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"a maioria ocupou a área da construção, seguida do grupo das empregadas domésticas e do setor de limpeza (que se pode assumir como do sexo feminino), tendo ainda o terceiro grupo composto daqueles que trabalharam nos setores de restaurantes (bares, restaurantes e cafés) e hotelaria. Outro aspecto interessantes a salientar é que os primeiros dois grupos são em geral invisíveis, em contraste com os trabalhadores das áreas de hotelaria e restaurantes, “que dão a cara” e se mostram. (…) Na óptica da percepção dos portugueses, já que indica dois fenômenos opostos." (Padilla, p.22, 2006.)

Para concluir este último período de 2001 a 2007, utilizaremos duas fontes diferentes para tratar de dois assuntos que se entrelaçam com o tema principal da tese. O primeiro aconteceu em março de 2007, em um evento promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian sobre a imigração em Portugal. O segundo é uma música de um membro dos Da Weasel, chamada Negócios estrangeiros, que também aborda a imigração e o tratamento das autoridades governamentais por outro viés.

Mesmo com vários autores a atestar a mudança da sociedade portuguesa em relação aos imigrantes, algumas coisas indicam que ainda existe um longo caminho a percorrer. Em março de 2007, a renomada Fundação Calouste Gulbenkian, organizou um grande evento sobre o tema da imigração, com a presença de autoridades. Estiveram presentes o então primeiro-ministro José Sócrates, o presidente do Congresso de Deputados da Espanha e o embaixador do Brasil, Luiz F Lampreia. O nome do evento foi Imigração: Oportunidade ou ameaça?

Em 2007 considerar a possibilidade de abordar o tema da imigração como uma ameaça é de uma infelicidade muito grande. Depois de tantos anos de lutas dos imigrantes

133 para serem vistos e compreendidos pela sociedade portuguesa enquanto seres humanos e cidadãos, promover um debate baseado em uma solução binária oportunidade ou ameaça, não faz nenhum sentido e é um retrocesso64.

A partir da visão económica da situação, afinal esse imigrante pode gerar alguma coisa para o país de recebimento? Ou ele é só uma ameaça à sua economia, por ser mais um a utilizar os serviços do Estado? O presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Emílio Rui Vilar, abriu dessa forma a conferência: “A interrogação do título da conferência de hoje «Imigração: Oportunidades ou Ameaça?» deixa transparecer a complexidade do fenómeno das migrações” (p.15). Antes de negar a ideia de ameaça e valorizar a questão da oportunidade, ele reforça a ideia de que é complexa a decisão entre oportunidade ou ameaça. Novamente o substantivo “ameaça” reforça a ideia imperialista de que os imigrantes são bárbaros incivilizados e por isso transmitem medo à sociedade portuguesa.

Outros participantes da conferência manifestaram suas opiniões de forma mais clara e incisiva. José Sócrates, na época primeiro-ministro, afirmou: “É por isso que a nossa visão deste fenómeno é uma visão positiva, uma visão optimista e uma visão aberta. (…) No fundo, com o paradigma que somos todos imigrantes sendo este um novo paradigma que assumimos nas políticas que nos cabe executar no que diz respeito à imigração” (2007. p.23). A sua intervenção utiliza as palavras “positiva”, “otimista” e “aberta”, expressões bem diferentes de ameaça. Outro participante que também se expressou assim foi o ex-Primeiro Ministro de Moçambique, Joaquim Chissano: “a imigração tem também consequências positivas assinaláveis, tanto para os países que enviam os imigrantes como para os que recebem. Neste sentido, ela constitui uma oportunidade que deve ser convenientemente aproveitada em benefício de todos” (2007, p.37).

A segunda questão sobre as migrações na década de 2007 relaciona-se com a questão do espaço na cidade de Lisboa. Como já foi referido, a imigração brasileira está presente em várias regiões da área metropolitana de Lisboa, entretanto, apesar disso, existem locais onde, devido a fatores variados, acabam se tornando polos de atração ou locais de encontro, entre os imigrantes. O bairro do Intendente sofreu, nos anos de 2011 e 2012, grandes remodelações urbanísticas por parte da Câmara municipal (Ferro, 2014, p.53).

