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3 A GNOSE CONTEMPORÂNEA

No documento Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (org) (páginas 177-185)

Novos movimentos religiosos e

3 A GNOSE CONTEMPORÂNEA

A Gnose está entre inúmeros movimentos religiosos e filosóficos que compõem a diversidade religiosa contemporânea. Por Gnose enten- demos uma tendência religiosa ou próxima à religião que substitui a re- denção e o sacrifício pela iluminação, e o pecado pelo erro ou ignorância. Tem muitas origens, sendo as principais a Teosofia e as religiões orientais. Muitos autores e teóricos consideram que essas doutrinas, pelo fato de desconsiderarem a transcendência e compreenderem a salvação como purificação e aperfeiçoamento ao alcance individual, não são propriamente religiosas, embora tenham dado importantes contribuições para o espíri- to pacifista e tolerância mútua.

A Sociedade Teosófica foi fundada em Nova Iorque, em 1875, por Madame Blavatsky junto com Steel Olcott. Prevendo o advento de uma Igreja Universal, calcularam o início da Era de Aquário para 1911. A Teosofia é uma síntese de doutrinas espiritualistas de diversas origens: egípcias, cabala, gnosticismo21, neoplatonismo22 e panteísmo. Ela nega a existência

de um deus pessoal (deísmo) e se posiciona como uma crença racionalista, admitindo que o ser humano possa ter uma identificação com o absoluto e o divino, numa forma de visão imediata ou intuitiva (mística).

Inspirado na Teosofia, o filósofo austríaco Rudolph Steiner criou em 1912 a Sociedade Antroposófica, cuja finalidade é o desenvolvimento

21 Gnosticismo designa algumas correntes filosóficas que surgiram ainda nos primeiros

séculos do Cristianismo no Oriente e no Ocidente. É uma filosofia cristã que integra elementos cristãos místicos, neoplatônicos e orientais, advogando que o conhecimento é essencial para a salvação (ABBAGNANO, 2007).

22 Neoplatonismo é uma escola filosófica fundada em Alexandria, no século II d.C., por

Antonio Saccas. Utiliza a filosofia platônica para a defesa de verdades religiosas reveladas ao homem na antiguidade e que podem ser redescobertas na intimidade da consciência (ABBAGNANO, 2007).

das faculdades latentes no ser humano, e, por conseguinte teve boa influência em teorias educacionais.

A Logosofia tem caráter semelhante, mas sua atenção volta-se para o conhecimento (logos) como fonte de elevação pessoal. Trata-se de uma ciência que revela conhecimentos de natureza transcendente e con- cede ao espírito humano a prerrogativa de reinar na vida do ser que ani- ma. “Conduz o homem ao conhecimento de si mesmo, de Deus, do Uni- verso e de suas leis eternas. Apresenta uma concepção original do ho- mem, em sua organização psíquica e mental, e da vida humana em suas mais amplas possibilidades e proporções.” (FUNDAÇÃO LOGOSÓFICA, 2013).

Geralmente se considera que estas doutrinas não são propria- mente religiões, mas são seus sucedâneos. Seus antecedentes são a Ma- çonaria e a Rosacruz23, que toma seu nome de Christian Rosenkreutz (1378-

1484) e que em 1915 foi refundada por Harvey Spwencer Lewis (1883- 1939) como AMORC, iniciais de Ancient Mystical Order of the Rosy Cross. Encontra-se nelas uma tendência intelectualista e individualista, que não está presente nas religiões de salvação e no profetismo messiânico. A contribuição dada por essas doutrinas não tem plena aceitação pela Nova Era, que tende a superar o modernismo racionalista e formal pela intuição e emoção interiorizada.

O universalismo e o pacifismo da Gnose manifestam-se também no Oriente. Da Pérsia veio o Bahaísmo, mais conhecido como Fé Bahai, fundado em 1844 por Mirzá Husayn Ali (1817-1892), também chamado Bahá’u’lláh. É uma religião mundial, independente, com suas próprias leis e escrituras sagradas e não possui dogmas, rituais, clero ou sacerdócio. Os ensinamentos da Fé Bahá’í assenta-se nos seguintes princípios: unidade da humanidade na busca de uma civilização em constante evolução; a livre e independente busca da verdade; a eliminação de todas as formas de preconceitos e discriminação; a igualdade de direitos e oportunidades para o homem e a mulher; a harmonia essencial entre a religião, a razão e a ciência; educação compulsória universal; a revelação divina é progres-

23 A Ordem Rosacruz (AMORC) é uma organização místico-filosófica mundial, não religiosa,

não lucrativa, cultural, educacional e apolítica, destinada ao autoaperfeiçoamento do ser humano, visando ao despertar de seus poderes interiores, para uma vida mais plena e integral. A Ordem conserva um conjunto de técnicas milenares, mas sempre atualizadas, comprovadas pelo tempo e capazes de promover este despertar (Cf. <http:// www.amorc.org.br/quemsomos.html>).

siva: ”Deus é um, a religião é uma, a humanidade é uma... o objetivo da criação humana é conhecer e adorar a Deus... Todas as religiões provêm de um mesmo Deus...” (PORTAL DA FÉ BAHÁ’Í NO BRASIL, 2013).

