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Como se pode constatar pela caracterização do contexto do estudo, grande parte da população residente no Casal da Mira é oriunda dos PALOP(s), pelo que a imigração, associada às questões familiares é um tema a considerar.

No que se refere à mulher imigrante, tal como o homem, enfrenta os mesmos problemas, como imigrante. No entanto, relacionado com as questões de género experimentam outras dificuldades. As mulheres estão mais expostas a riscos na área da saúde, mas também riscos de exploração sexual e também de exploração no mundo do trabalho, tendo menos possibilidades de ascensão social.

Estas mulheres acumulam várias formas de discriminação, enquanto imigrantes e enquanto mulheres, pois para além de serem confrontadas com as desigualdades de género, deparam-se também com as barreiras étnicas e racistas da sociedade de acolhimento.

Morokvasic, autora de uma das primeiras obras que se debruçou sobre a imigração feminina, defende que “a posição das mulheres imigrantes e ou de minorias étnicas nas sociedades industriais desenvolvidas é determinada pela articulação de diferentes relações de poder, sendo as mais importantes as relações de género e de classe e a relação entre estas mulheres e o estado-nação, seja enquanto imigrantes, estrangeiras ou minorias étnicas”( Morokvasic, 1993:465).

As recentes abordagens feministas das migrações têm vindo a salientar que “a situação das mulheres passa por uma análise multidimensional que proceda à articulação

das questões de género, de classe e de pertença étnica e da análise do modo como cada uma destas variáveis influencia as outras e, em simultâneo, é por elas influenciada” (Albuquerque, 2005:39).

Interpretando esta questão relativamente ao Casal da Mira, observa-se que a conjugação de várias dimensões, como ser mulher com crianças a cargo, ter baixos rendimentos e ser imigrante, torna mais duras as condições em que vivem as mulheres e os seus percursos de vida são marcados por dificuldades acrescidas, como podemos observar pela narrativa de vida de Benvinda:

“……… O meu filho, mais velho veio para Portugal com 7 anos, veio para viver com o pai. Eu vim visitar, o rapaz que vivia com o pai e a madrasta e não se dava bem com ela e eu quis vir para visitar e ver como era…….então decidi que não ia deixar o meu filho naquela vivência junto com o pai e a madrasta e pensei em levá-lo comigo para Cabo Verde, porque eu não tinha intenções de ficar cá. Na altura eu trabalhava na Embaixada de Portugal em Cabo Verde e já tinha 12 anos de serviço. O pai não deu a autorização para eu levar meu filho e então eu acabei por ficar para tomar conta e apoiar o meu filho….Vinha sozinha, não era casada, eu vivia há 11 anos em Cabo Verde, sem homem. Eu tenho 3 filhos …. e mandei buscar os outros 2 filhos que ficaram em Cabo Verde……E pronto a minha vida começou do zero.

Tomei conta da barraca, estragada, que era do meu pai……pedi ajuda de material para compor a barraca. Depois foi uma amiga que arranjou trabalho na casa de uma senhora. Fui ganhar 20 contos naquele tempo, era em 1987… Fui pagando o material, aos poucos ……Mais tarde, eu deitei aquela barraca abaixo, e comecei a fazer com tijolo. Fiz uma barraca um bocadinho melhor.

………Mais tarde, conheci este rapaz que era viúvo, começamos a conviver, vivemos juntos durante um ano e depois casámos……ele é muito meu amigo. A vida foi melhorando mas tendo tido muitos altos e baixos. A vida em Portugal nunca foi boa! A minha filha Fátima ficou grávida e o pai da criança não assumiu. A Nadine (neta) acabou por nascer na barraca…….Entretanto, o meu marido está há um mês e tal em casa com o braço partido. Por enquanto, ele está no seguro, a minha vida mudou por completo. Antes, a Fátima trabalhava, arranjava alguma coisa, agora não me ajuda nada, e eu com aquela menina (neta) para criar. Eu, cada vez estou com mais idade, tenho problemas de saúde e a Nadine está a chegar a altura de entrar em despesa. Ela tem que estudar!