64 Outra referência que poderia ser utilizada para «oportunidades» «ameaças», a metodologia utilizada no meio

empresarial e planejamentos ambientais: Análise S.W.O.T. é a sigla dos termos ingleses Strengths (Forças), Weaknesses (Fraquezas), Opportunities (Oportunidades) e Threats (Ameaças). A técnica de análise SWOT foi elaborada pelo norte-americano Albert Humphrey, durante o desenvolvimento de um projeto de pesquisa na Universidade de Stanford entre as décadas de 1960 e 1970.

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De acordo com Ferro, o bairro sempre foi um local marginalizado na cidade de Lisboa e com uma população muito heterogénea (2014, p.54). Inegavelmente, o bairro é repleto de opções de mobilidade urbana, com metro, autocarro e linha de elétrico. Além disso, está muito próximo de locais turísticos entre outras localidades, todas essas condicionantes facilitaram a concentração dos imigrantes neste bairro. O governo português, ciente dessa concentração, na hora de escolher o local onde seria instalado o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI) do Alto Comissariado para Imigração e Minorias Éticas (ACIME), escolheu justamente esse bairro. A letra da música a seguir também aponta como este local era repleto de imigrantes dos mais variados locais:

"Já foi ao Intendente, Sr. Presidente?

Não vá em visita de Estado, deixe o carro blindado na garagem, Dê folga aos guarda-costas,

Finja que vai de viagem e apanhe o metro, Saia no Martim Moniz e caminhe,

Faz bem caminhar, apanhar ar, respirar. Passear no Intendente é um passeio original, È um passeio diferente sem sair de Portugal.

Vá para fora cá dentro, vá aos subúrbios do Mundo no centro da cidade

Igualdade, integração social, seja por 10 minutos um emigrante ilegal, como se chegasse do Brasil, do Paquistão.

Vá ao Intendente e invente uma solução que satisfaça aos que já chegaram e chegarão.

Mesmo que não tenha vontade de ir, vá ao Intendente, Sr. Presidente. Aprenda, para chegar é sempre preciso partir.

Já foi ao Intendente, Sr. presidente?

Não leve a sua comitiva, não leve o telejornal Leve-se a si próprio e avance natural,

Como se não fosse ignorado

Vá num dia normal ou num feriado, mas vá. Por lá sua presença é urgente, no Intendente.

Tem pouca diferença de uma Assembleia das Nações Unidas. A sua presença pode ajudar a salvar vidas vindas da

Ucrânia, da Roménia, Moldávia, Moçambique, Cabo Verde e Angola.

Porque o Mundo, Sr. Presidente, não é mais do que uma bola, talvez colorida, talvez entre as mãos de uma criança.

Mas esse mesmo Mundo, Sr. Presidente, perde cor todos os dias.

Quando eu largo, nesse largo, que eu largo, quando eu largo, no Intendente."

(Da Weasel)

Os Da Weasel chamaram a esta música “Negócios Estrangeiros”, expressão que, em Portugal, se refere às relações internacionais entre o país e o resto do mundo, acentuando a condição do bairro do Intendente ser uma reunião de pessoas de vários países. Esta música faz

135 um convite ao Presidente da República, na altura, Aníbal Cavaco Silva, para conhecer o bairro com mais imigrantes de Lisboa. A letra denúncia das péssimas condições de vida dos imigrantes que lá se encontram, com a mensagem de que a presença do Presidente é urgente e pode salvar vidas.

Na música, estão retratadas as grandes correntes imigratórias que chegavam a Portugal em 2007: Brasil, Paquistão, Ucrânia, Roménia, Moldávia, Moçambique, Cabo Verde e Angola. Como destacámos anteriormente, em 2007 existia na sociedade lisboeta a sensação de uma grande quantidade de imigrantes estrangeiros na cidade. Como também foi abordado aqui, a manifestação contra a marginalidade, convocada por organizações ultranacionalistas, escolheu começar na praça do Martim Moniz exatamente pela possibilidade de confronto com os imigrantes que lá residiam.

Na letra da música acima existe, além dessa constatação, uma preocupação em relação à condição de vulnerabilidade da vida dos imigrantes ilegais no bairro do Intendente. Esta composição serve como um epílogo sobre o nosso período estudado. Se, no início, os autores académicos reconhecem que Portugal agora está mais intercultural, devido às migrações internacionais, Negócios Estrangeiros reforça o documentário de Sérgio Tréfaut - intitulado Os Lisboetas - que levanta o véu sobre a existência de novos lisboetas que têm no seu dia a

dia uma série de dificuldades para enfrentar neste novo país.