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“Mudar de roupa, saudar o cabelo Dormir no carro, todo nu em pelo Dizer que hoje o dia está perfeito Pôr óculos escuros a torto e a direito Pois hoje vou pegar na guitarra É hoje que eu me faço à estrada Olá ó vida malvada Escorrega e desliza Nessa estrada de vento Sempre, sempre, sempre Adeus às praias Cheias de gente E um beijo pra quem fica” (“Vida Malvada”, música de Xutos & Pontapés)

De acordo com o Os imigrantes aos olhos dos portugueses (2012), no que diz respeito às leis de imigração, os anos 80 e 90 são um período de relativa inação, sobretudo no X e XI Governos Constitucionais. É no XII Governo Constitucional que se produzem mudanças importantes (António, 2012, p.103). Olhando para as transformações que a sociedade portuguesa passou na década de 1980, há uma questão incontornável que foi o crescimento económico do país, desenvolvendo-se nessa época um novo tipo de consumo. Sobre esse período o historiador Rui Ramos afirma:

“Em Lisboa, o edifício «pós-modernista» do Centro Comercial das Amoreiras (1985), do arquitecto Tomás Taveira, assinalava o culto do consumo, que os inquéritos oficiais ao conforto mediram: de 1987 a 1994, a proporção de domicílios com telefone passou de 33% a 74%, com máquina de lavar roupa de 44% para 74%, com material fotográfico ou vídeo de 15% para 40% e com automóvel privado de 36% para 54%; cerca de 90% tinham agora frigorífico e televisão” (p.758, 2009).

31 Esta análise realizada neste livro é interessante de um ponto de vista específico dos imigrantes do Estado de

São Paulo, mas não se pode generalizar para toda a imigração brasileira para Portugal, uma vez que este fenómeno não esteve circunscrito a uma região e mesmo os deste local podiam ou não ter o hábito de leitura desses meios informativos.

32 Mas relativizando estes dados de acordo com outras fontes encontradas. A imigração para Portugal foi

diversificada, existiu durante um período a tentativa de balizar estes acontecimentos em dois períodos com características muito estanques.

85 Além da questão económica, um centro comercial muda a relação das pessoas com o espaço público. De acordo com Daniela Ferreira existem três fases distintas em relação aos centros comerciais na AML. A primeira seria de 1970-1979, em que se iniciam pequenos empreendimentos, a segunda fase seria de 1980-1989 onde novamente se destaca o papel do Amoreiras da seguinte forma: “um formato inovador em Portugal. Surge um novo conceito de centro comercial planeado com preocupação no campo do design, da ambiência, do mix comercial e do marketing. O empreendimento que marca esta mudança é o Amoreiras Shopping Center (abertura em 1985)”. A terceira fase seria a de 1990-2005 com o centro comercial Colombo e o centro comercial Vasco da Gama em destaque. Futuramente analisaremos estes centros e seus impactos na Área Metropolitana de Lisboa.

Sobre as transformações ocorridas na sociedade portuguesa na década de 1970, após o fim do Estado Novo, alguns elementos devem ser esmiuçados. Além das questões económicas e da democratização, houve uma importante alteração nos costumes da sociedade. De acordo com Sofia Aboim: “Depois do 25 de Abril de 1974 a liberdade deixou de ser uma miragem e as mulheres ganharam o direito à igualdade, sem mais terem de se subordinar à autoridade do chefe de família, essa figura masculina de eleição durante o Estado Novo” (p.80, 2011). Uma das transformações relacionadas com os costumes esteve diretamente ligada ao Brasil: a transmissão das telenovelas brasileiras em Portugal, que inauguram esse formato na televisão portuguesa.

