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Nos grandes meios de comunicação brasileiros foi criada uma expressão para se referir a esse período como “década perdida”. Na década de 1970 a economia brasileira chegou ao clube dos países mais poderosos do mundo ao alcançar o oitavo lugar no ranking das economias mundiais com base no produto interno bruto (PIB). O baixo crescimento no país durante a década seguinte justificou a expressão “década perdida”33. Para exemplificar esse processo sem igual, segundo Maddison (2003), a economia brasileira registrou entre 1951 e 1981 uma das taxas de crescimento mais elevadas em todo o mundo.

A década de 1980 no Brasil em relação à cultura foi muito rica e se contrapõe à crise económica proporcionada pelos governos da ditadura civil-militar instalada desde 1964. A lei da amnistia, imposta pelos militares em 1979, proporcionou a volta ao país de uma série de artistas, intelectuais e políticos, como o sociólogo Hebert de Souza, Gilberto Gil, Caetano Veloso entre outros. Com a regresso dos exilados gerou-se grande efervescência cultural e o sentimento que o fim do regime ditatorial estava a caminho. Caetano Veloso em 1981 escreveu a canção Nu com a minha música do álbum Outras palavras: “Vejo uma trilha clara pro meu Brasil, apesar da dor”.

O estilo musical do rock brasileiro se afirmou e ganhou projeção durante essa década. Foi nela que surgiram grupos como Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso, RPM, Ultraje a Rigor, Camisa de Vênus, Capital Inicial, Barão Vermelho entre outros. Além da transgressão artística dos grupos em relação à sonoridade e ao vestuário, houve uma série de letras que protestavam em relação à situação vivida no país. Aline Rochedo sintetiza esse período e a relação desse movimento jovem com a ditadura, da seguinte forma:

“Os músicos/compositores, que em sua maioria tinham entre 18 e 24 anos, cresceram e foram educados no período de maior repressão do regime civil-militar. Não chegaram a enfrentar o regime diretamente, mas sofreram os impactos provocados por ele. Neste contexto, apesar do AI-5 ter sido abolido em 1979, a censura não havia cessado. Desta forma, tanto os músicos quanto produtores de televisão e escritores deveriam continuar

33 Entretanto a década de 1990 no Brasil continuou em baixa e com inúmeros planos económicos que falharam e

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enviando suas obras para Brasília e aguardar a autorização. O resultado da avaliação variava entre alterações nos textos, recomendações para eliminar expressões ou para substituir uma palavra por outra mais adequada, ou a execução da música poderia ser proibida em lugares públicos e nos meios de comunicação. A censura aguçava a curiosidade dos jovens quando proibia uma canção, não era raro que os discos censurados foram os mais vendidos e as canções censuradas as escutadas em maior volume” (Rochedo, 2011, p.13).

Mesmo após a posse do Governo de José Sarney, a censura continuou afetando a classe artística, Beatriz Kushnir (2004) refere que até ao início de 1987 foram publicados atos censórios: 261 letras de música foram cortadas e 25 vetadas, assim como novelas tiveram cenas suprimidas. Este período de redemocratização da área cultural foi repleto de experimentações, contrapondo com a situação económica do país que foi se deteriorando ao longo da década.

Na política, o Brasil viveu um período de grande mobilização popular com a proposta da emenda constitucional, da autoria de Dante de Oliveira, para antecipação das eleições diretas para presidente da república em 1985 e não como estava proposto, em 1989. Os jornais de grande circulação chamaram esta emenda de “Diretas Já” e os partidos que faziam oposição à ditadura civil-militar começaram a realizar uma série de passeatas e comícios em apoio às “Diretas Já”. Milhares de brasileiros saíram à rua, e lotaram as manifestações pelo voto direto. Cantores, artistas, até mesmo jogadores de futebol se posicionaram favoráveis à alteração.

Entretanto o governo da ditadura civil-militar venceu a votação e as eleições presidenciais foram indiretas, dentro do seu plano de transição gradual e lenta. Todavia, esse resultado causou grande frustração aos que almejavam a redemocratização34. O jogador de futebol do Corinthians Sócrates, foi um dos maiores símbolos da campanha das “Diretas Já” e motivado pela deceção com o futuro do país, cumpriu sua promessa e aceitou a proposta de jogar no exterior indo para equipe italiana da Fiorentina (Cardoso, 2014).

