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3 AS RELIGIÕES CHINESAS

No documento Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (org) (páginas 130-134)

na consciência do universo

3 AS RELIGIÕES CHINESAS

As religiões populares e tradicionais, que ainda são muito fortes, e o Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo marcaram e ainda marcam profundamente a cultura e a histó­ria chinesas.

A concepção de que o cosmos é um lugar sagrado e de que tudo que nele existe está inter-relacionado e é composto da mesma substância vital, estão presentes nas religiões tradicionais e através delas inserem-se também no Confucionismo, Taoísmo e Budismo. De acordo com esse en- tendimento,

[...] tudo o que existe, inclusive o céu, a terra, os seres humanos e as divindades, é composto da mesma subs­tância vital, ou

qi (ch’i). O qi se manifesta fundamentalmente como duas forças

complementares, o yin e o yang. [...] Todas as coisas têm yin e yang em proporções variáveis. (COOGAN, 2007, p. 200-202).

Assim, as práticas religiosas têm como principal função e objeti- vo a busca e manutenção da harmonia entre os seres humanos e as reali- dades da natureza e do cosmos.

Integrados nessa perspectiva, embora buscando alcançar esta harmonia cósmica de diferentes maneiras, o Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo, são vistos como complementa­res e integrados numa única prática religiosa. Essa tendência sincrética da China dificulta o crescimen- to das religiões estrangeiras monoteístas, como o Cristianismo e o Islamismo.

As religiões chinesas são frequentemente voltadas para o mundo e orientadas para a prática, e isso é evidente na tradição popular, que reflete as principais preocupações das Três Doutrinas, mas não tem um conjunto sistemático de crenças; concentra-se em melhorar esta vida garantindo saúde, vida longa, prosperidade, harmonia doméstica, a continuidade da linhagem familiar pelos filhos e a proteção contra calamidades. Um relacionamento recíproco entre os vivos e os espíritos (ancestrais, divindades e fantasmas) é fundamental para a prática popular. Supõe-se que, se os homens desempenharem seu papel, o mundo espiritual responderá com a mesma moeda, concedendo bênçãos ou – no caso dos fantasmas – não fazendo nenhum mal. (COOGAN, 2007, p. 203).

Para os chineses, a morte não retira a pessoa do convívio com seus familiares. Embora de forma diferente, eles continuam interagindo e participando da vida familiar. A ideia de família compreende os vivos e os antepassados mortos. As leis de reciprocidade que regem a vida dos vivos seguem válidas nas relações com os antepassados mortos. A veneração e a comunicação com os mortos têm raízes muito remotas e são fundamen- tais para os chineses. Por isso, os rituais de enterro ou cremação são cele- brações que envolvem toda a família. São muito elaborados e podem du- rar vários dias. Os membros enlutados mais próximos vestem-se de bran- co. E a maioria das cerimônias fúnebres é orientada pelo Taoísmo, com música para afastar os maus espíritos, além de oferendas sacrificiais, in- censo e invocação das divindades.

Uma imagem do membro da família que foi enterrado é coloca- da junto aos deuses domésticos, no altar da casa. Passando a ser venerado com oferendas e incenso, genuflexões e orações, reconhecendo a dívida das gerações atuais com as gerações passadas. Isso acontece no dia a dia, e principalmente em ocasiões especiais, como um nascimento ou um ca- samento, quando se promovem refeições para a família reunida, que ser- vem tanto como cultos domésticos para veneração aos deuses familiares, como para apresentar os novos integrantes da família aos antepassados, e buscar deles a sua bênção.

A importância não está tanto no gestual em si, mas nos valores que são aí transmitidos. Embora muito presente o aspecto das consultas aos deuses e aos ancestrais – a respeito de dúvidas e problemas na vida pessoal, familiar, doenças, incertezas e dificuldades na vida profissional, na economia, no amor, ou para buscar a proteção dos bons espíritos e livrar-se dos maus – estas práticas harmonizam as pessoas consigo mes- mas e com as demais, com a natureza e com o mundo espiritual.

