3. Revisão bibliográfica e levantamento webgráfico sobre elementos motivacionais, saberes e
3.2 Levantamento webgráfico
3.2.1 Um olhar sobre os plantadores no contexto de reportagens
Para iniciar a análise, em um universo de cerca de 200 reportagens, selecionamos um total de 15. Isso se deve ao fato de muitas reportagens disponíveis no rol do grupo enfocarem ações de Organizações Não Governamentais (ONG), ações governamentais, ações de grupos de voluntários, e outras, não sendo estas ações o enfoque de nossa pesquisa, e sim, aquelas que envolvam os sujeitos individuais.
Estas 15 reportagens foram dispostas no Quadro 1, que apresenta o título da reportagem, o veículo de publicação, e um breve resumo do teor central da reportagem.
Nº Título Veículo Tema da reportagem Data de publicação (1) Adolescente cultiva mudas de árvores dentro de apartamento em Carapicuíba
Bom dia São Paulo Adolescente planta mudas de árvores nativas em seu apartamento após ter fundado o grupo "amigos do verde", em que recebe sementes nativas, tendo o objetivo posterior
de tornar Carapicuíba uma cidade mais "verde". 201513
(2) O homem que freou o deserto: uma lição para o mundo
Portal Paisagismo Digital
Homem aplicou técnicas e saberes tradicionais para tornar férteis áreas desérticas, no
Saara 201514
(3) Professor da
Universidade de Syracuse, em Nova York, Sam Van Aken vem há anos se utilizando da antiga técnica do enxerto
Portal Último Segundo- IG
Professor universitário se vale de técnica popular de enxertia para criar árvores que dão 40 tipos de frutas
201515
(4) Sem Gastar Um Real, Produtor Recupera 20% De Mata
Portal do Jornal de Boas Notícias
Agricultor recupera área anteriormente degradada por sua família para fazer cultivos.
201516
(5) Você conhece o homem que plantou 500 mil árvores sozinho?
Comunidade no Facebook do portal
Ciclo Vivo
Ecologista e Educador Ambiental já plantou cerca de 500 mil plantas ao longo de 29
anos. 201517
13
Disponível em https://globoplay.globo.com/v/4231346/. Acesso em 11. Jan. 2018.
14 Disponível em https://paisagismodigital.com/Noticias/Default.aspx?in=412. Acesso em 11. Jan. 2018. 15
Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/2015-08-03/professor-holandes-cria-arvore-que-da-40-tipos-de-fruta.html. Acesso em 11. Jan. 2018.
16
Disponível em http://jornaldeboasnoticias.com.br/sem-gastar-um-real-produtor-recupera-20-de-mata/. Acesso em 11. Jan. 2018.
Nº Título Veículo Tema da reportagem publicação
(6) Morador de
Pirassununga
aproveita todo espaço que encontra para plantar árvores
Jornal da EPTV
Morador se inspirou em uma placa com seguintes dizeres em estações ferroviárias: "Todo aquele que antes de morrer plantou uma árvore não viveu inutilmente". A
partir disso passou a plantar. 201618
(7) Noiva indiana pede 10 mil árvores ao invés de ouro como presente de casamento
Portal Ciclo Vivo A noiva planta árvores desde criança. Ela aponta como seu disparador uma ligação
emocional com o ambiente 201619
(8) Norte-americano vai correr os 50 estados dos EUA plantando árvores
Portal Ciclo Vivo Jovem viajará 50 estados dos EUA plantando 50 árvores em cada localidade
201620
(9) Biólogo planta três mil mudas e recupera sozinho 20 mil metros quadrados às margens de lagoa
Portal O Globo Biólogo e Educador Ambiental recuperou as margens da lagoa do Itaipú, em Niterói- RJ, plantando cerca de 20 mil m² de vegetação.
201621
(10) Pescador se torna plantador de árvores na represa de Salto Grande
Portal G1 Inicialmente para esconder o estaleiro de pesca, mas se apaixonou pelas árvores e se tornou hobby, onde ser tornou voluntário.
201622
18Disponível em http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/jornal-da-eptv-2edicao/videos/t/edicoes/v/morador-de-pirassununga-aproveita-todo-espaco-que-encontra-para-
plantar-arvores/4726627/. Acesso em 11. Jan. 2018.