As eleições indiretas ocorreram como previsto, com dois candidatos: o deputado federal paulista Paulo Maluf do Partido Democrático Social (PDS), e ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O Congresso Nacional elegeu Tancredo com 480 votos contra 180 de Maluf, e 26 abstenções. Entretanto entre a eleição e a posse, Tancredo Neves faleceu, após várias operações cirúrgicas

34 O congressista Dante de Oliveira do Partido Movimento da Democratização Brasileira (MDB) solicitou uma

alteração na constituição brasileira em vigor para, em 1985, existirem eleições diretas para presidente da república, ao invés de esperar até 1989 para realização de tais eleições. Ver em Fausto (2007) e Gomes; Pandolfi e Albertini (2002).

89 criando, um sentimento de deceção e até mesmo uma espécie de mito de sebastianismo brasileiro, sobre como poderia ter sido seu governo.

Após uma série de controvérsias sobre a legitimidade de o candidato eleito como vice- presidente, José Sarney, assumir ou não o governo, em 15 de março de 1985 iniciou-se a 31.ª presidência da República do Brasil. Seu governo foi marcado por crises e sucessivos planos económicos fracassados: Plano Cruzado em 1986, Plano Bresser em 1987 e Plano Verão em 1989. De acordo com Skidmorre, o clima de crise chegou a causar uma fuga de cérebros: “a

desorganização, a corrupção e o caos econômico do governo Sarney solaparam o patriotismo usual. Os brasileiros começaram a votar com os pés. Seus principais destinos eram os Estados Unidos, Japão (...) para Portugal, cuja condição de membro da Comunidade Européia o tornava atraente” (1998 p.277).

Este sentimento de insatisfação citado pelo autor pode ser percebido na música Brasil de Cazuza feita em 1988: “Brasil/Mostra tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim”. Esta canção interpretada por Gal Costa, foi adotada como tema de abertura da telenovela Vale Tudo da Rede Globo de Televisão, escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Os grandes temas desta novela foram a corrupção e a falta de ética. Nesse sentido, a canção de abertura foi muito bem escolhida, e a novela, teve uma grande repercussão no Brasil, alcançando o posto de segunda novela mais vista no país.

A trama marcou também pelo seu desfecho: ao contrário das novelas anteriores produzidas pela emissora televisiva, em Vale Tudo os vilões não foram punidos ou castigados. A personagem Maria de Fátima (Glória Pires) se casa com um nobre italiano gay e vai para a Itália. O outro vilão, Marco Aurélio (Reginaldo Faria), consegue fugir do país num avião particular e, no momento em que o avião está levantando voo, ele faz o gesto de uma banana para o país, numa cena que foi considerada uma das mais famosas da televisão brasileira. De notar que ambos os personagens buscam fora do país uma saída para suas vidas. Estas referências nas novelas do Brasil eram constantes e esta valorização exagerada do exterior deve ter tido a sua parcela na construção de motivos para emigrar.

O ano de 1989 foi o ano em que os brasileiros votaram diretamente para o cargo de presidente da república, após 29 anos sem pleito direto. A campanha eleitoral mobilizou amplos setores da sociedade e foi marcada pela grande quantidade de candidatos. No segundo turno, a disputa ficou entre Fernando Collor de Melo e Luís Inácio Lula da Silva sendo o primeiro escolhido por 53,03% do eleitorado brasileiro. Vários setores ficaram divididos entre as duas propostas antagónicas para presidir o país. A novela “O salvador da pátria” de Lauro

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César Muniz, sofreu alterações ao seu guião original. De acordo com o site da emissora Rede Globo de Televisão:

“Na sinopse original da novela, Sassá Mutema se tornava presidente da República. Devido às eleições presidenciais de 1989, Lauro César Muniz mudou de ideia por sofrer pressão de grupos partidários. A esquerda identificava Sassá Mutema com o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), e achava que o autor deveria dar um tratamento mais condigno ao protagonista, que se mostrava muito manipulável. A direita via em Sassá uma propaganda subliminar que favorecia o candidato petista. A solução encontrada pelo autor foi abrir maior espaço para uma trama sobre uma rede de narcotráfico, em lugar da trama política. Quase no final da novela, revela-se que Bárbara Telles (Lúcia Veríssimo), neta de um influente banqueiro da região – e com quem Severo (Francisco Cuoco) mantinha um caso – é quem comanda a organização ligada ao narcotráfico.”35

