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Politeísmo? Monoteísmo?

No documento Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (org) (páginas 122-126)

na consciência do universo

1 HINDUÍSMO

7) Agamas e Tantras: extensa literatura em forma de diálogo entre Shiva e sua consorte Shakti, sobre rituais, a natureza divina, o corpo,

1.2 Politeísmo? Monoteísmo?

Dentro de tamanha complexidade, até a compreensão da consti- tuição da divindade e de sua relação com o mundo engloba perspectivas muito diversas. À primeira vista, a diversidade de santuários e imagens sugere uma religiosidade politeísta, mas as explicações teológicas refe- rem-se ao Absoluto, Deus, como o Uno Primordial, que a tudo abrange, apontando para uma concepção monoteísta, que apresenta as outras di- vindades como manifestações de Vishnu, de Shiva ou de Shakti, isto é, como devas, deuses menores.

Mas há dentro do Hinduísmo também respostas diferentes a res- peito da maneira que este Absoluto e Uno Primordial se relaciona com o mundo. Neste aspecto, integra concepções que parecem se contradizer,

sem a preocupação de harmonizá-las. Partindo da mesma autoridade dos Vedas, porém interpretados de forma diversa, o Absoluto pode ser visto tanto como uma inteligência impes­soal (Brahman) quanto como um deus pessoal.

Nesse sentido, o Hinduísmo comporta três grandes concepções: a) Monista: não dualista (a-dvaita), esta corrente afirma que o Absoluto, o mundo e a alma são a mesma coisa. O Uno, o Brahman, não é um deus ou uma deusa, mas é a realidade última em todos os seres e coisas, cada ser isolado participa dele e nele encontra a sua força vital. Tudo o mais é apenas aparência temporária, mutável e passageira (maia). A redenção consiste em ultrapassar a ilusão das existências aparentes dos seres e das coisas para encontrar em todas elas o único do universo, infi- nito e absoluto.

b) Dvaita: concepção dualista, que afirma que o mundo, a alma e o Absoluto são completamente separados. Afirma que Brahman é princí- pio, consciência e ser pessoal ao mesmo tempo, ele é Vishnu, o uno e único Deus. O mundo não é irreal! As imperfeições, falhas e maldades do mundo seriam provas de sua existência. Deus não se transformou no mun- do, mas o governa, criando, conservando, destruindo e recriando. Como Deus é diferente do mundo, também é distinto da alma (atman).

Mas há, ainda, uma terceira concepção que se encontra em um meio-termo entre as duas primeiras: o Absoluto e o mundo são um na diversidade. Afirma que o Brahman é um, não dividido, mas é o Deus uno, infinito e ao mesmo tempo pessoal, que desde a eternidade faz surgir o mundo e o conserva, que o dirige a partir de dentro e que novamente o retoma. A salvação consiste na adoração, na entrega e na união mística (bhakti) a este deus pessoal, seja ele Vishnu, Shiva ou uma deusa (Devi).

Há um imenso campo aberto para as mais variadas devoções pessoais, sendo estas importantes fontes para a dignidade das pessoas. É de se supor que esta diversidade, bem como a flexibilidade dela resultan- te fizeram da República da Índia um estado secular, que separa Estado e religião e respeita todas as religiosidades, podendo ser, do ponto de vista democrático e como Estado de direito, “um perfeito modelo para a Ásia” (KÜNG, 2004, p. 86).

É possível também que estas diversidades e flexibilidades tenham facilitado, no contato com o mundo Ocidental, a ocorrência de mudanças inicialmente impostas pelo império britânico, como a proibição da imola- ção das viúvas das castas superiores nas piras crematórias dos seus mari-

dos (1829), dos sacrifícios humanos no culto a Kali (1831), da escravidão (1843), dos sacrifícios de crianças, principalmente meninas (1833), e a per- missão para um segundo casamento para as viúvas (1856) fossem não somente mantidas, mas também ampliadas depois da independência (1947). Assim, o primeiro governo da Índia independente estabeleceu a igualdade de todos perante a lei, abolindo a desvantagem jurídica agre- gada ao sistema das castas, e buscou pelo menos nas leis garantir acesso de todos às instituições nacionais. Como exemplo, em 1997, um sem cas- ta, casado com uma mulher cristã, foi eleito presidente da Índia (KÜNG, 2004, p. 87).

Também dentro da diversidade dos livros sagrados e de suas in- terpretações encontram apoio os movimentos, grupos e instituições que pregam e praticam o livre acesso de todos, de castas nobres ou sem cas- tas, ao estudo das escrituras sagradas. E embora o sistema de castas em alguns lugarejos no interior se constitua em um complexo “sistema eco- nômico que até agora funcionou sofrivelmente: um sistema de dependên- cia mútua, de ajuda e de solidariedade” (KÜNG, 2004, p. 87), em muitos casos ainda é legitimação de desigualdades e exclusão.

