate sobre níveis de análise na política internacional está tradicionalmente centrado na importância explicativa da natureza humana, do plano doméstico, ou mesmo do nível sistêmico (WALTZ, 1959; SINGER, 1961). No primeiro nível, ressalta-se a importância da tradição Hobbesiana, encontrada em Morgenthau (2003); no segundo, a tradição liberal (HOFFMANN e KEOHANE, 1991; MORAVCSIK, 1997; MILNER, 1997; MILNER, MANSFIELD e ROSENDORF, 2000) e, por fim o realismo estrutural (WALTZ, 1979; MEARSHEIMER, 2001), o marxismo (COX, 1987; WALLERSTEIN, 1995) ou parcela do construtivismo (WENDT, 1999).

De outro viés, notadamente na Ciência Política, as regiões seriam fenômenos únicos, a merecer especialistas exclusivos, como nos estudos europeus, latino- americanos, africanos ou mesmo soviéticos (BUNCE, 1995; SCHMITTER e LYNN KARL, 1994). O campo da política comparada permitiu inúmeros estudos de casos,

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muitos deles utilizando regiões (MAINWARING e PÉREZ-LINÃN, 2004) para se discutir democratização, transições de regimes ou mesmo alianças militares. O debate sobre a condição sui generis da União Européia é exemplo do tratamento dado pelos european studies a singularidade do arranjo regional10

Se no plano epistemológico as regiões não ascenderam tradicionalmente como nível de análise, muitas dúvidas surgiram nas relações internacionais sobre a pertinência da produção de teorias voltadas para o estudo de regiões (HERZ, 2005). A dinâmica da balança de poder, as identidades e preferências estatais ou a força restritiva do capitalismo oscilaram como argumentos que diluíam as regiões às representações teóricas do realismo, construtivismo ou mesmo do marxismo.

No âmbito da segurança, a tradição da disciplina não distinguiu o nível regional do nível internacional, exceção ao conceito de comunidade de segurança (DEUTSCH et al., 1957). Assim os fenômenos da distribuição de poder e da lógica de polaridades foram adaptados ao nível das regiões, produzindo estudos como os de Brecher (1963) e Zartman (1967), resumidos em artigo seminal de Thompson (1973). Os artigos tratam as regiões como um subsistema internacional, reafirmando regras anteriores que estabelecem a subordinação epistemológica do plano regional ao internacional.

A partir dos anos 80, vários autores debatem a temática a partir de uma articulação entre níveis de análise, e transgridem a própria noção geograficamente orientada de regiões, já nos 90. A discussão passa pelos regimes de segurança (JERVIS, 1982), complexos regionais de segurança (BUZAN, 1983; BUZAN, WEAVER e DE WILDE, 1997; BUZAN e WEAVER, 2003), ordem regional (LAKE e MORGAN, 1997) e comunidades de segurança (ADLER e BARNETT, 1998; ACHARYA, 2000). Recentemente, os estudos regionais têm contemplado uma ampla agenda sobre a regionalização da segurança e descentralização de operações de paz (PUGH & SIDHU, 2003; FAWCETT, 2004).

10 Para uma discussão com diferentes pontos de vista ver Caporaso, Marks, Moravcsik e Pollack, em

39 Se os estudos que interligam segurança às Relações Internacionais apenas recentemente destacam a importância de teorias e conceitos próprios para as regiões, a discussão sobre defesa, relações internacionais e regiões é incipiente e tem sido informada pelos estudos estratégicos, pela geopolítica ou pelo campo do planejamento e gestão da defesa, especialmente em seu viés econômico ou orçamentário (WILDAVSKY, 1988). A ligação entre a disciplina das Relações Internacionais e os estudos sobre defesa está conectada ao desenvolvimento (LIDDELL HART, 1964; SNYDER, 1984; GLASER, 1995; VAN EVERA, 1998) e crítica da teoria do balanço ataque-defesa (BIDDLE, 2001; GRAY, 1993; MEARSHEIMER, 1983). No centro da teoria do balanço ataque-defesa está a compreensão que as variações entre armas ofensivas e defensivas poderiam fundamentar a construção de políticas de defesa, a criação de alianças (WALT, 1987) ou mesmo estratégias nucleares (GLASER, 1990).

A teoria estrutural de política internacional (WALTZ, 1979) foi complementada pela teoria do balanço ataque-defesa no intuito da predição de guerras particulares e na identificação das condições sob as quais a paz e a cooperação seriam menos improváveis (VAN EVERA, 1999). Porém, a balança ataque-defesa tem sido muito criticada, tanto pela dificuldade na identificação do que seriam armas ofensivas ou defensivas, como pela manipulação pelos Estados do balanço ataque-defesa com finalidades ofensivas (LYNN-JONES, 2004).

É possível entender, que, por outro lado, a teoria internacional se articula ao debate sobre políticas de defesas através do trabalho de John Herz (1951). O dilema de segurança, entendido como a inexorável suspeição sobre o possível comportamento agressivo dos Estados uns com os outros, leva a alocação de recursos na defesa, o que pode induzir a que outros Estados façam o mesmo. Assim a política de defesa de um determinado Estado seria condicionada pela balança de poder, por alocações de recursos equilibradoras, no intuito de aumentar a função defesa. O modelo seria eminentemente reativo, baseado fortemente em considerações exógenas. O paroxismo envolvido conduz a uma contínua corrida por armamentos, o que em última instância promoveria novos e instáveis equilíbrios de poder.

40 Na disciplina das Relações Internacionais, ou mesmo na Ciência Política, estudos sistemáticos sobre política de defesa que envolvam processos de formação, tomada de decisão, implementação e avaliação são raros. No máximo, encontram-se na literatura especializada descrições idiográficas e seqüenciais das PDNs de países e/ou regiões selecionadas (MURRAY & VIOTTI, 1994; HOWORTH & MENON, 1997). As próprias dificuldades práticas para a realização de estudos sobre temas de defesa e segurança nacional, ligadas ao peso do segredo governamental, indicam que não se trata aqui de uma política pública e de um complexo institucional igual a qualquer outro encontrável em regimes democráticos contemporâneos (ZEGART, 1999).

No plano regional, o debate sobre defesa encontra importante desenvolvimento com a criação da Política de Defesa e Segurança Européia - PESD, a partir das Tarefas de Petersberg e da articulação da União Européia à União da Europa Ocidental (HOWORTH & MENON, 1997). Parte importante dos trabalhos alia o debate sobre defesa européia às relações transatlânticas e o papel da organização do Tratado do Atlântico Norte (ELIASSEN, 1998; HOWORTH e KEELER, 2003). Porém, as mesmas dificuldades podem ser encontradas - tendência à descrição de negociações políticas, capacidades militares ou de operações de paz européias, com a utilização de paradigmas teóricos freqüentemente encontrados em ambientes domésticos.

Portanto o debate sobre regiões, tanto no aspecto da segurança ou mesmo em defesa, encontra-se, freqüentemente, reduzido ao estudo de fenômenos sem um arcabouço conceitual próprio.

3.2 - REGIÃO, INTEGRAÇÃO E REGIONALISMO NAS RELAÇÕES