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A ideia de representação e suas variações

2.3 A necessidade de adequação terminológica

2.3.3 A ideia de representação e suas variações

É necessário ainda, em continuidade com a reflexão anterior sobre a propriedade dos atos, fazer mais algumas distinções com relação à matéria do ato, de modo que a estrutura fenomenológica das vivências intencionais fique o mais clara possível. Uma destas distinções compreende as variações do conceito de representação, até chegar ao seu gral de vivência pura. Para este tipo de análise descritiva, Husserl parte do principio geral de Brentano, de que toda vivência intencional ou é uma representação, ou tem por base uma representação. “Dito com mais precisão, o sentido desta notável proposição é de que, em cada ato, o objeto intencional é um objeto representado num ato de representar [...]” (HUSSERL, 2012b, p. 368).

Na representação, a matéria de um ato fundante se dá num representar simples. Isso equivale a dizer que uma vivência intencional, só é enquanto tal, porque nela está uma vivência de ato de representar, o que lhe faz surgir um objeto e ser a própria vivência deste objeto. O objeto “inexisteria” se a consciência não efetuasse o ato de representar, o que o torna algo apreensível à consciência, como coisa que pode ser sentida, vivenciada, percebida, amada, etc. Os atos que possuem o mesmo conteúdo acabam tendo, naturalmente, a mesma representação como base, e os que formam representações diferentes, têm por base conteúdos diferentes.

Husserl observa que nem todo conteúdo possui a mesma equivalência intencional. Sendo separados por conteúdos enquanto objeto e conteúdo enquanto matéria. O primeiro segue os princípios do psicologismo, e o segundo, os princípios da fenomenologia. Como já vimos até aqui, intencionalmente, um objeto jamais pode estar na representação, mas somente representado nela.

Que uma representação se refira a um certo objeto de um certo modo é algo que ela não deve certamente a uma atividade exercida sobre o objeto, existente e por si, que está fora dela, como se ela se ‘dirigisse’ sobre ele em sentido próprio, ou como se ela tivesse de fazer algo nele ou com ele, digamos, como a mão que escreve o tem com a pena; ela não deve, em geral, esta relação com o objeto a qualquer coisa que permanecesse como que fora dela, mas apenas e exclusivamente à sua particularidade própria. (p. 375)

Há uma autonomia e independência da consciência representacional, correspondente ao que nela há de intencional. O caráter qualitativo de uma representação, não tem, em si, qualquer relação com o objeto representado. É impossível, pelo componente significativo de uma representação, pensar uma representação sem o conteúdo representado.

O que se aplica ao ato intencional é uma separação cognitiva dos campos da experiência empírica ao das descrições fenomenológicas puras.

Esta exclusão realiza-se ‘eo ipso’ pelo próprio fato que a visão fenomenológica de essência, enquanto ideação imanente com base na intuição interna, se realiza de tal modo que o olhar ideador se orienta exclusivamente para a consistência própria, real e intencional, da vivência observada, e leva a intuição adequada a essência específica da vivência que (portanto, ‘aprioristicas’, ‘ideais’) que lhe correspondem. (p. 379)

A evidência não está na simples experiência interna do objeto, dando aos atos uma existência real, mas tão somente no complexo intencional de uma vivência, com suas particularidades de gênero, qualidade e matéria.

Um caso especial de análise intencional de grande importância se apresenta no juízo, com sua propriedade de asserir algo. Por meio desta asserção estamos convencidos de sua presença ideal em nossa representação, não há espaço para o dúbio ou o contraditório, como eventualmente pode ocorrer na percepção “externa”. O conteúdo “julgado” é totalmente presente a nós, “Ninguém duvidará de que, para cada juízo, (a priori, dito na generalidade de essência) haja uma representação que tenha em comum com ela a matéria e que represente precisamente o mesmo exatamente da mesma maneira que o juízo que julga” (p. 384).

Algumas destas especificações sobre a teoria da representação são importantes para a própria definição de ato intencional77. Nesse sentido mais especifico, ela está vinculada a       

77

Husserl (2012b, p. 92-93) faz uma serie de detalhamentos sobre a ideia de representação na fenomenologia, nem sempre expressada de modo suficientemente claro. Não entraremos nas suas especificações, o que é importante deixar claro é quanto à essencialidade dos atos e sua idealidade fenomenológica. Como observa E. Levinas, sob a interpretação que Husserl faz do conceito de representação de Brentano, como simples apresentar- se de um objeto, “Ele entende ali, segundo Husserl, este ato chamado mais tarde de ato neutro e do qual a natureza consiste em apresentar uma simples imagem do objeto, onde o objeto aparece fora de toda pretensão à existência ou não-existência. Todo caráter de ‘belief’ humiana está ausente. A imagem plana diante de nós, sem que nós nos pronunciemos sobre sua existência ou sua não-existência”. Nesta mesma obra, segundo Levinas (p.

qualidade e matéria do ato. Os apontamentos que seguem visam somente salientar sua importância na definição de consciência e sua referência intencional.

A primeira definição de representação se enquadra no que vimos até agora acerca da teoria do ato, ou mesmo, na qualidade de qualquer ato, seja o juízo, o desejo, a dúvida, etc. O outro sentido de representação não seria propriamente o ato, mas sua matéria, que constitui essencialmente sua própria intencionalidade, com sua matéria representativa, “[...] também aqui distinguimos entre a peculiar disposição deste simples representar, o simples ter em suspenso, e a determinação que constitui o que é compreendido neste ato de compreender”, (HUSSERL, 2012b, p. 396).

Husserl, na declaração em que Brentano afirma, como visto anteriormente, que uma vivência intencional ou é uma representação ou tem por base uma representação, chama atenção para os diferentes sentidos que o termo representação pode assumir. O sentido mais original e puro seria o segundo, onde a vivência tem por base uma representação, pois apresenta, por sua evidência autêntica, toda a matéria.

Em seu sentido último a ideia de representação, para Husserl, deve ser regida por leis ideais.

[...] das correspondentes essências de atos, ideativamente captáveis, essências que tem o seu ser e a sua ordem legal de ser no domínio da idealidade fenomenológica, do mesmo modo que os números puros e os tipos puros de construção geométricas o têm no domínio das idealidades aritméticas ou geométricas. (p. 407)

A concepção de representação fenomenológica está regida por leis ideais, que se fundam na própria forma do pensamento, em suas categorias que ordenam o próprio modo de pensar. Um dado importante na compreensão de uma representação é quanto ao teor de atenção dado no ato de apreender, um componente intrínseco da descrição fenomenológica.

       95, tradução nossa), Husserl distingue outras concepções de representação, como, por exemplo, a de nomear um nome, “Esses atos, Husserl os chama atos nominais, mas ele não quer identificar a representação com a noção gramatical do nome. A maneira especifica da qual o objeto é pensado no ato de nomear um nome – caracteriza uma esfera mais larga de atos, esfera que ultrapassa aquela do simples nome”.