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5 – Amostra do estudo: apresentação e caracterização

ORIGEM DOS RENDIMENTOS

Vencimento Subs.desemp. Venc./ RSI RSI Venc. cônjuge Vendas

6 2 1 5 (a) 4 (b) 5

(a) três mulheres complementam a prestação de RSI com venda de produtos (b) uma mulher vende produtos para complementar vencimento do cônjuge

Relativamente à origem dos rendimentos familiares, é de salientar que: cinco mulheres são beneficiárias do RSI, 3 das quais dependem exclusivamente desta prestação (duas delas são de etnia cigana); seis mulheres vivem dos seus vencimentos, todos eles

baixos; uma mulher acumula o vencimento (baixo) com a prestação de RSI; quatro mulheres vivem dos rendimentos da venda de produtos; duas vivem do subsídio de desemprego; três estão desempregadas sem subsídio de desemprego (uma delas vive da venda de produtos e duas, do vencimento do marido); uma está num curso de formação profissional, recebe bolsa de formação e conta com o vencimento do marido e uma das mulheres está em situação ilegal (não tem direito a RSI e depende de algum rendimento incerto, que o pai dos filhos lhe dá para os filhos, pois não pode trabalhar por ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica).

A ligação das mulheres entrevistadas ao Gabinete Local da CMA acontece de diversas formas e por diferentes razões56.

Trajectórias de vida das mulheres

Para conhecer os impactos da mudança, resultante do realojamento, na vida das mulheres residentes no Casal da Mira, será pertinente uma análise das trajectórias protagonizadas pelas mulheres.

A trajectória de cada pessoa reflecte as suas experiências, em que algumas têm um carácter mais pessoal enquanto outras se prendem com as vivências dos grupos que a pessoa integra. Para compreender as trajectórias destas mulheres é necessário ter em conta a teia de relações em que ela está inserida, no espaço e tempo específicos, pois verifica-se, normalmente, a presença de factores conjuntos, como género, classe, etnia.

Tal como é referido no capítulo teórico sobre Serviço Social, Faleiros (2005) aborda o conceito de trajectórias sociais, como “processos de desestruturação como de estruturação de referências e patrimónios, pela articulação ou desarticulação de relações

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Esta ligação insere-se no trabalho e papel desenvolvido pela equipe do Gabinete Local junto da população do bairro, verificando-se que dez mulheres têm uma ligação ao Gabinete essencialmente relacionada com pedidos de redução do valor da renda; três mantêm uma relação próxima baseada na sua condição de representantes de prédio, quatro pediram transferência de habitação, duas das quais de etnia cigana pretendiam transferência para outro bairro de realojamento. A relação das restantes 6 mulheres com o Gabinete da Câmara Municipal no bairro prende-se com assuntos muito variados, tais como, acordos para recuperação de dívida de rendas, desdobramento do agregado familiar, frequência de cursos de formação profissional, pedidos de ajuda económica (SAAI) e anomalias de construção das habitações, bem como problemas com o funcionamento dos elevadores. De salientar que algumas mulheres apresentam, na sua relação com o Gabinete, vários assuntos.

0 1 2 3 4 5 6 mulheres

Razões da vinda para Portugal

V ieram com os pais 6

V ieram juntar-se a f amiliares (1 ao marido, 1 à f ilha)

2

À procura de melhor vida 4

Pelos f ilhos 2

A poiar a f amília (tomar conta de uma irmã)

1

Descolonização (E13) 1

Desconhecida (E10) 1

Nº Mulheres

sociais, num tempo e num espaço determinados onde se produzem mudanças nas formas de reprodução como de identificação social. Esta perda ou aquisição de patrimónios está vinculada tanto a processos contextuais como às biovias57 da família, de redes de pertença, de vizinhança.” (Faleiros, 2005: 75). Segundo o autor, algumas situações colocam em jogo novas relações que envolvem um processo de construção de novas referências e identificações e perda de outras que diminuem ou aumentam a capacidade de poder intervir no quotidiano e construir a sua autonomia.

Gráfico 9

Fonte: Moisés, 2012

Quanto à razão, pela qual as 17 mulheres imigrantes58 vieram para Portugal (gráfico 9), pode afirmar-se que as razões são muito variadas, verificando-se que 11 vieram por decisão própria, uma vez que seis mulheres vieram em crianças com os pais. Das 11 mulheres que vieram por vontade própria, destacam-se seis mulheres que vieram para melhorar a sua vida ou dos filhos.