A raiz do sistema de castas está ligada aos invasores árias (pele mais clara) que provavelmente buscaram se diferenciar da população na- tiva mais escura, e estabeleceram um sistema de cores para orientar seus casamentos. A palavra varna, casta, originalmente refere-se a “cor”. Esta distinção ganha contornos religiosos, sociais e políticos ao longo da his- tória. Já no Rig-Veda (10, 90), um dos textos védicos mais antigos, no hino que narra a criação dos Vedas, dos animais, das quatro classes de homens, e também dos astros, dos elementos, do céu e da terra, a partir do corpo de Purusha, já aparece a ordem das castas: de sua boca vieram os sacerdo- tes (Brâmanes), de seus braços os guerreiros (Shatryas), das suas coxas os comerciantes (Vaishyas) e dos seus pés a massa dos trabalhadores e ser- vos (Shudras). Porém, a separação absoluta entre as castas, a exclusão do casamento intercastas, a impossibilidade da mudança de casta e o prestí- gio das pessoas segundo sua casta ou dos sem casta (Párias, Dálits), crista- lizam-se somente no século III d.C., no Código de Manu Manava Dharmashastra ou Manusmriti (KÜNG, 2004, p. 63).

Mas é novamente de dentro da diversidade dos textos sagrados, das concepções de divindades e das práticas ritualísticas que brotam tam- bém as compreensões que certamente levarão à superação das castas, assim como no passado contribuíram para a independência da Índia e a

formação da cultura indiana. Com base nisto, Swami Vivekananda, dele- gado da Índia no Parlamento das Grandes Religiões (Chicago, 1893) pôde dizer: “tenho orgulho de pertencer a uma religião que ensinou ao mundo a tolerância e a aceitação universal. Nós não só acreditamos na tolerância universal, mas admitimos que todas as religiões são verdadeiras” (KÜNG, 2004, p. 93).

2 BUDISMO

O Budismo nasce geográfica e culturalmente dentro do Hinduísmo. Porém, diferentemente deste, tem um fundador e a ele deve seu nome. Trata-se do príncipe Sidarta Gautama (566-486 a.C.), que aban- donou a vida no palácio de sua família e buscou, no ascetismo extremo da vida mendicante e num processo de mortificação do corpo, compreender as causas do sofrimento, da dor e da morte. Por sua compreensão desses fenômenos foi reverenciado como Shakyamuni, o sábio do clã dos Shakias, e tornou-se o Buda (Budha), “o Desperto”, aquele que alcançou a ilumina- ção (Bodhi).

Durante os séculos iniciais seus ensinamentos se difundiram pelo subcontinente indiano e por muitas outras partes da Ásia. E a despeito de quase ter deixado de ser uma religião viva na Índia, sua terra de origem, o Budismo teve profundo impacto na vida religiosa e no desenvolvimento cultural fora da Índia; do Afeganistão, no oeste, até a China, a Coreia e o Japão, no leste, e pelo sudeste da Ásia, da antiga Birmânia, atual Mianmar, até as ilhas de Java e Bali, na Indonésia. Estima-se que hoje existam mais de um milhão de budistas na América do Norte e na Europa.

No processo de dispersão, o Budismo demonstrou grande flexi- bilidade e capacidade de adaptação, sempre atento para responder às necessidades de novas culturas e tradições. Desse modo, o Budismo ge- rou uma imensa gama de variações, que às vezes é difícil reconhecer em deter­minadas práticas ou crenças as raízes budistas. Em grandes ramos podemos falar de um Budismo Indiano, um Budismo Chinês, Budismo Ja- ponês e do Budismo Tibetano. Dentre estes, o Zen Budismo, bastante co- nhecido no Ocidente, é a versão budista japonesa daquela que talvez te- nha sido a elaboração mais inovadora do Budismo na China, a tradição budista chan.

Todas essas formas, no entanto, giram em torno do Buda, o prín- cipe da realeza que buscou em vida libertar-se do eterno ciclo de nasci- mentos, morte e renascimento/reencarnação (o samsara), e das doutrinas dele emanadas. Abandonando os fundamentos do Hinduísmo, rejeitou a autoridade dos Vedas, a dependência aos brâmanes e os sacrifícios que exigissem derramamento de sangue. Sua doutrina fundamental está resu- mida nas quatro nobres verdades e no caminho óctuplo, as rodas da Lei.

No documento Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (org) (páginas 122-126)