De influência semelhante na nova mentalidade religiosa atual, encontram-se os movimentos religiosos originários da Índia que se insta- laram nos Estados Unidos e depois se difundiram no Ocidente. Em 1897, Swami Vivekananda fundou nos Estados Unidos a Vedanta Society. Discí- pulo de Ramakrishna (1836-1886), considerado o mais importante autor da renascença hindu, o Swami pregava uma aproximação ao monoteísmo e incluía traços cristãos na sua doutrina. Paramahansa Yogananda (1893- 1952) viveu nos Estados Unidos desde 1920, pregando a espiritualidade hindu em palestras e seminários e através da Sociedade de Auto Realiza- ção, por ele fundada em Los Angeles.

O Hinduísmo foi incorporado de tal maneira na Nova Era que alguns de seus princípios doutrinais são aceitos sem restrições, ao ponto de comporem o novo vocabulário religioso sem maiores explicações. Ex- pressões como: Karma (a roda e a carga da vida) e Yoga (doutrina da união corpo/alma e dos métodos de contemplação) são termos de uso comum. Entidades sobrenaturais próprias do Hinduísmo, como os devas partici- pam tranquilamente dos conjuntos espirituais de origem ocidental.

As influências orientais, restritas a pequenos grupos até meados do século XX, começaram a atingir um público mais amplo através do cinema e da televisão. Um exemplo disso é a série Kung Fu, em que o personagem de Shaolin prega, por palavras e ações, o pacifismo, o respei- to a todas as formas de vida e a sintonia com o universo, sempre ao modo oriental – muitas frases-chave do sentido doutrinal de caráter pop são do Tao Te Ching24.

Do Oriente vieram ainda outros mestres mais recentes, que, como na Gnose, salvam ou curam a alma, pelo conhecimento: Maitreya e Osho estão entre estes. O nome de Maitreya é derivado do sânscrito maitri, que significa bondade. Maitreya encarna o princípio crístico, considerado o mestre de todos os mestres, o líder dos homens iluminados:

Dois mil e seiscentos anos atrás, o Buda Gautama fez uma profecia que neste tempo, no fim da Kali Yuga, viria outro grande instrutor, um Buda como Ele Mesmo, chamado Buda

24 O Tao te ching é um texto sagra do Taoísmo, traduzido como Clássico do caminho e da

Maitreya. Maitreya, Ele disse, iria então levar a humanidade em direção à criação de uma nova civilização de ouro baseada na retidão e verdade. [...] Dois mil anos atrás, Maitreya se manifestou através de Seu discípulo Jesus na Palestina pelo processo de “ofuscamento”, e a era Cristã começou. Ele retorna agora como o Instrutor do Mundo para todos os grupos - tanto religiosos como não-religiosos. Maitreya é, como tanto o Buda Gautama e São Paulo declararam, “o instrutor tanto dos anjos como dos homens”. Ele tem vivido no Himalaia por milhares de anos, esperando a data cósmica, o tempo para o Seu retorno no mundo. [...] A vinda de Maitreya foi atrasada até julho de 1977, quando Ele disse que Ele não iria mais esperar. Em 8 de julho de 1977, Ele desceu de Seu retiro a 6.000 pés de altura no Himalaia. Ele passou vários dias nas planícies do Paquistão, aclimatizando-Se. Em 19 de julho de 1977, Ele entrou em Londres, Inglaterra, onde Ele ainda vive como um membro aparentemente comum da comunidade Asiática. Lá, Ele aguarda um convite da humanidade para vir à frente como o Instrutor do Mundo. (CREME, 2013, p. 11-12).