Este exemplo serve para ilustrar como o tema envolveu a sociedade brasileira no período e também para sublinhar como a novela no Brasil é uma obra de ficção aberta, que sofre influências e pressões da sociedade em relação ao seu conteúdo, muitas vezes obrigando os autores a modificarem suas sinopses originais devido à audiência. No trecho acima a própria emissora assume a pressão da sociedade em relação ao tema. Relativamente aos costumes, esta questão pode e deve ser também avaliada. Ver como a sociedade brasileira aceita, ou não, determinado tema36, é um indício das preferências ou deferências da população que vê novelas.

Na realização desta pesquisa foi possível relativizar um pouco a classificação da primeira e da segunda vaga de imigrantes brasileiros. Encontramos no arquivo da associação Casa do Brasil de Lisboa a revista Cadernos do Terceiro Mundo, que logo em novembro de 1987, fazia uma capa com a manchete “Brasileiros invadem Portugal”. O artigo correspondente ocupava três páginas com o retrato da nova onda de brasileiros em Portugal.

35 Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/mobile/programas/entretenimento/novelas/o-salvador-da-

patria/trama-principal.htm consultada em 19.01.2015.

36 Nos últimos anos houve uma grande comoção sobre o afeto entre um casal homossexual, após a presença de

personagens homossexuais femininos e masculinos. O beijo gay passou a ser tema de expectativa em relação a qual seria a primeira novela transmitir tal cena. Depois de muitos anos, em 2013, pela primeira vez esta cena ocorreu na novela Amor à Vida. Depois desta cena outras novelas que se seguiram tiveram cenas do mesmo género mas sem a mesma repercussão.

91 A escolha de três símbolos portugueses, o galo de Barcelos e uma caravela, ambos coloridos com as cores da bandeira brasileira, em volta da Torre de Belém, enfatiza a ideia de invasão do território português pelos imigrantes brasileiros. O grafismo da capa buscou complementar a leitura proposta pelos editores da revista, de invasão e das ligações dessa migração com o passado comum de Portugal e Brasil. O texto fazia referência às estatísticas oficiais desta imigração:

“Recente notícia informava que, apenas o consulado português de S. Paulo, aguardavam resposta favorável 20 mil pedidos de cidadãos brasileiros desejosos de emigrar para Portugal. Diariamente, 15 a 20 candidatos à emigração afluem aos serviços consulares portugueses na cidade paulista. Por coincidência, é também de 20 mil a estimativa das autoridades portuguesas e dos consulados em Lisboa e no Porto, quanto ao número de brasileiros já residentes em terras lusitanas, embora nos registos do Serviço de Estrangeiros, do Ministério da Administração Interna, e nos consulados, constassem apenas 7.470, no final do ano passado. As inscrições no consulado brasileiro em Lisboa indicam que a tendência é de aumento: em 1980, foram 342, passando a 525, em 1985 e a 680 em 1986. Só nos oito primeiros meses deste ano, o número já ultrapassou os 600. (Cadernos do Terceiro Mundo, n.º 102, novembro de 1987, p.69).

Nesta reportagem temos a introdução a uma primeira questão complexa relativamente aos estudos sobre a imigração. A discrepância entre os números oficiais e a realidade dos

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indocumentados estava já presente na década de 1980, como afirma este artigo, que lembra, a propósito, que brasileiros não estavam obrigados a apresentar visto de entrada em Portugal. Muitos autores questionam e apresentam números diferentes dos produzidos pelas estatísticas oficiais. Pela nossa parte, observamos que a informação elencada revista em relação a este período é invulgar. No estado da arte sobre a imigração brasileira em Portugal não existe qualquer referência a números tão elevados na década de 1980, a classificação usual é de que a primeira vaga de imigrantes era pequena, composta apenas de profissionais liberais.

