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Em relação à história do tempo presente, defendo que os historiadores estão diretamente ligados ao seu tempo como qualquer outro ser humano. Não existe uma separação total entre o pesquisador, o objeto, e o mundo ao seu redor. Por isso a contemporaneidade não pode ser um obstáculo aos estudos históricos. Entretanto existem muitos preconceitos e críticas a esses trabalhos, baseados na premissa de que o “calor dos acontecimentos” inviabiliza a pesquisa do historiador e que temas recentes devem ser abordados exclusivamente por jornalistas e cientistas sociais. Bernstein e Milza defendem brilhantemente esta questão:

“Afirmemos primeiro muito claramente nossa convicção: a história do presente é primeiramente e antes de tudo história. Sem negar as especificidades que a marcam e sobre as quais retornaremos, importa considerar que por seus objetivos, seus métodos, suas fontes, a história do presente não difere em nada da história do século XIX. Em outros termos, a identidade do objeto entre o jornalista e o historiador do presente não deve ser ilusão. O jornalista (o bom jornalista) esforça-se para reconstituir e explicar a seu leitor a trama dos eventos quotidianos que assaltam e faz trabalho útil de informação. O historiador tenta restituir a evolução na duração que permite compreender por que

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processo chegou-se à situação presente: ele se dedica a descrever as estruturas cujas transformações dão conta da emergência factual de fenômenos cuja gênese se situa sempre a médio ou longo prazo. Assim fazendo, o historiador do presente está mais próximo por suas preocupações de seu confrade do século XIX, da Revolução ou dos tempos modernos do que daqueles que perseguem com talento os fatos do dia ou da véspera e que restituem a crônica inteligível e seletiva dos fatos que constituem a trama de uma informação moderna” (1999, p.127).

Esta diferenciação feita pelos autores é muito precisa, pois a qualidade de qualquer estudo histórico se sedimenta na análise das fontes e não na distância temporal em relação ao pesquisador. O jornalista tem outra abordagem em relação aos factos e ao passado. A historiografia do século XX foi marcada pela recusa do positivismo enquanto teoria da história. O saber nesta disciplina foi fundamentado durante o século passado sobre as análises de fontes, que passaram a ser entendidas de outra maneira, agora mais ampla, rejeitando a premissa de que só documentos oficiais eram puros para serem fontes históricas válidas. (Burke, 1999, Freitas, 2002). Qualquer registro da existência humana pode e deve ser estudado.

Esta defesa da história do tempo presente também será inevitavelmente uma reflexão sobre a história enquanto ciência. Pois não se pode associar qualidade à distância temporal. Inclusive, nem sempre o historiador foi visto como um excluído da história recente. Por exemplo, Tucídides foi o primeiro exemplar deste participante ativo da escrita da história. Existem outros brilhantes como Karl Marx, em suas obras sobre o 18 do Brumário de Luís Napoleão Bonaparte e a Comuna de Paris ou Marc Bloch em A Estranha Derrota.14

O tempo em si, não pode ser o objeto de investigação do historiador, não existe história sem seres humanos. A história busca compreender a vida dos seres humanos em um determinado tempo e espaço. Outro equívoco grave cometido por muitos historiadores foi estratificar aspetos mais importantes da vida dos seres humanos como determinantes em relação a outros. Como por exemplo, entender que a economia se sobrepõe à política e/ou à cultura. As questões envolvendo o género foram, durante muito tempo, ignoradas pela historiografia criando histórias segregacionistas.

Um traço comum nessas interpretações históricas foi a tentativa de tornar a história geral ou total. Estas duas perspetivas implicam reduzir a realidade da vida humana ou excluir

14 Ver mais em Thopson, P. (1992) A voz do passado: História oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra. No segundo

capítulo existe uma longa e brilhante história da história oral praticada antes do gravador, na conclusão deste ele sentencia: a descoberta da história oral pelos historiadores, agora em andamento, provavelmente não será ignorada. E ela não é apenas uma descoberta, mas também uma reconquista. Oferece à história um futuro livre da significação cultural do documento escrito. E devolve também ao historiador a mais antiga habilidade de seu ofício (p..103 ).