A organização social e familiar é marcada pelo ordenamento hie- rárquico. Cada um tem seu lugar na família, escola, empresa e no Estado. As relações sociais definem as pessoas e seus papéis, podendo-se perce- ber forte influência do Confucionismo nestes aspectos. Confúcio (± 551- 479 a.C.) foi um sábio funcionário público chinês que buscou reestruturar a ordem social, através de uma ética pessoal, moral e política, baseada na família, relacionando o bem do estado à virtude pessoal.

Esta ética consiste em que cada pessoa, nas diferentes funções e escalões, deve desempenhar suas tarefas como homem nobre no sentido moral, procurando interiorizar e viver segundo o espírito dos ritos, normas

e comportamentos constituídos pelos antepassados mais gloriosos. Sua doutrina não está tanto voltada para deuses e espíritos dos quais quase não fala, mas para a busca da harmonia proveniente das relações de bon- dade, de carinho e ternura humana, com a natureza e com as pessoas.

Para Confúcio, o ser humano resume-se em amar as pessoas, pro- ferindo a máxima que diz: “o que não queres para ti mesmo, também não o faças aos outros”. Embora, para ele, este amor seja principalmente devo- tado às pessoas do clã familiar e graduado conforme a proximidade so- cial, seus ensinamentos aplicam-se também aos dirigentes, para os quais apresenta como regra o agir com reciprocidade e humanidade, compre- endidas como cuidado e respeito mútuo. Considera a sociedade um con- junto de relações pessoais que deve ser organizada harmonicamente a partir da família.

Até hoje, as ligações e responsabilidades familiares de respeito, apoio e ajuda mútua seguem válidas mesmo para chineses que migraram para outros continentes. A coesão familiar, escorada nas relações entre superiores e inferiores; pais e filhos; marido e mulher; irmãos mais velhos e o mais novos; e entre amigos, é vista como o fundamento da estabilida- de e da harmonia social. Esses relacionamentos guiam-se pela reciproci- dade, entretanto, muitas vezes, são explorados hierarquicamente.

Estes ensinamentos encontram-se nos Analectos (Lun Yu: pala- vras escolhidas) e em outros livros atribuídos a Confúcio: o Livro das Mu- tações (I-Ching), o Livro da História (Xu-Ching), o Livro da Poesia (Xi-Ching), o Livro dos Ritos (Li-Ching), os Anais da Primavera e do Outono (Xun Qiu), e o Livro da Música, que foi perdido.

Esses livros, no entanto, provavelmente recebem uma redação final na Dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.), quando Confúcio deixa de ser considerado apenas um sábio dentre outros e sua doutrina passa a ser uma espécie de religião do Estado, inclusive com templos sendo erigidos para Confúcio (sem que isto acarrete em sua divinização). É, entretanto, também neste período que começa a surgir o Taoísmo, como comple- mento ou oposição ao Confucionismo, mais interessado na harmonia so- cial e familiar, e não tanto com a cura, a salvação e a harmonia interior do indivíduo.

3.1 Taoísmo

Para o Taoísmo o corpo é um microcosmo inserido em um siste- ma universal de fluxos de energias positivas e negativas. É necessário que

as energias vitais: yin, princípio feminino, passivo e escuro, e yang, princí- pio masculino, ativo e claro, estejam em equilíbrio e em harmonia não somente no corpo, mas também nas relações com o universo. Como o ritmo da vida, do dia e da noite, das batidas do coração, da respiração, estas energias fluem ao longo de tudo e de todos. É preciso conhecê-las, compreendê-las e colocar-se em harmonia com elas.

O ser humano é visto como um todo, correlacionando-se moral, saúde e higiene, corpo e espírito, natureza e universo. Tudo e todos são unidos pelo Tao (ou Dao, literalmente: “caminho”, mas também pode ser entendido como a ordem, a lei ou doutrina primordial).