A mudança para esta casa está a ser muito difícil para mim, porque a renda é muito alta (€309,70) Eu já pedi para baixar a renda, porque eu quero continuar a pagar, mas assim não sei. Isto assim não pode ser! .” (Benvinda, 58 anos)

Para além de outras razões que estão associadas à imigração, no caso de Cabo Verde, a família tem tido um papel fundamental, na medida em que estimula os seus membros a deslocarem-se, para dentro ou fora do país, de forma temporária ou permanente para assegurarem a sua sobrevivência ou melhorarem o seu estatuto. Numa perspectiva sócio-económica “a migração é encarada como fazendo parte de uma estratégia familiar, a

qual maximiza mais o bem-estar da família do que do indivíduo” (Saint-Maurice, 1997: 85).

Quando a decisão de emigrar tem uma razão económica, tem sido mais comum o homem sair primeiro em lugar sendo, nesse caso, a reunificação familiar um objectivo a alcançar, a curto ou médio prazo, após serem criadas algumas condições.

Dentro deste enquadramento, apresenta-se a situação de Antónia, que está em Portugal há seis anos. O marido já vivia em Portugal desde 1971. Mais tarde foi a Cabo Verde, casou com ela e trouxe-a para Portugal. Passado algum tempo, o marido foi vítima de um acidente de viação e em resultado deste ficou impossibilitado de trabalhar. Só recentemente foi reformado por invalidez. Têm um filho de 2 anos, sendo o pai quem toma conta da criança. Antónia tem muitas dificuldades na língua portuguesa, trabalha em duas firmas de limpezas.

“meu marido veio primeiro e depois foi-me buscar….. trabalho sozinha, em limpezas……o meu marido não consegue trabalhar, tem problema nas pernas…… e com este bebé, eu sozinha a trabalhar … O dinheiro não chega… o bebé gasta muito medicamento, fralda,…….é difícil!” (Antónia, 47 anos)

O papel da família não se esgota, porém, nestas dimensões já que ele é também determinante na escolha do local de destino: os familiares constituem, também uma fonte de informação sobre o destino, sendo a estrutura informal de acolhimento que assegura a sobrevivência e a inserção do imigrante na primeira fase da sua estadia. Este papel torna-se extraordinariamente expressivo na imigração cabo-verdiana no concelho da Amadora. Este aspecto está bem patente no testemunho de uma mulher entrevistada, no âmbito da pesquisa:

“….Os meus pais foram os primeiros a ir para aquela rua, em 1970. E o meu pai quando chegou fez aquilo que é típico de Cabo Verde, fez umas hortas……… e depois era o meu tio que estava em Cabo Verde mas aquilo lá estava mal, precisava de sair de Cabo Verde, não tinha emprego, queria construir a família dele, então o meu pai pagou as passagens dele e o meu tio veio, quando o meu tio veio o meu pai disse: - Olha está aí um pedaço de chão faz a tua casa aí. Quando o primo do meu pai veio a mesma coisa, está aí um pedaço de chão faz a tua casa aí e nesta coisa do faz ali, faz ali, faz ali nós ficamos no meio e os primos e tios todos à volta, depois a pessoas foram fazendo aqueles becos, mas inicialmente aquilo era um círculo” (Eunice, 23 anos)

De acordo com um estudo sobre “Habitat e Minorias” realizado em 2001170, a existência de família a residir no bairro é a principal razão apontada para a fixação da maior parte dos entrevistados num dado local.

Ravenstein171 foi o pioneiro na elaboração de um modelo explicativo das migrações, desenvolvendo um conjunto de leis que sustentavam a explicação das migrações como uma combinação de factores de atracção e de repulsão. De entre o conjunto de leis por ele elaboradas, uma delas refere-se directamente à migração feminina e postula que as migrações de curta distância são maioritariamente constituídas por mulheres.

Apesar desta primeira análise das migrações até meados dos anos de 1970, a literatura científica analisava a imigração feminina no âmbito das migrações familiares e não enquanto migração autónoma, baseado no facto da imigração masculina ser dominante até esta data.

Tal como Kofman (1999) salienta, as perspectivas teóricas e metodológicas e as prioridades de escolha da investigação contribuíram bastante para a invisibilidade das mulheres. O desenvolvimento das perspectivas feministas nas ciências sociais, nas décadas de 1970/1980, veio introduzir nos estudos das migrações a análise da posição das mulheres na estrutura social e das relações de género.