19
Disponível em http://ciclovivo.com.br/noticia/noiva-indiana-pede-10-mil-arvores-ao-inves-de-ouro-como-presente-de-casamento/. Acesso em 11. Jan. 2018.
20
Disponível em http://ciclovivo.com.br/noticia/norte-americano-vai-correr-os-50-estados-dos-eua-plantando-arvores/. Acesso em 11. Jan. 2018.
21Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/bairros/biologo-planta-tres-mil-mudas-recupera-sozinho-20-mil-metros-quadrados-as-margens-de-lagoa-17191039. Acesso em
11. Jan. 2018.
22
Disponível em http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2015/10/pescador-se-torna-plantador-de-arvores-na-represa-de-salto-grande.html. Acesso em 11. Jan. 2018.
Nº Título Veículo Tema da reportagem publicação
(11) Empresária cria projeto ‘Plantando por aí’, e já semeou mais de 500 árvores este ano
Blog "Fazer o Bem" A empresária afirma sempre ter cultivado, idealizou melhorar o mundo plantando árvores, e busca a partir do projeto de voluntariado melhorar os locais de
convivência, semeando em locais baldios. 201623
(12) Quando uma mente criativa resolve mudar o mundo
Portal Adnews Passou a morar em São Paulo, onde sentiu necessidade de se conectar com a
natureza, passando a realizar plantios em locais "disponíveis" 201624
(13) Homem plantou sozinho uma floresta no meio da Serra da Mantiqueira
Portal G1 Agricultor durante 43 anos recuperou área de preservação e de nascentes na Serra da
Mantiqueira. 201625
(14) Vereador eleito em São Gabriel da Palha planta uma árvore para cada voto seu.
Portal R7 O candidato buscou Inspiração em outro candidato derrotado, e almeja sensibilização
para pautas ambientais. 201626
(15) Mecânico decide plantar milhares de mudas para reflorestar margens de rios
Portal Gazetaonline Ele perdeu a esposa com câncer, e preencheu seu vazio interior plantando árvores em
margens de rios. 201627
Quadro 1- Sistematização das reportagens. Fonte: Elaborado pelos autores
23 Disponível em https://blogfazerobem.wordpress.com/2016/10/28/empresaria-cria-projeto-plantando-por-ai-que-ja-semeou-mais-de-500-arvores-este-ano/. Acesso em 11.
Jan. 2018.
24
Disponível em http://adnews.com.br/publicidade/quando-uma-mente-criativa-resolve-mudar-o-mundo.html. Acesso em 11. Jan. 2018.
25
Disponível em http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2016/06/homem-planta-sozinho-uma-floresta-no-meio-da-serra-da- mantiqueira.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=grep. Acesso em 11. Jan. 2018.
26
Disponível em http://www.rsim.com.br/vereador-eleito-em-sao-gabriel-da-palha-planta-uma-arvore-para-cada-voto-recebido/. Acesso em 11. Jan. 2018.
27
Disponível em https://www.gazetaonline.com.br/noticias/cidades/2016/04/mecanico-decide-plantar-milhares-de-mudas-para-reflorestar-margens-de-rios-1013937074.html. Acesso em 11. Jan. 2018.
Com base no quadro exposto, iniciamos o olhar sobre ele fazendo emergir dois grandes eixos que enquadram os atores quanto ao motivo principal disparador de suas ações de protagonismo ambiental. São eles:
a) Saberes e fazeres tradicionais, saber científico ou técnico ou diálogo entre ambos os saberes: Os saberes tradicionais bem como os saberes científicos ou técnicos estão explicitamente citados neste eixo como disparadores do protagonismo dos atores envolvidos ou ainda há claramente um diálogo entre estes dois grandes grupos de saberes como disparador.
b) Pertencimento, sensibilização e ligação emocional: Neste eixo, os atores envolvidos explicitam seus sentimentos de quererem melhorar seus locais de vivência, melhorar a qualidade de vida e o convívio, lançando mão, para tanto, de ações de plantio. São também enquadrados nele, os atores que apontaram sensibilização pela causa ambiental em algum momento, por algum motivo; ou tiveram curiosidade em plantar e gostaram do resultado e não pararam nunca mais, e que passaram a ter uma ligação emocional com as suas ações. Organizamos o seguinte quadro por efeito de síntese:
Eixos Descrição Reportagens integrantes (nº)
(a) Saberes e Fazeres Tradicionais, saber científico ou técnico ou diálogo entre ambos os saberes.