45 vários seres humanos para que a sua interpretação histórica faça mais sentido. Fazer história científica no século XXI buscando explicações gerais ou totais é um enorme equívoco. Isso serve tanto para a História do Tempo Presente como para a História Antiga, com isso não se defende que extirpa uma única com qualidade.

Isso devido ao facto de que é sempre o historiador sempre quem tem um papel decisivo na maneira como aborda as fontes disponíveis. Além disso, é o historiador quem escreve a história e não a sua fonte. Uma série de trabalhos se equivoca ao considerar que algumas fontes falam por si ou são a própria história. Não se pode pensar a história com a crença de que as fontes são extratos ou espelhos fiéis do passado. Considerar este tipo de análise válida é ir contra, não só, a história oral, mas também contra a historiografia construída durante todo o século XX. Como alerta a Regina Neto existe um protagonismo do historiador na construção da narrativa:

“Somos nós que conferimos, por meio dos documentos pesquisados – manuscritos, impressos, fontes orais, processos civis e criminais, imprensa, boletins, entre outros -, a importância relativa que lhes confere o desenrolar da história narrada. Os documentos, nessa perspectiva, não “dizem” a história, não recuperam o passado. O passado não pode ser restituído, refeito, ele é narrado com análises críticas, sempre mediado pela operação historiográfica.” (Neto, 2012, p.21)

Muitas das críticas e preconceitos que a história do tempo presente sofre vêm de uma grande falta de reflexão histórica. Como muitos autores escreveram, o mundo passou por uma série de transformações que alteraram os padrões de verdade e mentira transformando a perceção dos seres humanos em relação à maneira de viver em sociedade.15 Talvez essas críticas à história do tempo presente sejam frutos desse tipo de mentalidade abalada com essa nova condição, que é realmente complexa como destaca Koselleck:

“A ciência histórica atual se encontra, portanto, sob duas exigências mutuamente excludentes: fazer afirmações verdadeiras e, apesar disso, admitir e considerar a relatividade delas. Nesse dilema, ela se defende com diferentes argumentos. Citamos dois: primeiramente, os historiadores podem referir-se ao enorme êxito que a ciência histórica, lentamente constituída desde os inícios da época moderna, alcançou com seus métodos. Em duzentos anos, aprendemos mais sobre o passado da humanidade do que ela antes jamais pudera saber sobre si mesma. É certo que deixamos de conhecer muita coisa, por conta do mau esta de conservação (ou ausência) das fontes, mas por outro lado, tivemos acesso a informações que nos escaparam aos que foram contemporâneos dos acontecimentos. Portanto, de certa maneira, sabemos mais do que antes e, frequentemente, temos mais informação a respeito do passado que jamais fora possível

15Existem autores que exploram essa falta de adaptação a sociedade cada vez mais complexa, com muitas

incertezas por um lado e uma pressão por escolhas de modelos fixos, destacamos três obras muito relevantes que exploram amplamente este “mal-estar” Stuart Hall no seu livro: A identidade cultural na pós-modernidade (2006)

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ter. Uma tal defesa do historiador, baseada na pesquisa empírica, é conclusiva e difícil de contestar. O segundo argumento procura enfraquecer, do ponto de vista metodológico e teórico, a crítica ao subjetivismo ou ao relativismo. Também a ciência histórica teria desenvolvido uma arte metodológica que lhes permitiria atingir proposições objetivas. A crítica de fontes, por sua vez, estaria submetida a critérios sempre acessíveis, comprováveis e racionais” (2006. p.161-162).