Na continuação desta reportagem, outro tema contraria uma ideia habitual nos estudos sobre a imigração brasileira em Portugal em relação à ocupação profissional dos imigrantes. Muitos estudos reforçam a imagem da 1.ª vaga da imigração dos brasileiros como representantes de uma classe média instruída, ocupando postos de trabalhos na área das profissões liberais. Os problemas envolvendo a equivalência dos dentistas brasileiros em Portugal, durante a década de 1990, serviram para fazer destes profissionais qualificados um exemplo de imigrante brasileiro no país (Feldmam-Bianco, 2002, Machado, 2003, Malheiros 2007, Fernandes, 2008). Mas um olhar atento às estatísticas oficiais permite questionar algumas ideias feitas sobre a 1.ª vaga. O título foi “De domésticas a industriais”:

“Daqueles 7.470 brasileiros que constavam das estatísticas oficiais, em fins do ano passado, o grupo mais numeroso é o de estudantes, com 3302, seguindo-se 989 domésticas, (mulheres sem ocupação profissional e donas-de-casa ou casa-dias) 517 profissionais de ofício operários especializados e artesãos) 265 jogadores de futebol, 199 missionários, sacerdotes e religiosos diversos, 186 funcionários públicos (um brasileiro pode tornar-se funcionário público após cinco anos de residência, nos termos da Convenção sobre Igualdade de Direitos, conservando a reciprocidade) 143 comerciantes, 142 professores e 104 empregados de escritórios. Há, ainda 84 empregados de comércio, 65 operários de construção civil, 63 trabalhadores agrícolas, 50 hoteleiros, 38 outros operários, além de 24 industriais, 18 gerentes e 7 pintores de construção civil. As profissões liberais estão bem representadas: são 75 médicos e dentistas, 74 engenheiros, 33 arquitetos e 32 economistas, enquanto 26 cantores e bailarinos profissionais” (p.69).

Como se pode perceber existe uma grande diversidade de ocupações entre esses 7.470 brasileiros contabilizados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal. Isso permite constatar que a diversidade brasileira também se reproduziu na imigração para Portugal37. Beatriz Padilla, abordando o século XXI chama a atenção para a noção de visibilidade ou invisibilidade dos imigrantes brasileiros, relacionando-a com a ocupação profissional: “os

37 Os primeiros estudos sobre a imigração brasileira talvez estivessem muito ligados ao tempo presente, sem

procurar fontes mais sólidas ou um recuo historiográfico necessário para abordar as dimensões de mudanças e continuidades.

93 portugueses sentem uma invasão dos brasileiros, porque muitos os vêem nas lojas, restaurantes etc. E, na realidade, há ainda mais brasileiros do que a maioria das pessoas pensa, porque trabalham nas casas dos portugueses ou nas obras públicas” (2006, p.22).

Este mesmo raciocínio deque, imigrantes brasileiros residentes em Portugal ocupavam lugares no mercado de trabalho em posições de invisibilidade para a maioria da sociedade. Dessa forma relativizamos um pouco a ideia estabelecida de que a primeira vaga seria composta apenas de trabalhadores com grandes qualificações. Aparentemente os dentistas e publicitários conseguiram maior visibilidade que os restantes trabalhadores brasileiros. Uma das razões para essa visibilidade é a inexistência de conflitos corporativos nos setores ligados à construção civil ou ao trabalho de mulheres a dias. A sociedade necessitava de abrir as portas à mão-de-obra não qualificada. No referido estudo sociológico de Esteves (1991) fazia- se menção da qualificação dos imigrantes brasileiros naquele período: “O segundo conjunto, que inclui os nacionais do Brasil e Venezuela, caracteriza-se por um maior peso da mão-de- obra não qualificada ou de qualificação média” (p.48).

A existência de imigrantes brasileiros de baixa qualificação, em 1987, ilumina outras possibilidades a serem exploradas. Em relação a Portugal, não foi encontrada qualquer referência à figura do imigrante brasileiro pioneiro que veio e estabeleceu as primeiras redes de sociabilidade, redes que são muito importantes pois de acordo com Gláucia Assis “um migrante traz um outro, redes de amizade e parentesco que já pré-existentes ao processo migratório são acionadas e contribuem para a reunificação familiar e para a ampliação do tempo de permanência dos imigrantes (…) os brasileiros foram estabelecendo-se e trazendo seus filhos, primos, sobrinhos, amigos (2007, p.2).