2, 3, 5 e 9
(b) Pertencimento, sensibilização e ligação emocional.
1, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13 e 15
Quadro 2- Organização das reportagens, a partir de eixos disparadores das ações dos plantadores. Fonte: Elaborado pelos autores
No eixo (a) “Saberes e Fazeres Tradicionais, saber científico ou técnico ou diálogo entre ambos os saberes” encontramos quatro exemplares, sendo o primeiro, citado na reportagem (2), um caso clássico de um homem que se valeu de conhecimentos antepassados para recuperar uma região desértica, adaptando-os aos tempos atuais, fazendo experimentações e melhorando o método. A reportagem (3) guarda uma curiosidade que se deve ao fato da técnica de enxertia ser uma técnica milenar de cultivo, e, portanto, um conhecimento tradicional, que fora empregado por um professor universitário, que, por sua vez, aproveitou-se de seu conhecimento técnico. Eis um caso clássico de simetrização de
saberes, e de diálogo entre eles. Agrupa também as pessoas com formação técnica que valem de suas formações para realizar ações de protagonismo ambiental, como por exemplo, as reportagens (3), (5) e (9).
Pensamos que os saberes expressos se relacionam de acordo com os diálogos entre saberes de Fleck (2010), uma vez que saber científico e os saberes populares dialogam, fornecendo ricas visões de mundo, formando um grupo denominado “diálogo entre saberes”. Além disso, pessoas possuem conhecimentos emaranhados, umas afloram mais um determinado saber ou outro, mas mesmo uma pessoa que tenha predominância de um pensamento científico-acadêmico, e percebe-se como agente de transformação do seu meio é porque se reconhece como ser inserido em uma tessitura social. A ciência neutra ou a visão cientificista é desprovida de tessitura social, uma característica que emana do popular.
Boaventura de Sousa Santos (2009) ajuda no entendimento de tal aspecto quando esmiúça que o saber mais útil para certa questão é aquele que sobrevive à prática, ou seja, aquele que se apresenta melhor para a solução do problema em questão. O que vemos nestas reportagens é que todos os saberes são igualmente importantes, sendo que a reportagem que retrata o ator que solucionou problema de sua comunidade no deserto se valendo de saberes tradicionais nos posiciona este valor prático dos saberes, pois talvez um acadêmico em situação semelhante não conseguisse enxergar meios de solução. Em contrapartida, as reportagens que trouxeram atores com alto grau acadêmico que se valeram disto para plantar, nos apontou que o conhecimento científico que adquiriram em anos de estudos - aliados a talvez um sentimento de pertencimento e uma sensação de querer melhorar o local onde viviam – mostrou-se válido naquela prática. Assim, para o autor, tal coexistência de saberes é uma ecologia de saberes, ou ainda, para Leff, seria um saber híbrido, como resultado de uma mistura de vários saberes.
A seguir, em (b) “Pertencimento, sensibilização e ligação emocional” temos a maior incidência de reportagens, que são agrupadas por tratarem de temas relacionados ao sentimento de pertencer ao local e querer o melhor dele, sendo coerente com o núcleo teórico composto pelos escritos de Enrique Leff. Nos ditos de Boaventura de Sousa Santos, pensamos que este eixo agrega práticas regionalizadas e locais, portanto, configurando uma valorização de práticas para além de uma escala estritamente global e hegemônica, apresentando indícios de uma ecologia de trans-escalas.