A defesa de um bom historiador, independente da época, está sempre na pesquisa realizada e na crítica que ele faz às fontes que utiliza durante a construção de seu texto. A simples descrição não tem grande relevância para o mundo académico, são as interpretações sobre o passado, baseadas em fontes e na bibliografia, que possibilitam uma boa obra histórica. Como no caso do exemplo utilizado por Todorov: “O historiador está, em suma,

perante um dilema: ou limitar-se aos factos, inatacáveis, mas por si mesmos pouco eloquentes, ou procurar interpretá-los e então oferecer o flanco às críticas. Poucos são os que escolheram a primeira via (ninguém se contenta com saber qual é a cor do cavalo de Henrique IV)” (1991, p.129).

O historiador não se deve preocupar em apenas descrever acontecimentos ou pequenos detalhes sobre o passado. O seu trabalho privilegia o caminho mais difícil ao buscar interpretações. A partir de uma pesquisa realizada em diversos arquivos: lendo jornais e revistas e entrevistando pessoas. De acordo com Regina Neto os pesquisadores do tempo presente podem capacitar a sua proximidade em relação aos acontecimentos:

“«Considero que», ao analisar os acontecimentos e os discursos que os significam e os apresentam na ordem do dia como verdadeiros, atrelados a diversos dispositivos políticos, seja necessário desfazer evidências e criar, instituir, outras maneiras de ver, dizer e se dar conta do universo histórico no qual estamos inseridos. Sem apaziguamentos e reconciliações podemos – capacidade de potência – desconectar intempestivamente (no sentido nietzschiano) nosso olhar das luzes da história do progresso” (Neto, 2014, p.39).

Essa potencialidade é ou não alcançada, não existe na explicação nenhuma obrigatoriedade, pois qualquer estudo histórico, independente do seu recorte temporal, deve buscar tal objetivo. O historiador do tempo presente devido à proximidade temporal com o assunto pode explorar vários interlocutores de outras áreas das ciências sociais e não só. Como referi na introdução, tenho a dupla cidadania brasileira e portuguesa; durante o período estudado 1986-2007 estive em Portugal apenas uma vez entre os meses de dezembro e janeiro de 1997/1998. Minha primeira experiência migratória internacional foi quando fui aprovado neste doutoramento em História.

Identificar todo esse retrospeto em relação à minha ligação com o tema que estudo não me isenta de ter cometido parcialidades durante as minhas leituras e interpretações realizadas nesta tese. Não luto contra essa condição, entretanto também destaco durante essa experiência

47 - de estar vivendo em Lisboa enquanto estudava e escrevia a tese - a possibilidade de ter várias referências novas motivadas por essa vivência. Que auxiliaram a compreender os conflitos aqui apresentados que não poderiam ser possíveis sem essa herança cultural afetiva.

Não existem verdades absolutas e nem tão pouco livros de histórias completos, os pilares da ciência contemporânea são feitos na base das críticas. Pois utilizando o conceito de testemunhos de Paul Ricoeur, no seu livro A Memória, a História, o Esquecimento (2010), os testemunhos têm enormes possibilidades. As historiadoras brasileiras Delgado e Ferreira refletindo sobre a história do tempo presente no contexto nacional e internacional escreveram:

“A história do tempo presente tem mobilizado segmento expressivo da comunidade de historiadores no plano nacional e internacional. Inscreve-se em um movimento mais amplo de renovação historiográfica que trouxe consigo revitalização da história política, ampliação do uso de fontes, valorização da interdisciplinaridade, maior diálogo com as ciências sociais, recusa de explicações deterministas e totalizantes, valorização de atores individuais e coletivos, relação dialética entre história e memória” (2010, p.7).