Sertório e Pereira (2004) referem que Portugal tem também conhecido o progressivo crescimento da feminização da imigração e da participação das mulheres migrantes no mercado de trabalho. Na base dos projectos migratórios das mulheres encontram-se razões diversas, não sendo apenas o resultado da imigração do marido ou

170 Estudo efectuado em colaboração entre uma equipa do CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção

Social e do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, intitulado “Habitat e Minorias - Limites e

Potencialidade da Promoção Pública de Habitação em Processo de Integração Sócio-Urbanística”,

coordenado pelo sociólogo Álvaro Pereira. 171

Num documento entregue ao Jornal da Sociedade de Estatística, em Inglaterra, em 1885, Ernest G. Ravenstein, Fellow da Royal Geographic Society, descreveu uma série de "leis das migração", que tentou explicar e prever padrões de migração dentro e entre as nações. As leis básicas de Ravenstein continuaram a servir como ponto de partida para a análise de padrões de migração. Rocha Trindade, 1995:73 faz referência ao autor das “leis das migrações”.

companheiro, a imagem da mulher que emigra já não apresenta, hoje uma carga negativa (Sertório e Pereira, 2004:28,29).

Relativamente ao Casal da Mira, são bastantes os casos da migração autónoma das mulheres. A título de exemplo refere-se uma dessas situações:

“ Vim de Cabo Verde, trabalhar para Portugal, tinha 28 anos. Trabalhei interna, como empregada doméstica.

Depois, não me dei bem com a patroa, ela não me pagava bem e no último mês de gravidez do meu filho, fui ficar com o pai, no bairro da Azinhaga dos Besouros, onde vivi 4 anos até que consegui a casa, através da Câmara, aqui no bairro.

Entretanto, ele foi trabalhar para fora e abandonou-nos, a mim e ao meu filho. Como as coisas estavam difíceis, em 2006, eu fui para França e graças a Deus não me correu mal. Fui por necessidade e também por causa do que ele me fazia quando vinha cá! (Joaquina, 36 anos)

No que se refere à inserção social da população imigrante, embora não haja dados específicos recentes para o Município da Amadora vale a pena fazer referência a algumas questões que se traduzem em obstáculos reais a essa mesma inserção172.

Sobretudo para quem imigra por razões económicas, encontrar um trabalho é talvez a preocupação máxima, já que será através dele que, à partida, se poderão cumprir as expectativas iniciais de uma vida melhor.

As razões económicas que ditam as migrações devem ser entendidas numa dupla perspectiva: na do indivíduo que sai do seu país à procura de trabalho; na do mercado de acolhimento que tem necessidades concretas de mão-de-obra. Num estudo de Machado (1997) aponta-se, exactamente, no sentido de haver necessidades de mão-de-obra do mercado de trabalho português que só poderão ser colmatadas através da imigração, como é o caso da construção civil e das obras públicas.

As comunidades imigrantes apresentam, em geral, elevadas taxas de actividade, no entanto, a sua inserção faz-se, sobretudo, através de um mercado de trabalho secundário caracterizado por baixos salários, inexistência de regulação contratual, ausência de protecção social na doença e no desemprego173.

172 Diagnóstico Social do Município da Amadora, elaborado no âmbito da Rede Social, em 2004.

173 No estudo “Habitat e Minorias” (2001), atrás referido, cerca de 45% dos africanos que se encontravam a trabalhar eram trabalhadores por conta de outrem com vínculo precário; mais de 30% não efectuava descontos para a Segurança Social.

O prosseguimento dos estudos bem como motivos de saúde são também razões evocadas por alguns africanos para explicar a sua imigração.

Nas entrevistas às mulheres no bairro, nenhuma delas invocou razões de saúde para virem para Portugal, no entanto no contacto profissional, através do Gabinete constatam-se casos de pessoas que vieram para tratamento hospitalar em Portugal e depois acabaram por ficar e arranjar trabalho, com o apoio de familiares. Já no que se refere aos filhos, há mulheres, que apresentam essa razão, como é o caso de Sabá.

“……voltei com os miúdos, para lhes proporcionar um ensino melhor” (Sabá, 45 anos)

A inserção de crianças, filhos de imigrantes, nas escolas portuguesas não tem sido fácil, sendo esta população particularmente afectada pelos fenómenos do insucesso e do abandono escolar174, quando a escola assume um papel determinante nos processos de inserção social pelas competências que confere e porque é um factor que influenciará a inserção profissional e a capacidade económica dos indivíduos.

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