57

Termo que Faleiros propõe para designar os caminhos da vida.

58 Das 23 mulheres entrevistadas, foram retiradas 6 mulheres de nacionalidade portuguesa, embora duas delas

Relativamente ao período em que imigraram, verifica-se que a maioria das mulheres (13 das 17) veio para Portugal nas décadas de 70 e 80, sendo que os pais de seis delas emigraram para Portugal na década de 70. Apenas um caso, em 1982, o que corresponde à 1ª geração de imigrantes que veio para Portugal, logo após a independência das ex-colónias portuguesas. Das quatro mulheres que chegaram a Portugal depois de 1990, duas vieram juntar-se a familiares e as outras duas imigraram à procura de melhor vida, uma acompanhada do marido e a outra só.

Das 23 mulheres entrevistadas, podem definir-se quatro grupos, no que se refere às suas trajectórias de vida. Assim, um primeiro grupo diz respeito a seis mulheres (2 nascidas em Cabo-Verde; 3 em S.Tomé e 1 em Angola), que vieram para Portugal, ainda crianças com os pais. Os pais de duas mulheres santomenses são naturais de Cabo Verde e, antes de emigrarem para Portugal, passaram por S. Tomé e Príncipe. Estas mulheres dizem não conhecer a sua terra de origem. Os seus pais vieram para Portugal por falta de condições de vida nos países de origem. Um segundo grupo de oito mulheres, das quais sete nasceram em Cabo Verde e uma na Guiné-Bissau, que vieram para Portugal por decisão própria. Cinco vieram para Portugal para melhorarem a sua vida, enquanto duas vieram para apoiar os filhos e uma para cuidar dos irmãos, na sequência da morte de sua mãe. Um terceiro grupo é constituído por duas mulheres, uma nascida em Cabo Verde e a outra na Guiné-Bissau vieram para Portugal para se juntarem a familiares, no primeiro caso ao marido e a outra às filhas (adultas) na sequência da morte do marido. Esta última conheceu um homem cabo-verdiano, com quem casou, tendo passado por uma situação grave de violência doméstica. Um último grupo diz respeito a sete mulheres de nacionalidade portuguesa. Trata-se de um grupo muito heterogéneo, que inclui duas mulheres jovens de origem e cultura cabo-verdiana, nascidas em Portugal, que viviam na Azinhaga dos Besouros desde que nasceram até virem para o bairro Casal da Mira. Uma mulher de origem portuguesa, nascida em Angola, que veio para Portugal, para fugir à guerra, após a descolonização, duas mulheres nascidas em Lisboa, uma delas cresceu e viveu toda a sua vida num bairro de barracas até ao realojamento. As outras duas mulheres são portuguesas ciganas que fizeram toda a sua vida em habitações precárias.

Através do quadro 7 podem observar-se os diferentes tipos de percursos de origem das mulheres, apresentados de forma sintetizada.

Quadro 7 – Tipos de percursos de origem das mulheres que compõem a amostra

GRUPO PERCURSOS DE ORIGEM MULHERES

1 Vieram com os pais, em crianças

Francisca, 40 anos, Margarida, 38 anos, Rosalina, 34 anos, Clarisse, 47 anos, Palmira, 37 anos, Adelina, 34 anos.

2 Vieram por decisão própria, à procura de melhor vida

Maria Sábado, 37 anos, Domingas, 47 anos, Alcinda, 47 anos, Joaquina, 36 anos, Ermelinda, 51 anos.

2 Vieram por decisão própria, pelos filhos ou outros familiares

Sabá, 45 anos, Benvinda, 58 anos, Hirondina, 48 anos.

3 Vieram juntar-se a familiares Antónia, 47 anos, Maimuna, 61 anos.

4 Nacionalidade portuguesa

Luísa, 42 anos, Mónica, 45 anos, Isabel, 57 anos, Teresa, 28 anos, Arlete, 51 anos, Genoveva, 24 anos, Eunice, 23 anos. Fonte: Moisés, 2012

Como referimos as trajectórias das mulheres constituem elementos fundamentais para a compreensão do sentido das práticas sociais das entrevistadas, pelo que se apresentam algumas referências sobre os caminhos percorridos por estas mulheres. Assim, relativamente ao primeiro grupo das mulheres que vieram para Portugal, ainda crianças, com os seus pais, seguem-se alguns testemunhos:

“Aos 14 anos, vim para Portugal para o Bairro Estrela de África, fui acolhida por família nossa e depois o meu pai arranjou uma barraca e fomos para lá morar, tivemos muitas dificuldades porque os meus pais eram pessoas já com uma certa idade e não tinham trabalho.” (Margarida, 38 anos)

Algumas destas jovens, de 13, 14 anos de idade deixavam a casa dos pais para trabalharem, como domésticas em regime interno, em casas particulares

“- Eu vim para cá com 13 anos e passado 10 dias fui para casa de uma Srª portuguesa, naquela altura as senhoras portuguesas interessavam-se por ter empregada doméstica, então preferiam as miúdas de 13, 14 anos, elas ensinavam a fazer as coisas, mas pagavam muito menos, nem chegava a metade do ordenado de uma pessoa adulta e dormia lá. Fui interna durante 10 anos, até que casei.” (Clarisse, 47 anos)

No que se refere ao segundo grupo, mulheres que emigraram para Portugal, por decisão própria, à procura de melhor vida, verificam-se percursos muito diversos. Maria

Sábado veio para casa da irmã mais velha, que já morava na Azinhaga dos Besouros e começou por vender peixe, casou e teve três filhos. Domingas veio grávida, tendo o pai da criança ficado em Cabo Verde, começou, também, por vender peixe, actividade que, mais tarde conciliava com trabalho em limpezas. Começou por morar em Lisboa com os pais e passados cinco anos foi morar para uma barraca na Azinhaga dos Besouros. Mais tarde arranjou um outro companheiro de quem teve mais três filhas. Joaquina veio só de Cabo Verde, contando apenas com o apoio de uma amiga, que já vivia em Portugal. Ermelinda, com o marido e a filha mais velha (com 5 meses), veio morar para a Azinhaga dos Besouros. Trata-se de um casal que, apesar de o meio ser adverso, consegue orientar os seus filhos, que têm um comportamento responsável e bom aproveitamento escolar.

“O meu primeiro trabalho em Portugal foi tomar conta de crianças. Trabalhei 11 anos com crianças... tinha a minha filha 5 meses. Cuidava de bebés, dos seis meses até aos 3 anos……..Fui morar para a Azinhaga dos Besouros, foi o primeiro sítio que conheci, era um ambiente bom, dei-me muito bem com os vizinhos, era um bairro problemático, mas nunca tivémos problemas.” (Ermelinda, 51 anos)

“Vim trabalhar para Portugal, tinha 28 anos. Trabalhei como interna, na casa de uma patroa……a vida, em Cabo Verde não era fácil. Não é um país mau de todo, mas também não é bom de estar lá…… não tinha um vencimento” (Joaquina, 36 anos)

Quanto às mulheres que vieram para apoiar os filhos e familiares, duas vieram pelos filhos – Sabá e Benvinda e no caso de Hirondina veio de Cabo Verde, em 1980, para tomar conta dos irmãos, na sequência da morte da mãe, tendo vindo logo residir para a Azinhaga dos Besouros:

“ Vim assistir ao funeral do meu marido e depois tive que voltar para a Guiné. Dois anos depois (1988), voltei com os miúdos, para lhes proporcionar um ensino melhor” . (Sabá, 45 anos)

“ A minha intenção não era ficar...fiquei par a apoiar o meu filho, que vivia com o pai e a madrasta…..mais tarde, mandei vir as minhas filhas que estavam em Cabo Verde, com os avós .” (Benvinda, 58 anos)

Relativamente às mulheres de nacionalidade portuguesa, são experiências e trajectórias de vida muito diversas. As duas jovens de origem Cabo-verdiana, nascidas em Portugal, embora manifestem apreço e valorizem a cultura cabo-verdiana, fizeram todo um percurso de vida influenciado pela cultura portuguesa. Genoveva, de 24 anos tem uma vida bastante difícil, com dois filhos a seu cargo, cujos pais não contribuem para as despesas

com as crianças. Foi realojada na mesma casa com os pais e um irmão que lhe criava muitos problemas. Posteriormente, foi-lhe atribuída pela Câmara Municipal uma habitação autónoma.