A ampliação do uso das fontes como refere as autoras, existe devido à maior possibilidade contemporânea dos seres humanos registrarem sua existência no mundo.16 Alargar os objetos de estudo não pode e nem deve interferir na análise histórica dessas fontes. Não existe história sem a crítica da documentação, sem a preocupação em perceber as motivações que levaram à produção desses registros e também às repercussões que aconteceram depois da sua circulação. Os documentos como diz Paul Ricoeur, são testemunhos e qualquer interpretação analítica em história deve ser feita baseada na interrogação desses testemunhos, como esta autora destaca:

“Uma história que fosse feita apenas com testemunhos não criticados e retrabalhados seria uma história que perderia sua coerência e veracidade. Uma história que não levasse em conta a testemunha e a irrupção de singularidade de sua situação seria uma história que recusaria o excesso, o desvio, o deslocamento, as paixões sangrentas, grandiosas ou infames” (Farge, 2011 p.22).

Existe uma falsa questão, ao acusar a história do tempo presente de não ser história devido à proximidade temporal do historiador e o objeto estudado. Segundo essa lógica, uma distância temporal grande entre o historiador e o objeto estudado por si só seria garantia de qualidade historiográfica. Entretanto não funciona dessa forma. Um problema frequente e

16 As novas tecnologias criaram uma série de novos instrumentos que permitem tais registros e também houve

paralelamente uma queda de preço em vários meios que passaram a ser consumidos por milhares de pessoas, como máquinas fotográficas, filmadoras, telemóveis, computadores enfim todas essas tecnologias registram a vida cotidiana de diversas formas. Os historiadores não podem se limitar a uma única fonte, pelo contrário os historiadores do tempo presente têm explorado cada vez mais as múltiplas possibilidades de registros dos seres humanos.

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grave é a proximidade intelectual ou parcial do investigador ao analisar um tema. Paixões e visões parciais podem acontecer tanto em temas ocorridos há uma década ou há dez séculos.

Um dos pioneiros textos que abordou metodologicamente a história do tempo presente, ou imediata, surgiu na grande obra que revolucionou a historiografia mundial, La nouvelle Histoire, lançado em 1978 sob a direção de Jacques Le Goff. Como afirmou Jean Lacouture (Le Goff, Chartier e Revel, 1990) a história do tempo presente não quer dizer um regresso aos acontecimentos, antes uma tentativa de ver os factos do presente segundo um tratamento analítico próprio do historiador.

Na França este debate levou à criação do Instituto de História do Tempo Presente (IHTP), também em 1978, com a missão de contribuir para a construção de um conhecimento histórico academicamente válido sobre, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto ou Vichy. O historiador francês Henry Rousso, foi presidente do IHTP de 1994 até 2005, defendeu dessa forma a História do Tempo Presente:

“Entendo que a prática dos historiadores do Tempo Presente não pode ser compreendida fora desse contexto. Não é simplesmente uma maneira de escrever a História Contemporânea, é um pouco mais que isso. Há reconstruções, há o reconhecimento de determinados contextos. Por exemplo, nós travamos um debate com o historiador François Hartog, quando este publicou seu livro sobre os regimes de historicidade, especificamente sobre o presentismo. Nos acusou, mas de modo gentil, ao afirmar que o que fazem os historiadores do Tempo Presente é o equivalente a presentismo, pois não veriam outra forma de compreender o passado senão a partir do presente. Mas não é nada disso. Ao contrário, nós somos uma forma de reação ao presentismo. O que afirmamos é que não somente a História deve ser levada em conta na análise do mundo. (...) Não sei se conseguimos, mas o objetivo é ser capaz de produzir a História do nosso próprio tempo, tentando obter uma reflexão que permita um recuo relativo” (Arend e Macedo, 2009, p.209).

Muitos autores têm contribuído com a construção de uma metodologia para o estudo da História do Tempo Presente. Para Chauveu e Tétart, “A epistemologia da história do presente consiste [...] em interrogar a história a fim de propor novos dados que aumentarão sua capacidade de explicitação e de sugestão” (1999, p. 37). Como já foi abordado neste texto, não deveria, existir muitas diferenças entre um historiador do tempo presente e um historiador do século XIX. Ambos, para realizarem uma boa análise histórica, necessitam explorar o maior número de fontes históricas possíveis para conseguir avaliar a veracidade, ou não, dos testemunhos e estabelecer processos de continuidade e rutura entre outras questões relacionadas ao tempo.

