• Nenhum resultado encontrado

2 ATEÍSMO E AGNOSTICISMO: APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS Não existem definições consensuais de Ateísmo e Agnosticismo.

No documento Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (org) (páginas 191-195)

Pessoas sem religião, ateus e agnósticos

2 ATEÍSMO E AGNOSTICISMO: APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS Não existem definições consensuais de Ateísmo e Agnosticismo.

Uma das definições mais comuns é aquela que segue a etimologia das palavras, determinando o ateu como a pessoa que não tem crença na exis- tência de qualquer divindade ou ser metafísico, e agnóstico como aquele que entende que a questão da existência de divindades está em aberto, ou seja, não pode ser respondida.

A maioria dos dicionários de Filosofia e Sociologia apresentam suas definições sobre Ateísmo e Agnosticismo. Abbagnano (2007) com- preende Ateísmo como negação da causalidade de Deus e aponta que na história da Filosofia o Ateísmo já aparece nos escritos de Platão, que o define a partir de três formas: a) negação da divindade; b) crença de que a divindade existe, mas não cuida das coisas humanas; c) crença de que a divindade pode tornar-se benigna com doações e oferendas.

Na modernidade, segundo o autor (2007), o Ateísmo é compre- endido sob várias perspectivas:

a) Justaposição entre Ateísmo e Materialismo6, defendido por

George Berkeley (1685-1753) pela tese da irrealidade das coisas, pois “se admitirmos que a matéria é real, a existência de Deus será inútil, porque a própria matéria vem a ser a causa de todas as coisas e das ideias que estão em nós” (ABBAGNANO, 2007, p. 98). Nesta concepção, um dos fundamen- tos do Ateísmo é a causalidade da matéria e não a sua realidade. Deus é eliminado como princípio causal de toda a explicação, porque se admite a matéria como tal;

b) Ateísmo cético7, corrente filosófica que não só procura apon-

tar a fragilidade das possíveis provas da existência da divindade, como também mostra as dificuldades inerentes ao conceito de divino em si. O filósofo Deivid Hume (1711-1776) julga impossível uma prova a priori so- bre a existência de Deus, visto que a existência é sempre matéria de fato; c) Ateísmo pessimista, corresponde à perspectiva que considera a desordem, o mal, o sofrimento e a infelicidade do mundo como obstá- culos concretos para a existência de um Deus pessoal, como afirmam os teístas8.

O fundamento desse pessimismo não são o mal ou a dor como tais, mas a ambiguidade radical, a incerteza da existência humana lançada no mundo e dependente só da sua liberdade absoluta, que a condena ao fracasso. Segundo Sartre, não há Deus, mas há o ser que projeta ser Deus, isto é, o homem: projeto que é, ao mesmo tempo, ato de liberdade humana e destino que a condena ao malogro. (ABBAGNANO, 2007, p. 99).

d) Ateísmo humanista, amplamente difundido entre os séculos XIX e XX, principalmente pelas ideias do filósofo alemão Ludwig Feurbach (1804-1872). Para ele, Deus seria a essência objetivada do sujeito, ou a projeção alienada que o humano faz de si mesmo num ser superior.

6 O Materialismo designa, em geral, a doutrina que atribui causalidade apenas à matéria,

ou seja, a única causa das coisas é a matéria em si (ABBAGNANO, 2007).

7 Ceticismo é a doutrina que afirma não poder obter nenhuma certeza absoluta a respeito

da verdade, o que implica numa condição intelectual de questionamento permanente e na inadmissão da existência de fenômenos metafísicos, religiosos e dogmas.

8 Teísmo é o termo usado desde o século XVII para indicar genericamente a crença em

Compartilhado pelo marxismo, que, comparando Deus a uma droga que dopa as massas, fez do Ateísmo uma das condições do comunismo, tal esquema de pensamento foi retomado por todas as doutrinas que veem na negação de Deus o pressuposto indispensável de afirmação do homem. (ABBAGNANO, 2007, p. 99).

e) Ateísmo niilista, que considera Deus como uma espécie de mentira de sobrevivência inventada pela humanidade, tanto para dar sen- tido à realidade caótica do mundo, quanto para defender-se dos sofri- mentos causadas pela dor, a doença e a morte. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1944-1900) apresenta Deus como a mais longa mentira construída pelas culturas para exorcizar as verdades cruéis do mundo: “Só há um mundo, e é falso, cruel, contraditório, corruptor, sem sentido [...] Nós precisamos da mentira para vencer esta ‘verdade’, para viver. A metafísica, a moral, a religião e a ciência são consideradas apenas como diversas formas de mentira: com o subsídio dela acreditamos na vida” (ABBAGNANO, 2007, p. 100). Nietzsche acreditava que para fazer a transi- ção do homem ao estágio de super-homem – aquele capaz de viver sem a ilusão das mentiras – é necessário proclamar a morte de Deus.

Sigmund Freud (1856-1939), criador da Psicanálise, corrobora essa tese ao interpretar Deus como um pai amplificado e a religião como uma neurose de tipo infantil, ou como uma ilusão que sacia os desejos mais antigos da humanidade. Com isso, Freud propunha que o Ateísmo seria a condição própria de uma humanidade adulta e cientificamente educada. f) Ateísmo semântico, perspectiva que aponta que todo discurso sobre Deus é inverificável e sem sentido. Não percebendo qualquer rela- ção entre Deus e a realidade física, qualquer definição sobre o divino são pseudodefinições. “De fato, a considerar sem sentido não só a resposta, mas também a indagação sobre Deus, ele chega a dissolver o próprio problema do Absoluto.” (ABBAGNANO, 2007, p. 100).

Neste sentido, algo só possui objetivamente sentido quando é possível sua verificação empírica e intersubjetiva. Caso contrário, “[...] o enunciado não é nem verdadeiro nem falso, mas simplesmente sem senti- do, pois sem objeto” (CORETH, 2009, p. 337).

Para os filósofos brasileiros Agnaldo Cuoco Portugal e Abraão Lincoln Ferreria Costa (2010), o Ateísmo existente até o século XVII era sinônimo da rejeição de uma concepção de Deus em favor de outra mais adequada e verdadeira. Era um ateísmo que não nega toda e qualquer

forma de Deus ou de prática religiosa. Mas, a partir do século XVIII, com os materialistas franceses, o ateísmo filosófico entra em cena na história do pensamento ocidental. Dado o avanço das descobertas das ciências natu- rais na explicação e domínio do mundo, e a repulsa aos regimes absolutis- tas que contavam com o apoio das instituições religiosas para subsistirem, o Ateísmo manifesta, a partir de então,

[...] uma proposta de pura e simples rejeição da religião e da crença num poder transcendente, com base em duas ordens distintas, embora complementares, de argumento. De um lado, argumenta-se contra a crença em Deus por estar esta para além da possibilidade de investigação empírica, sendo, portanto, irracional segundo uma visão científica de mundo. Por outro lado, argumenta-se contra a religião por ser ela fonte de intolerância e um tradicional apoio aos poderes autoritários constituídos ao longo da história humana. (PORTUGAL; COSTA, 2010, p. 128).

Dito isto, deve ficar claro que o ateísmo não é e não tem uma doutrina, não possui dogmas (a inexistência de deuses é uma conclusão, não um dogma), não requer fé, nem práticas ou comportamentos especí- ficos. Embora nenhuma característica descreva todos os ateus, é bastante comum que a visão de mundo do ateu tenha muitas afinidades com a ciência. Assim, embora não haja nada de incompatível entre o Ateísmo e a crença em astrologia, homeopatia, energias, leitura da sorte, vidência, sim- patias, superstições, percepção extra-sensorial, numerologia, grafologia, carma ou até mesmo vida após a morte, por exemplo, são poucos os ateus que aderem a essas ideias.

Para grande parte dos ateus, o Ateísmo é apenas uma das consequências do chamado ceticismo científico, que consiste essencial- mente no uso do pensamento crítico e do método científico para compre- ender o universo. Eles entendem que a ciência é a melhor ferramenta que se tem para descobrir a verdade, e que o Ateísmo simplesmente resulta dos padrões rigorosos de exigência de evidências e de pensamento crítico. A posição dos ateus com relação à religião também não é unifor- me. Alguns enxergam o fenômeno religioso como neutro ou mesmo posi- tivo, mesmo quando baseado em ideias que eles entendem como errône- as. A maior parte dos ateus, contudo, tem críticas fortes à maior parte ou a todas as religiões, considerando negativa sua influência sobre as pes- soas e sobre a sociedade, e com frequência são anticlericais – posição que

evidentemente não os autoriza a desrespeitar os seguidores destas cren- ças e nem quer dizer que sejam contrários à liberdade religiosa.

Já o termo “agnosticismo” foi cunhado inicialmente pelo natura- lista inglês Thomas Huxley (1825-1895), em 1869, e foi retomado por Charles Darwin (1809-1882), que se declarou agnóstico em uma carta em 1879. Desde então, o conceito tem sido utilizado “[...] para designar a ati- tude de cientistas de orientação positivista9 em face do absoluto, do infi-

nito, de Deus e dos respectivos problemas, atitude essa marcada pela re- cusa de proferir publicamente qualquer opinião sobre tais problemas” (ABBAGNANO, 2007, p. 23).

O agnóstico opõe-se à possibilidade de a razão humana conhe- cer entidades, seres divinos e outros fenômenos sobrenaturais. Agnose opõe-se ao termo grego gnose que significa conhecimento. Por isso, para o agnóstico é impossível provar racionalmente a existência do sobrenatu- ral, assim como é igualmente impossível provar a sua inexistência.

O Agnosticismo não deve ser confundido com Ateísmo, pois uma coisa é dizer que “Deus não existe e outra é dizer que não possuímos instrumentos cognitivos adequados para nos pronunciarmos com certeza acerca da existência ou não de Deus” (ABBAGNANO, 2007, p. 23).

No documento Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (org) (páginas 191-195)