Em relação a Governador Valadares existem trabalhos identificando os pioneiros e o início da construção das redes de sociabilidades na década de 1960, ou seja, bem anterior ao grande fluxo estabelecido em 1990 (Siqueira e Assis, 2009). Devemos questionar se o mesmo não poderia ter acontecido no caso da imigração brasileira para Portugal. Em relação aos meus entrevistados, a grande maioria imigrou dentro de uma rede de sociabilidade. Por causa disso, destaco a importância de pensar a imigração brasileira para Portugal no âmbito de uma temporalidade maior do que a utilizada nos trabalhos académicos atuais.

Outro tipo de imigrante pouco estudado, é o jogador profissional de futebol. No artigo citado do Cadernos do Terceiro Mundo, assinava-se o número alto de brasileiros envolvidos no futebol português, onde um em cada seis jogadores da primeira divisão eram brasileiros e

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25% das equipas eram treinadas por brasileiros. Pouco se sabe sobre o que acontece a estes profissionais quando seus contratos acabam. Washington Alves, que jogou em Portugal durante doze anos, de 1974 até 1986, continuou morando no país e seu filho Bruno Alves jogou pela seleção portuguesa nos campeonatos do mundo de futebol de 2010 e 2014. No caso de Bruno, sua naturalização e nacionalidade portuguesa nunca foram colocadas em causa devido ao seu nascimento na Póvoa do Varzim. Entretanto, durante o período abordado existiu, uma série de conflitos envolvendo os brasileiros que foram convocados para jogar pela seleção portuguesa de futebol.

Não é possível relacionar de maneira automática as motivações para imigrar com a questão da crise no Brasil e o sucesso económico em Portugal. Problematizando a questão a partir do estado da arte produzido no Brasil sobre a questão das imigrações brasileiras para o exterior, temos possibilidades de fazer comparações em relação ao que pode ter acontecido em Portugal. Gláucia Assis que trabalhou com os imigrantes da cidade catarinense de Criciúma para os Estados Unidos aponta a importância das redes na decisão de imigrar:

“Portanto, o crescimento do movimento migratório está associado também à conjuntura nacional (crise do câmbio, desvalorização do real em relação ao dólar, desemprego) e ainda à crise enfrentada pelo setor cerâmico, indústria muito importante para a economia local (informações da Prefeitura Municipal de Criciúma). Por outro lado, podemos também atribuir esse crescimento ao amadurecimento das redes sociais, as quais homens e mulheres migrantes estão inseridos em diferentes contextos” (Assis, 2009, p.12).

Quando a pesquisa parte da localidade emissora da migração, encontrar esses personagens pioneiros é possível. Já atuar do local de receção desses imigrantes e fazer o percurso inverso torna-se muito difícil. Por isso não foi objeto dessa pesquisa38. Ao pesquisar as listas telefónicas da Área Metropolitana de Lisboa, pudemos encontrar na década de 1980 uma série de estabelecimentos ligados a brasileiros espalhados em locais como a Costa de Caparica. Ou seja, houve uma primeira e importante penetração de imigrantes em Portugal, pois estes possibilitaram a construção de redes de sociabilidade, utilizadas no final das décadas de 1990 e 2000. Estas estruturas de continuidade foram até agora menosprezadas pelos estudos de sociologia, antropologia e geografia que operaram dentro do modelo de 1.ª e 2:ª vaga das migrações brasileiras para Portugal. Esta questão remete-nos para o alerta de Koselleck sobre as fontes e seus poderes de vetar informações:

38 Não existe qualquer referência no estado da arte sobre a imigração brasileira para Portugal sobre os pioneiros

em relação as redes de sociabilidades, por isso é tão importante o dado descoberto na revista CTM que em 1987 estimava que 20 mil brasileiros estavam morando em Portugal.

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“Uma fonte não pode nos dizer nada daquilo que cabe a nós dizer. No entanto, ela nos impede de fazer afirmações que não poderíamos fazer. As fontes têm poder de veto. Elas nos proíbem de arriscar ou de admitir interpretações as quais, sob a perspectiva da investigação de fontes, podem ser consideradas simplesmente falsas ou inadmissíveis. Datas e cifras erradas, falsas justificativas, análises de consciência equivocadas: tudo isso pode ser descoberto por meio da crítica de fontes. As Fontes nos impedem de cometer erros, mas não nos revelam o que devemos dizer” (2006, p.188).

Utilizando a argumentação do autor, podemos pôr em causa a classificação, estabelecida pelo estado da arte relativamente à ideia de primeira e segunda vagas. Logo, não