“- Eu nasci cá (em Portugal), os meus pais já moravam na Azinhaga dos Besouros, e até uma certa altura eu era feliz. Andava a estudar. Estudei até onde pude, depois tive que deixar para ir trabalhar para ajudar os meus pais… “ (Genoveva, 24 anos) Eunice, a outra jovem de origem cabo-verdiana, nascida em Portugal, tem dois filhos e frequenta um curso de formação profissional. Possui um bom suporte familiar no bairro, o que lhe permite melhorar a sua formação, através da frequência de um curso de formação profissional. É das mulheres que manifestou maior nostalgia em relação à mudança do bairro de origem - Azinhaga dos Besouros para o Casal da Mira, mas, apesar disso, envolve-se na dinâmica do bairro, através da organização de iniciativas comunitárias e na resolução de problemas locais, pois é muito dinâmica.

“……Eu até nem me importava de entrar num grupo de pessoas que quisesse fazer uma associação para melhorar o bairro” (Eunice, 23 anos)

As duas mulheres portuguesas ciganas têm uma postura bastante diferente das restantes. Sentem-se mal no bairro, sendo frequente, no Gabinete da Câmara Municipal, a apresentação de pedidos de transferência para outros bairros, por parte das famílias ciganas, pois o seu número é bastante reduzido e sentem-se inseguras no bairro.

“Apesar de ser uma barraca, gostava mais de lá estar do que aqui, que é uma casa…….era mais sossegadinho. E sentia-me mais segura, aqui uma pessoa está sempre com medo…lá havia mais ciganos” (Arlete, 51 anos)

Neste grupo incluiu-se também uma mulher – Isabel, cujo percurso é bastante distinto dos outros. De origem portuguesa, nasceu em Angola, aos 19 anos foi viver para Moçambique, onde casou com um português, com quem teve três filhos. Regressou a Portugal aos 21 anos, na sequência da descolonização, em 1976, tendo residido cerca de 30 anos numa barraca na Azinhaga dos Besouros com a família. De referir que Isabel, tem também dois netos a seu cargo, pois a filha está desaparecida.

Das 23 mulheres entrevistadas, nove correspondem a famílias monoparentais (mãe com filhos), o que é um indicador das responsabilidades assumidas pelas mulheres na família, nomeadamente na educação dos filhos, sendo frequente a afirmação” Eu é que vou sempre ás reuniões na escola dos filhos”. No que se refere à responsabilização dos homens nas despesas familiares, 13 mulheres queixaram-se dos companheiros, fazendo referências do tipo:

“ele às vezes não tem trabalho. Ele, não é assim de viver com a gente” (Alcinda, 47 anos)

“O meu marido sempre trabalhou pouco, trabalhava 1 dia, 2 dias, mas depois bebia e o patrão mandava-o embora.” (Mónica, 45 anos)

“…o meu marido não trabalhava, eu é que tinha de resolver tudo……” (Luísa, 42 anos)

“Ele não me dá nada, mas graças a Deus não me falta nada, com a ajuda de minha filha e da Segurança Social (RSI)” (Maimuna, 61 anos)

“ Ele não é responsável, nem para ele próprio e isso faz-me muita confusão. Se ele tiver as contribuições dele, não é capaz de as pagar a tempo e horas…… A família só depende de mim.” (Clarisse, 47 anos)

Luísa e Mónica são portuguesas, pelo que não se trata apenas de uma questão específica das mulheres imigrantes, é antes uma questão de género. Reflecte, também, que é sobre as mulheres que recaem as maiores responsabilidades familiares. A responsabilização das mulheres não se resume apenas aos filhos, alargando-se a outros familiares, nomeadamente pais e irmãos, como se pode observar:

“- Na Guiné, tenho irmãs e irmãos. Os meus pais já faleceram. A minha riqueza é a família! Quem toma conta deles, sou eu. Se eu ganhar aqui um bocadinho, sou obrigada a mandar para lá para eles comerem.” (Sabá, 45 anos)

“-Para além dos meus filhos (um deles é invisual, requerendo muita atenção) ……tenho vários problemas com o meu pai, com 80 anos, operações ao coração, é diabético, partiu a anca e tem uma prótese. Tenho um irmão que veio de Angola, há mais ou menos cinco, seis anos, com problemas de saúde muito graves, foi operado ao pâncreas, tem hepatite crónica, e problemas cardio-respiratórios ...eu também tenho problemas de coluna, sou hipertensa, …….mas tenho que fazer as coisas……..está tudo dependente de mim, …….eu sou sozinha, mas tenho muita força interior.” (Margarida, 38 anos)

Como dizia uma mulher, em atendimento social: “ ser mulher é carregar o mundo à cabeça”.