O Tao, segundo o Tao Te Ching (Tao Te King ou Dao De Jing: Livro do Caminho e da Virtude/Força), atribuído a Lao Tzu (Lao Tse: “sábio an- cião”), não é uma divindade, mas o princípio imanente da realidade, é o sopro do universo e a razão preexistente a tudo, até mesmo ao céu e à terra. Mesmo sem agir faz com que tudo passe a existir, é mãe de todas as coisas, por isso é também Te (força) que atua como o poder do Tao, em todo ritmo do eterno ciclo da natureza, com o morrer e o nascer, destruir, produzir, evoluir e conservar da natureza.

Contudo, o Tao e sua força não possuem forma, limite ou nome. São vazios de qualidades acessíveis aos sentidos, e só uma pessoa esvaziada de desejos, libertada das paixões, pode então se deixar preencher pelo Tao, acolhendo a energia e a ordem cósmica como princípios orientadores de sua vida, agindo então em harmonia com o princípio fundamental de toda a natureza.

Assim, ao firmar que tudo está em permanente mutação, trans- formando-se, e aceitando isso como postulado que explica a natureza última do real, a sabedoria taoísta valoriza a realidade do mundo em to- das as suas expressões.

3.2 Confucionismo e Taoísmo se complementam

As duas grandes religiões chinesas se complementam, principal- mente através yin-yang e também do princípio das mutações, já presen- tes no I-Ching (Livro das Mutações, ou Transformações) atribuído a Confúcio. Essa compreensão origina-se, provavelmente, da observação dos ciclos da natureza e das situações específicas de grande parte da China, localizada no hemisfério norte do planeta: ali as árvores e toda grande montanha possuem dois lados: um lado direcionado ao polo norte, som-

brio, frio, escuro (yin), e um lado voltado ao equador, ao sul, ensolarado, quente, claro (yang). Associada também ao dia e a noite, sol e lua, céu e terra, e aos ciclos da natureza, a tensão e a relação entre esses dois ele- mentos foi usada para explicar todo o universo e os fatos que aqui acon- tecem.

Em todos os seres e elementos há a presença dos dois princípios em inter-relação. Isto está mais bem expresso no célebre símbolo circular do yin-yang, aquele símbolo com áreas complementares claras e escuras e pontos escuros e claros, onde a harmonia consiste justamente no equi- líbrio e na interpenetração de um no outro, trazendo cada um dentro de si o germe de seu contrário, cada um iniciando a transformar-se um no outro. Na complementaridade de yin e yang, na China, o Taoísmo e o Confucionismo se encontram e se completam: o Confucionismo predomi- na na vida pública, na política, na ideologia e na moral do Estado, no funcionalismo instruído e na alta camada intelectual, enquanto o Taoísmo é cultivado na vida privada, espiritual e interior dos indivíduos. Essa é uma das consequências do Confucionismo ter sido religião oficial imperial por certo período, que teve de ser assumida e implantada pelos funcionários imperiais, enquanto as comunidades populares, em suas organizações, nas festas comunitárias, nos exercícios corporais e nos textos para meditação, nas práticas do cor­po, assumiam o Taoísmo.

Ambas as religiões igualmente influenciam na definição da fun- ção da educação na sociedade. Para o Confucionismo, a educação é im- portante não apenas para aqueles que exercem funções na vida pública, mas a todos. O respeito aos pais e idosos, os deveres de pais para com filhos e de filhos para com pais, de governantes para com súditos e de súditos para com governantes, é deveras importante. Para praticante do Taoísmo, seja na arte de governar a si, a família ou administrar as coisas do estado, a educação instrui e amadurece o indivíduo humano. Na busca do Tao, o ser humano descobre o sentido do existir, e na simplicidade, realiza a harmonia que constitui e diviniza a vida em dignidade e plenitude.

No documento Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (org) (páginas 130-134)