Por sua vez, Osho, nascido na Índia em 1931, teve sua iluminação aos 21 de idade, época em que completou seus estudos acadêmicos. Pos- teriormente, passou vários anos ensinando filosofia na Universidade de Jabalpur, bem como viajando pela Índia proferindo palestras e desenvol- vendo técnicas de meditação. Aos poucos, criou vários campos de medi- tação, sendo o mais expressivo em Puna/Índia, o qual, ao final dos anos 1970, recebia a visita de milhares de pessoas de todo o mundo. Com isso, suas ideias se difundiram pelo Ocidente, principalmente nos Estados Uni- dos onde, entre 1981-1985, construiu uma comuna no deserto de Oregon, conhecida como a cidade de Rajeeshpuram. Com a dispersão desta comuna, Osho viajou para muitos lugares antes de retornar à Índia, em 1986. Em uma de suas frases, é possível compreender sua autopercepção:

Eu não sou um messias e não sou um missionário. E não estou aqui para estabelecer uma igreja ou para dar uma doutrina para o mundo, uma nova religião, não. Meu esforço é totalmente diferente: uma nova consciência, não uma nova religião, uma nova consciência, não uma nova doutrina. Chega de doutrinas e chega de religiões! O homem necessita de uma nova consciência. E a única maneira de trazer uma nova consciência é continuar martelando por todos os lados para que lenta, lentamente nacos de sua mente se desprendam. A estátua de um Buda está oculta em você. Nesse momento você é uma rocha. Se eu continuar martelando, cortando fora

pedaços de você, lenta, lentamente o Buda surgirá. (INSTITUTO OSHO, 2013, s/d).

As tendências gnósticas têm, entre outros resultados, a existên- cia paradoxal de uma espiritualidade sem religião e, às vezes, sem divin- dades. Diante de um tema tão controverso, apresentamos um exemplo com atores bem conhecidos. Leonardo Boff descreve assim seu encontro com Saramago25, em Estocolmo:

Levei-lhe um livro de contos indígenas, O Casamento do Céu com a Terra, e para a sua esposa Pilar um outro, Espiritualidade: Caminho de Realização. Ele logo foi dizendo: quero o livro de espiritualidade, pois pretendo me aprofundar neste tema. E foi então que falamos longamente sobre religião, Deus e espiritualidade. Negava a religião, mas não a espiritualidade como sentimento do mistério do mundo, da profundidade humana e do amor aos oprimidos. Mostrou sua admiração pela Teologia da Libertação por fazer do “fator Deus” uma força de superação da miséria humana. A comunhão foi tão profunda que fomos madrugada adentro, já em seu quarto de hotel, como se fossemos velhos amigos. (BOFF, 2010, s/d).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A modernidade da racionalidade e da ilustração, marcada pela ciência e pela técnica, pelo nacionalismo e imperialismo, pelo domínio do ser humano sobre si próprio e sobre o mundo encontra-se em crise. A facilidade das comunicações favoreceu o intercâmbio cultural e religioso, seja através do turismo, seja através dos programas de televisão, filmes, da literatura e internet. Tais transformações impactam também no modo como as pessoas cultivam sua religiosidade e sua experiência religiosa. Atualmente, como vimos, aspira-se por estruturas organizativas menos rígidas, funcionais, abertas ao diálogo e a participação.

Todos esses movimentos e crenças contribuem para o imenso agregado de religiões e mesmo de descrenças que povoam o mundo atual, e ninguém sabe qual delas será – uma ou mais – a religião dominante do

25 Saramago se considerava ateu, mas de um ateísmo muito particular. Entendia o “fator

Deus” como veiculado pelas religiões e pelas Igrejas como forma de alienação das pessoas. Seu ateísmo era ético, negava aquele “Deus” que não produzia vida e não anunciava a libertação dos oprimidos (BOFF, 2010, p. 1).

futuro. Se o respeito e tolerância não forem suficientes para conceder ao outro o direito à existência pacífica, deve-se ao menos considerar que todas as maiorias já foram algum dia minorias, e todos devem pensar que, como a situação atual inevitavelmente vai se alterar, podemos sofrer com os resultados da nossa intolerância atual.

REFERÊNCIAS

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BOFF, Leonardo. Espiritualidade à mesa, em Estocolmo. O Estado de São Paulo. 19 de junho 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,espiritualidade-a-mesa- em-estocolmo,569005,0.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.

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LUPI, João. Nova era de aquário. Revista História: debates e tendências. Dossiê Religiosidade e cultura. Passo Fundo, v.9, n.2, jul/dez 2009, p. 364-375.

MORE, Thomas. Utopia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. Discurso sobre a dignidade do homem. Lisboa: Edi- ções 70, 2001.

PORTAL DA FÉ BAHÁ’Í NO BRASIL. O que ensina a Fé Bahá’í? Disponível em: <http:// www.bahai.org.br/>. Acesso em: 22 set. 2013.

SCHLESINGER, Hugo; PORTO, Humberto.  Dicionário enciclopédico das religiões. Petrópolis: Vozes, 1995.

SIMMONS, J. L. O despertar da Nova Era. São Paulo: Siciliano, 1992.

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Capítulo IX

Pessoas sem religião,

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