Em 1977 a rede estatal RTP exibiu a telenovela Gabriela Cravo e Canela e houve uma grande repercussão social ao seu redor. Segundo Isabel Cunha, os meios de comunicação social revelaram audiências altíssimas e até o primeiro-ministro, Mário Soares, ou o secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal, assumiam ser telespectadores assíduos. Na vida privada do público também houve alterações incentivadas e alimentadas pela novela:

“Um primeiro indício de alteração é a adopção de novos ritmos domésticos pautados pelos horários de exibição; um outro indício é a interrelação entre novas propostas de consumo — como os refrigerantes Pepsi e Coca-Cola, os êxitos da trilha sonora ou tipo de penteados femininos — e a telenovela; um terceiro indício de alteração manifesta-se nos constrangimentos, nas surpresas ou nas expectativas perante a visualização de novas formas de sensualidade e sexualidade. Nesta perspectiva, Gabriela teve um papel importante ao dar a ver as relações de poder existentes não só entre as classes sociais como, no interior destas classes, entre homem/mulher, nomeadamente no casamento e na sexualidade” (Cunha, 2005, p.19).

O produto televisivo novela brasileira, teve muito impacto na sociedade portuguesa, com índices de audiência extremamente altos ao longo dos anos. A telenovela foi deixada de lado enquanto fenómeno social nos estudos científicos devido a preconceitos e questões

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estéticas, que atribuíam a esses produtos apenas a condição de “cultura popular” ou de massas. Entretanto Jesús Martin-Barbero alertou para o facto de esta visão ser limitada e deixar de lado uma série de elementos ricos:

“[…] a televisão ocupa nas dinâmicas da cultura cotidiana das maiorias, na transformação das sensibilidades, nos modos de construir imaginários e identidades. Pois, se gostamos ou desgostamos de televisão, sabemos que é, hoje, ao mesmo tempo o mais sofisticado dispositivo de moldagem e deformação da cotidianidade e dos gostos dos setores populares, e uma das mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficas do mundo” (2004, p.27).

Durante todo o período estudado houve um grande consumo de novelas brasileiras por parte da sociedade portuguesa. Essas novelas inegavelmente alimentaram o imaginário coletivo e o senso comum com diversas leituras de imagens e estereótipos criados pelas redes de televisão daquele país, que são construções sobre aquela sociedade. À sociedade portuguesa foi apresentada a uma leitura do Brasil e do seu povo, repleta de preconceitos, racismos, homofobia, desigualdade de género, entre outras questões graves que envolveram as produções de novelas brasileiras ao longo da sua história.

Em variados momentos da história da imigração brasileira para Portugal houve associação entre personagens das novelas, e os imigrantes que vinham do Brasil, como, por exemplo, em dois casos detalhados no capítulo sete. Nas manifestações dos estudantes de medicina dentária de Coimbra houve cartazes escritos com a frase: “Fora Zeca Diabos” relacionando o vilão e assassino profissional da telenovela O Bem-Amado com os dentistas brasileiros. Em relação à atuação da Igreja Universal do Reino de Deus, um jornalista utilizou a seguinte frase: “eles usam o sedutor sotaque brasileiro das novelas para enganar os pobres”. Carlos, um dos meus entrevistados que chegou em 2002 a Portugal, quando tinha 16 anos, relatou sobre os portugueses e sobre as novelas: "Esse amigo meu português dizia: “Aqui a gente é nutrido pela imagem do Brasil novelesca. O que a gente via do Brasil era aquilo da televisão e ai chegou aqui esse pessoal todo diferente a gente teve um choque". Ao longo de diferentes momentos a sociedade portuguesa vai relacionar o imigrante brasileiro com personagens das novelas brasileiras.

A década de 1980 em Portugal foi marcada por inúmeras transformações ainda decorrentes dos desdobramentos da Revolução dos Cravos de 1974, como a exibição de produtos culturais novos na televisão e também a produção artística musical sem censura. Outros exemplos foram o aumento do consumo e, a criação do grande centro comercial Amoreiras. São porém transformações mais ligadas ao fim do Estado Novo e à

87 democratização da sociedade portuguesa do que à entrada na CCE. Nesse sentido, a década de 1990 vai conhecer as transformações de um Portugal europeu.