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4.4 Percepções no realismo neoclássico

5.1.2 A autonomia argentina, a aliança Brasil-Estados Unidos e o retorno à rivalidade

5.1.3.1 Regimes autoritários e a construção do programa nuclear argentino

A recorrência de golpes militares na Argentina, a partir de meados da década de 50, gerou amplas percepções de ameaça no Brasil, Paraguai e Chile (MONIZ BANDEIRA, 2003). O golpe militar no segundo período da presidência de Perón (1955) gerou inúmeras desconfianças que os militares argentinos poderiam buscar a expansão política ou a projeção de poder na região.

O governo de Aramburu proscreveu o peronismo, o que permitiu a vitória da União Cívica Radical (UCR) de Frondizi (1958-1962). Frondizi foi, em vários momentos de seu mandato, tutelado pelas forças armadas, em função de alegados acordos com o peronismo. Frondizi recusou-se a manter o peronismo ilegal, nas eleições provinciais de 1962. A ampla vitória do peronismo, ganhando 10 das 14 províncias, inclusive Buenos Aires, precipitou o golpe contra o governo constitucional de Frondizi, em 29 de Março de 1962.

110 Períodos democráticos, como o de Illia (1963-1966), foram sucedidos por novos golpes, como o que deu início aos governos da Revolución Argentina, sucessivamente, Ongania (1966-1970), Levingstone (1970-1971) e Lanusse (1971- 1973). O retorno de Perón, através das urnas, se deu em 1973, após a renúncia de Hector Campora. Sua morte, menos de um ano depois de sua posse, abriu espaço para o governo de Isabelita Perón, vice-presidente em sua chapa. O novo golpe, ocorrido em 1976, deu lugar a juntas militares, ocupantes da Casa Rosada até o final de 1983.

Os sucessivos movimentos militares na Argentina resultaram em crescentes percepções de que os regimes poderiam ameaçar a região como um todo. Na década de 60 e 70 os regimes autoritários eram comuns na América do Sul, porém as divisões nas forças armadas argentinas geravam desconfianças sobre a estabilidade dos governos. Mesmo em governos civis como Illia, a desconfiança de que as forças armadas pudessem construir uma política externa aguerrida e de expansão preocupava os demais líderes regionais.

Os governos civis como de Frondizi, Illia, Perón (1973-1974) e Isabelita deram prosseguimento ao desenvolvimento do programa nuclear argentino, criado em governos anteriores, especialmente os governos Perón (1946-1955) e Aramburu (1955-1958). O programa nuclear argentino foi desenvolvido, em grande parte de suas etapas, por governos militares.

O programa nuclear argentino tem seus primeiros passos com a criação da Comissão de Energia Atômica (CNEA), em 1950; a inauguração da planta nuclear de Bariloche e do reator de pesquisa de Constituyentes, além do início da extração de urânio, em Mendoza, sob o período de Perón e Aramburu. Sob o governo de Aramburu há grande movimentação para o desenvolvimento de pesquisa e capacidades nucleares, dinamismo que seria retomado no governo democrático de Illia (1963-1966) e no período autoritário de Ongania (1966-1970).

Em grandes linhas, o Plano Nuclear Argentino (Plan) previa a construção de complexos nucleares de Atucha I e Embalse, outras quatro usinas de 650 MW, que

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deveriam estar operacionais em 2000, centros atômicos de Constituyentes, Ezeiza e Pilcaniyeu, uma usina experimental de água pesada em Buenos Aires e outra industrial em Arroyitos; uma usina de enriquecimento de urânio em Pilcaniyeu e uma experimental de reprocessamento em Ezeiza e a construção de um depósito de lixo atômico em Gastre (OLIVEIRA, 1998).

A Argentina conectou à rede elétrica, em 20 de Março de 1974, a primeira central nuclear da América Latina - Atucha I. Com potência de 319 MW, a central, adquirida da Alemanha, estimulou imediatamente os setores nacionalistas argentinos a defender que o programa assumisse finalidades bélicas, como instrumento de sobrevivência e defesa militar35. Para Mario Elmir:

A questão da energia nuclear com finalidade bélica, no caso argentino, transcendeu a possibilidade utópica de meras potencialidades, para se transformar em algo que depende apenas da decisão política de uma conduta estratégica, e em uma certeza técnica que motiva ao alarme aqueles que aspiram a liderança sub-continental (PANORAMA, 17/12/1974, tradução nossa)36.

Ao longo do período de desenvolvimento do plano argentino, a rivalidade com o Brasil e os problemas com o Chile levaram distintos governos a discutir a possibilidade da construção de armas nucleares. O programa de enriquecimento de urânio, os projetos do submarino nuclear da Marinha e dos mísseis balísticos são indicativos dos elos científicos com as pressões estratégicas do Estado. Nos meados da década de 70, a Argentina buscava rivalizar-se tecnologicamente com o Brasil, em função do apoio do regime militar do país vizinho ao programa nuclear.

A Argentina tornou-se, em 1983, a segunda potência nuclear do terceiro mundo, com a inauguração da central – Embalse Río Tercero. A central, localizada próxima a Córdoba, foi adquirida ao Canadá em 1973, e possui potência de 648 MW. Dois anos antes já havia sido iniciada a construção da terceira usina atômica – Atucha II.

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Ver artigo de Mario Elmir em Panorama, 17 de Dezembro de 1974; ou Mariano Grondona, em La Opinión, 18 de Dezembro de 1974.

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“La cuestion de la energia atomica con fines bélicos, en el caso de la Argentina, há transcendido ya la posibilidad utópica de las meras potencialidades, para transformarse em um hecho que depende solamente de la decisión politica de la conducción estrategica, y en una certeza técnica que motiva la alarma de quienes aspiran al liderazgo subcontinental” (PANORAMA, 17/12/1974).

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A central de Atucha II, paralisada nos anos 90 e retomada no governo Kirchner, deve estar produzindo energia em 2010, com uma capacidade de 745 MW37.

O plano foi se consolidando com o domínio do ciclo de combustível, através dos Centros atômicos de Constituyentes, Ezeiza e Pilcanieyu. O primeiro centro ocupou- se da fabricação de elementos combustíveis e pesquisas para a construção de reatores; o segundo fabrica pastilhas e reprocessa urânio; já Pilcanieyu, em Bariloche, possui um reator de tecnologia argentina e centro de formação de físicos e engenheiros nucleares.

Ao longo dos anos 70, mesmo com amplas restrições econômicas e orçamentárias, o plano nuclear recebeu investimentos públicos crescentes, partindo de 0,6% dos investimentos em 1970, passando por 6,2% em 1980 e chegando a 15% do total de investimentos públicos, já ao final do regime autoritário, em 1983 (FULLGRAF, 1988). A intenção dos policymakers argentinos, na década de 70, passava por dominar o ciclo completo do combustível nuclear, o desenvolvimento das tecnologias de reprocessamento e enriquecimento de urânio e, por fim, o controle tecnológico do plutônio. Em 1983, a Argentina anuncia o domínio do enriquecimento do urânio, e tudo levava a crer que a bomba estava próxima (OLIVEIRA, 1998).

5.1.3.2 - O DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO