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3 O DIREITO À EDUCAÇÃO ESCOLAR

Capítulo IV Diversidade religiosa

3 O DIREITO À EDUCAÇÃO ESCOLAR

Sem perder de vista as lutas mais amplas, como a conquista de direitos e a garantia das terras, a questão da educação escolar passou a fazer parte do cotidiano do movimento indígena (SILVA, 1995). Assim, fo- ram realizados encontros de educação indígena promovidos por diferen- tes organizações não governamentais que atuavam em defesa dos povos indígenas e que estavam voltadas à elaboração de projetos educacionais

alternativos para essas comunidades (GRUPIONI, 1991, p. 27). Esses en- contros contaram com a participação de educadores, indigenistas, missio- nários, linguistas e antropólogos.

Dessas iniciativas resultaram comissões de trabalho envolvendo especialistas de diferentes instituições, relatórios e documentos, mobili- zações, articulações e intensa participação no processo constituinte, que determinaram conquistas educacionais na Constituição Federal (BRASIL, 1988), destacando-se o art. 210, § 2°, que assegura às comunidades indí- genas a utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de aprendizagem no Ensino Fundamental.

A partir dos encontros, congressos e assembleias foram emergin- do “novas concepções de educação, baseadas não só nos processos tradi- cionais de socialização das sociedades indígenas, mas na reinterpretação e criação de novas alternativas de ação” (FERREIRA, 1992, p. 199). O pro- fessor indígena passou a querer participar das decisões sobre o seu desti- no, demonstrando uma preocupação com a sua autoformação, com a capacitação periódica para seu aprimoramento profissional, com o aprofundamento “do estudo das línguas maternas e dos etnoconheci- mentos, notadamente a etnomatemática e as etnociências” (FERREIRA, 1992, p. 201), bem como com a elaboração de propostas curriculares e regimentais diferenciadas.

Queremos uma escola própria do índio, nas comunidades, dirigidas por nós mesmos [...], com professores do nosso próprio povo, que falam a nossa língua e que estão interessados em aprender sempre mais. Nossa escola deve ser uma casa igual às nossas casas. A comunidade deve decidir o que vai ser ensinado na escola, como vai funcionar a escola e quem vão ser os professores. A nossa escola deve ensinar [...] nosso jeito de viver, nossos costumes, crenças, tradição, nosso jeito de educar nossos filhos, de acordo com nosso jeito de trabalhar e com nossa organização. (I Encontro de Professores e Lideranças Guarani Kaiowá sobre Educação Escolar Indígena, Dourados/MS, junho de 1991, apud CIMI,

1992, p. 13).

Neste sentido, o texto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394/ 1996 postula, em dois artigos (78 e 79), o desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa, para a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas. Esses programas, de forma sucinta,

buscam: a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências; a garantia de acesso às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da socie- dade nacional e das demais sociedades; a audiência das comunidades in- dígenas no planejamento dos programas educacionais; a inclusão des- ses programas nos planos nacionais de educação; o fortalecimento das práticas socioculturais e da língua materna de cada comunidade indígena; o desenvolvimento de currículos e programas específicos; e a elaboração e publicação sistemática de material didático específico e diferenciado.

A LDB conseguiu incorporar parte significativa das reivindicações das comunidades indígenas e apresentou importantes avanços frente às legislações educacionais anteriores. Mais tarde, outras conquistas se se- guiram, como a publicação do Referencial Curricular Nacional para a Es- cola Indígena (1998), a criação da categoria escola indígena (Resolução CNE/CEB nº 3/1999); a inclusão de um capítulo específico no Plano Nacio- nal de Educação (2001-2010); a criação da Comissão Nacional de Educa- ção Escolar Indígena (2004), composta por professores e lideranças; e a designação de um representante da Educação Escolar Indígena no Conse- lho Nacional de Educação (CNE).

Não há dúvida sobre o protagonismo indígena e os avanços con- quistados nos últimos anos. As políticas de universalização da educação básica e as ações afirmativas propiciaram a presença de milhares de indí- genas em escolas de todos os níveis de ensino. Segundo o Educacenso de 2007, o Brasil possui mais de 178 mil estudantes indígenas matriculados em 2.517 escolas indígenas em 24 Estados da Federação. Além disso, esti- ma-se que 5.000 indígenas frequentem universidades brasileiras.

Igualmente, o Programa de Apoio à Formação Superior e Licencia- turas Indígenas (PROLIND), que é uma iniciativa do Ministério da Educa- ção (MEC), promove o desenvolvimento de cursos de licenciaturas interculturais em instituições de ensino superior públicas, com o objetivo de formar professores para a oferta da educação básica nas escolas indígenas.

Outra importante conquista foi a promulgação da Lei nº 11.645/ 2008, pela qual todas as escolas de Ensino Fundamental e Médio devem incluir o ensino da história e cultura dos povos indígenas. Tais conteúdos devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, literatura e história brasileiras.

O movimento indígena e sua luta por educação específica e dife- renciada colocam importantes demandas para a educação escolar nacio- nal: repensar o lugar da cultura na educação, repensar a educação para todos e, portanto, também para as minorias. Mas, especialmente a educa- ção escolar indígena exige a educação de toda a sociedade envolvente, no sentido de minimizar nossa visão etnocêntrica, nossas ações discriminadoras e preconceituosas e, igualmente, a veiculação em todas as escolas brasileiras da história e da cultura dos povos indígenas, sem idealizações nem estereótipos.

Por fim, a luta do movimento indígena por educação específica e diferenciada possibilita à sociedade brasileira a concretização de algo efe- tivamente original, qual seja o rompimento radical com o padrão escolar vigente e a convivência simultânea com diversos modelos de escola. Cada grupo étnico poderá criar a sua proposta escolar a partir de sua situação de contato, priorizando a sua organização social e os seus valores cultu- rais não mais com a perspectiva de forjar um determinado “homem ideal”, mas sim a de construir múltiplos seres humanos.