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Como ponto de partida, como forma a orientar a discussão teórica, é necessário que se defina região, regionalismo e integração. Região e regionalismo são conceitos

41 profundamente ambíguos e que tem produzido escasso consenso em relações internacionais (HURRELL, 1995a). Proximidade e contigüidade são os pontos iniciais da definição, no ambiente acadêmico da disciplina de geografia. Porém, mesmo neste ambiente há inúmeras disputas, no intuito da desterritorialização da geografia (AGNEW, 1996; TAYLOR, 1996). Mas é inegável que, sem os limites geograficamente orientados, o conceito assume uma abstração de difícil processamento científico.

A palavra região deriva-se da palavra latina regio, que se refere a uma área administrativa ou geográfica distinta por características de semelhança. A palavra latina que dá origem a regio é regere: governar, comandar (TAVARES, 2004). Assim, a palavra além de uma definição geográfica assume uma conotação política (SODERBAUM e SHAW, 2003). Porém, há inúmeras contestações que partem do princípio de que não existem regiões naturais. Regiões seriam construções sociais, antes que territórios naturais, delimitados geograficamente (KATZENSTEIN, 1996). Outra forma de representar as regiões seria por meio do conteúdo que as constitui e do seu grau interno de coesão.

A supracitada literatura baseia-se na formação de linkages sociais (linguagem, cultura, etnia, herança histórica comum), políticos (instituições, ideologia, regimes, democracia), ou econômicos (preferências de comércio, arranjos formais de integração). Ligada a esta corrente há uma variante do construtivismo social que entende que não é na geografia ou na interdependência que repousam as mais férteis formulações sobre regiões. Estaria na idéia cognitiva de região, gerada por meio de processos de socialização, conduzidos por regions-builders (NEUMANN, 2003). Neste ponto há uma nuança a ser considerada que é a relevância do Estado para a compreensão de regiões. Realistas, institucionalistas e mesmo construtivistas salientam a importância do Estado como elemento de base para as regiões.

Nye (1968), Deutsch et ali (1957), Katzenstein (1996) e Buzan e Weaver (2003), em suas definições, não prescindem dos Estados para a delimitação de regiões. Naturalmente, este é o principal ponto de discordância de pós-modernos e pós- estruturalistas: tais autores realçam o conceito agente-estrutura e estado/não-estado

42 para fundamentar uma perspectiva micro-orientada que valoriza os agentes (bottom- up agents) que constroem a região de baixo para cima (TAVARES, 2004, p. 5). Tal perspectiva fragmenta o conceito de região e o conduz a compreensões empíricas abstratas.

É possível observar que o conceito de região divide acadêmicos e tradições teóricas, assim, não é possível avaliar as correntes especificamente, pois há realistas, construtivistas e institucionalistas, dentre outros, que conferem às regiões diferentes status epistemológico. Regiões não são representações diminutas do sistema internacional, ou mesmo dos Estados. Sistemas globais não são sistemas regionais, e, freqüentemente, não operam pela mesma lógica.

O conceito de região é vital para a discussão. Assim, para este trabalho, regiões são conjuntos de porções territoriais, articulados por atores estatais e não-estatais, que possuem uma percepção semelhante de sua distinção política de outros agregados físicos ou sistemas menores que o global. Podem, ou não, ter instituições formais em comum, mas compartilham meios para a produção da ordem. Neste ponto, há uma aproximação com a distinção, apontada por Vayrynen (2003), entre regiões físicas e funcionais. Para assuntos de segurança, militares e econômicos as regiões físicas são apropriadas formas espaciais que os Estados controlam e que permitem a formação de complexos regionais de segurança (BUZAN e WEAVER, 2003).

Freqüentemente, os conceitos de integração e regionalismo são utilizados de maneira intercambiável; não obstante, podem significar fenômenos diferentes, mesmo que complementares. Integração diz respeito à dimensão política de um fenômeno que ocorre na economia: a mobilidade de capital, o comércio, as mudanças dos regimes aduaneiros transfronteriços, o deslocamento de tecnologias, os clusters produtivos, dentre outros fluxos. Frente às disfunções econômicas decorrentes (alterações nos preços, na inflação e no câmbio) os governos buscam aumentar a cooperação por meio de instituições políticas regionais, de forma a estabelecer uma ordem que regule tais processos (ROSAMOND, 2000). Dada a articulação com a dimensão econômica dos fluxos regionais, o termo integração

43 pode ser relacionado ao formalismo institucionalizado da integração econômica, observado no seminal trabalho de Balassa (1961).

O termo integração econômica tem sido utilizado para explicar a cooperação formal entre Estados e o movimento contínuo em direção a uma área de livre comércio, que seria sucedida por uma união aduaneira, por um mercado comum, união monetária, e, por fim, a uma completa integração econômica de bens, fatores de produção, capitais e movimento de pessoas e trabalhadores (BRESLIN, HIGGOTT e ROSAMOND, 2002, p. 13).

O movimento em direção à integração seria auto-sustentado por forças econômicas, pelo mercado, que em busca de maior racionalidade, orientaria a conduta dos atores (Estados) em direção a um nível mais elevado de cooperação econômica. Este modelo, construído longe do ambiente acadêmico das relações internacionais, tem recebido críticas por sua essência teleológica e de leitura marcadamente estatista (WEBB, 1983).

Já o conceito de regionalismo refere-se a um conjunto de idéias, percepções e princípios estatais e não-estatais que permitem a articulação de unidades políticas (Estados, principalmente) em um contexto regional. Sob o ponto de vista do conteúdo, o conceito adotado aproxima-se daquele apresentado por Hurrell, que entende que a análise do regionalismo está ligada ao estudo da coesão social (etnia, raça, religião, cultura), coesão econômica (comércio, complementariedade econômica), coesão política (regimes políticos, ideologias, sistemas partidários ou eleitorais) e organizacional (existência de organizações formais) em uma dada região menor que o global (HURRELL, 1995a, p. 38).

Por outro lado, o desenvolvimento teórico da sub-área e as novas características do regionalismo contemporâneo produziram os conceitos de regionalização e regionalidade (regioness). O primeiro pode ser compreendido como um processo de interações regionais entre distintos atores (HETTNE, 1999; TAVARES, 2004). Já o segundo pode ser definido como o resultado multidimensional de um processo de regionalização em uma dada área geográfica. Este conceito supõe que tais

44 processos podem levar a resultados que variam desde complexos regionais, sociedades regionais, comunidades regionais ou mesmo regiões-estado (HETTNE e SODERBAUM, 2002).