49 De entre a vasta produção existente sobre a História do Tempo Presente, selecionamos estes livros: Para uma história cultural, Questões para a história do tempo presente e Por uma história política. Todos têm em comum o seu formato: são coletâneas de artigos de diversos autores acerca as novas maneiras de interpretar as fontes e de fazer história. Em Questões para a história do tempo presente (1999) organizado por Agnès Chauveu e Philippe Tétart, os textos focam os problemas teórico-metodológicos deste tipo de estudo.

Os outros dois são obras fundamentais para se entender as transformações na historiografia francesa recente, depois das propostas de Le Goff e Nora no livro Nova História. Rene Remònd foi organizador do livro Por uma história política, vários autores abordam a questão da validade da história política no geral e também a questão de estudar a política no tempo presente. Refutando antigos preconceitos que ligavam ao estudo da política aos historiadores positivistas, apenas preocupados com os grandes feitos e heróis.

Existem autores que realizaram História do Tempo Presente sem utilizar esse tipo de denominação. Até mesmo historiadores escreveram grandes obras que permitem analisar e refletir sobre o mundo contemporâneo sem se autodefinirem como historiadores do tempo presente. A condição de ter presenciado alguns acontecimentos sobre os quais se faz uma reflexão e análise não impossibilita ou torna sua obra menor. São exemplo disso, as obras de Eric Hobsbawm na Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1989) e Tony Judt – Pós- guerra: Uma história da Europa desde 1945.

Obras de grande abrangência temporal voltadas para o grande público conseguiram um grande sucesso de vendas. Talvez por essa questão a discussão metodológica não seja aprofundada, entretanto existe qualidade nas análises e nos problemas propostos pelos autores. Em relação à Era dos Extremos ressalto o diagnóstico realizado por Hobsbawm sobre a sociedade na época da publicação do livro, utilizando o exemplo da visita oficial do presidente francês Mitterrand à cidade de Sarajevo, em 28 de junho de 1992:

“Para qualquer europeu culto da geração de Mitterrand, saltava aos olhos a ligação entre a data e lugar e evocação de uma catástrofe histórica precipitada por um erro político e de cálculo. Que melhor maneira de dramatizar as implicações potenciais da crise bósnia que escolhendo uma data assim tão simbólica? Mas quase ninguém captou a alusão, exceto uns poucos historiadores profissionais e cidadãos muito idosos. A memória histórica já não estava viva. A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais características e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem” (2011, p13).

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Essa expressão “presente contínuo” aborda um problema concreto da história do tempo presente e da sociedade atual. Mesmo sem ter essa intenção, existe no trecho acima uma construção de uma análise histórica importante. Tony Judt na obra Pós-guerra: Uma história da Europa desde 1945 destaca que não existe maneira de se conseguir uma história livre de opiniões ou interferências ao se escrever sobre acontecimentos que o historiador presenciou. Mas assim como Hobsbawm, Tony Judt também faz grandes contribuições para a compreensão dos dilemas do mundo contemporâneo. Como por exemplo, neste trecho sobre a Europa:

“A História e memória da Segunda Guerra Mundial ficaram tipicamente restritas a um conhecido conjunto de convenções morais: o bem contra o mal, antifascistas versus fascistas, membros das resistências versus colaboracionistas etc. Desde 1989 – com a superação de antigas inibições – tornou-se possível admitir (por vezes, mesmo diante de objeções e negações virulentas) o custo moral do renascimento da Europa. Poloneses, franceses, suíços, italianos, romenos e outros povos têm hoje melhores condições de saber – se quiserem saber – o que de fato ocorreu em seus países há poucas décadas. Até os alemães estão revisitando a história oficial de seu país – com consequências paradoxais. Agora – pela primeira vez em muitas décadas – são o sofrimento alemão e a condição de vítima dos alemães, seja em consequência de bombardeiros britânicos,