A reportagem (1) remonta do adolescente 28 que planta árvores em seu apartamento e possui um grupo de voluntariado que se configura em uma rede de troca de sementes. O intuito do jovem é melhorar a convivência da cidade de Carapicuíba, tornando-a mais “verde” a partir de plantas nativas da região. A reportagem (11) exprime a iniciativa da empresária que, ao renovar votos ao findar do ano, imaginou fazer uma promessa que fosse boa não apenas para si própria, mas para todas as pessoas, assim, passou a plantar em locais baldios. Na menção (13), temos o agricultor que sozinho reflorestou uma parcela da Cantareira, e se orgulha das cascatas de água que surgiram no local e fornece água para o sustento de muitas pessoas. A reportagem (12) é um caso clássico deste eixo, que é da pessoa que passa a morar na cidade e sente-se mal pela desconexão com a natureza e passa a plantar para tornar o ambiente cinzento mais agradável.
A reportagem (15) traz o homem que se sentiu vazio após perder a esposa e encontrou razão de vida plantando árvores. Já na reportagem (6), o ator despertou a sua vontade de plantar ao ler uma citação em uma estação férrea. Na reportagem (7), a noiva indiana troca os presentes por árvores, alegando forte ligação emocional com o ambiente. Por sua vez, na reportagem (10), o pescador começou a plantar para fazer sombra em seu local de pesca, mas se apaixona pelo resultado e faz disso um hobby. Por último, a reportagem (4) merece destaque, pois, o agricultor se liga emocionalmente para recuperar uma região previamente degradada pela família na ocasião de terem derrubado a vegetação para exercer agricultura convencional. Duas reportagens (8) e (14) destoam muito das questões estudadas, e, portanto, não foram agrupadas.
Este eixo se relaciona fortemente com a concepção de pertencimento e território, onde a conjunção dos saberes e costumes locais, simbolizados pelas árvores nativas, e o sentimento de querer melhorar o ambiente onde se vive é o eixo integrador entre estes plantadores.
A questão da sensibilização e ligação emocional está também relacionada de certa maneira com noções de pertencimento, pois o sentimento de ligação com ambiente remete à ligação com a natureza. Todo arcabouço teórico discutido aponta para a direção desta interligação, em oposição à visão hegemônica da sociedade atual, referendado ao olhar as motivações expressas nas reportagens.
28 Selecionamos este plantador para entrevista, pois, segundo nossos critérios mora em uma cidade que está
Por sua vez, o sentimento de desligamento remete a uma visão ocidentalista e materialista, que retira os aspectos socioambientais, e enxergam a relação puramente extrativista.
Os dois eixos estão fortemente correlacionados entre si, pois os saberes e fazeres contidos explicitamente no eixo “a” são partes integrantes da noção de pertencimento do eixo “b”, tal como apontada por Leff, uma vez que as pessoas se sentem pertencidas, inseridas em uma comunidade quando se veem respeitadas quanto às suas culturas, saberes e seus fazeres, bem como tendo seu próprio espaço físico, sua casa e sua terra.
Outra questão que chama atenção é que de 15 reportagens, 13 mencionavam ações de plantadores do sexo masculino e apenas 2 do sexo feminino. Isto faz emergir outras questões: Seria esta uma tendência que encontraremos na nossa pesquisa de campo? Se for verdade, por que haveria poucas plantadoras? Boaventura de Sousa Santos argumenta que os valores do paradigma vigente se remetem ao patriarcado, à cristandade e aos valores do ser humano ocidental, isto em partes pode justificar tal resultado, configurando possivelmente uma monocultura de naturalização das diferenças.
Deste modo, tal seção reafirma a importância de nossa pesquisa para trazer luz às questões, fornecendo subsídios acadêmicos para o entendimento da temática, inspirando futuras ações de Educação Ambiental, tal como, a pesquisa webgráfica demonstra que o referencial permite trazer importantes lentes para a compreensão do tema.
Na ocasião da pesquisa de campo, que será mais bem detalhada a seguir, estabeleceremos pontos de contato entre os plantadores que entrevistamos e os dados obtidos nas revisões web e bibliográficas. Além disso, por ocasião dos nossos critérios metodológicos que serão explicitados na próxima seção, selecionamos o plantador relatado na reportagem 1 para entrevista, por ele morar em uma cidade que estava dentro do nosso espectro de escolha.
A seguir, discutiremos o percurso metodológico da pesquisa de campo, bem como seus resultados.