Nas trajectórias de um número significativo de mulheres entrevistadas (sete), o problema da violência doméstica está presente. Também no acompanhamento social às famílias, efectuado pelas técnicas do Gabinete da Câmara Municipal estas situações aparecem com uma frequência crescente e preocupante.59, sendo “um obstáculo à

59 O problema do alcoolismo constitui um flagelo social, não sendo o objecto de estudo do presente trabalho

é, no entanto, um tema com pertinência para futuros trabalhos de investigação. As técnicas do Gabinete local (duas assistentes sociais, uma socióloga e uma psicóloga) trabalharam esta questão, no âmbito da

concretização dos objectivos da igualdade, do desenvolvimento e da paz. A violência contra as mulheres viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais das mulheres” (Plataforma de Acção de Pequim, 1995).

Seguem-se algumas referências ao problema, que traduzem a gravidade dessas situações:

-“Eu fugi de casa aos 14 anos com o pai do meu primeiro filho…… Julgava que ia para melhor e foi igual, levei tanta “porrada” até que fugi de casas.” (Mónica, 45 anos)

“…….ele é muito ciumento, quando bebe ele diz que eu tenho amantes, todos os homens são meus amigos…. é um inferno…….ele esteve cinco anos sem beber e depois quando recomeçou ficou pior…… Eu tenho medo dele quando ele bebe”. (Luísa, 42 anos)

“ Ele diz: põe-te fora de casa, senão, eu vou matar você, porque a casa é meu, e eu respondo: a casa é de nós dois. Não, a casa é meu, diz ele”. (Maimuna, 61 anos) “Existem problemas conjugais, por vezes ele é violento, quer verbalmente, quer fisicamente, sobretudo, quando bebe.” (Adelina, 34 anos)60

No que se refere aos percursos profissionais, observa-se, sobretudo, no caso das mulheres imigrantes, que estas ocupam os empregos mais mal pagos e socialmente desvalorizados, facto a que não são alheias as dificuldades por serem estrangeiras. Nalguns casos, nos países de origem, as mulheres desempenhavam actividades profissionais de estatuto mais elevado:

“Na Guiné, eu era funcionária pública………Em Portugal, foi tudo muito difícil….. andei na apanha do tomate…….Quando morei na Buraca, tinha lá o meu negócio,…… depois consegui umas horas, nas firmas (em limpezas) para ter desconto na Segurança Social…...Estou muito cansada, em 18 anos nunca tomei férias” (Sabá, 45 anos)

“Em Cabo-Verde, trabalhava na embaixada, no arquivo…… Em Portugal trabalhei, sempre, em limpezas.” (Benvinda, 58 anos)

Constata-se uma vontade de mudar de estatuto social e o esforço de algumas mulheres em progredir, a nível profissional e social. No entanto, apesar da frequência de cursos de formação profissional, esta não se traduz, muitas vezes, em mobilidade social

saúde mental, pontualmente com algumas famílias atingidas pelo problema, em articulação com serviços de saúde, tendo sido formulado um projecto, que não chegou a desenvolver-se, devido a outros imperativos do serviço.

60Num desses episódios de violência, com medo, esta mulher atirou-se da janela, fracturando os dois pés,

“Quando terminei o Estágio (curso de Auxiliar administrativa), voltei às limpezas outra vez………. Procurei muito, nem se fosse recepcionista, nem se fosse não sei o quê, inscrevi-me em muitos sítios…….andei durante três meses, nunca aparece nada! “ (Sabá, 45 anos)

" Tirei um curso de auxiliar de serviços gerais na Santa Casa da Misericórdia …….agora estou desempregada, mas tenho o meu negócio, compro e vendo perfumes, chinelos……...Também, uma vez encontrei um bom trabalho, mas não deu porque não tinha bilhete de identidade português”. (Alcinda, 47 anos)

Por outro lado, com a mudança para o Casal da Mira verificou-se o fim de algumas actividades informais que se desenvolviam no bairro clandestino, onde residiam, antes do realojamento. A título de exemplo:

“Eu antes também era cabeleireira, trabalhava na minha casa, lá na Azinhaga. Tinha um quarto no haal de entrada, fazia aquilo. Tenho mesmo diploma. Só que depois cheguei aqui, fiquei paradíssimo. Queria um lugar para me ajudar com as despesas que eu tenho.” (Alcinda, 47 anos)

Da análise das trajectórias das mulheres que compõem a amostra do estudo, verifica-se grande heterogeneidade de referências culturais e de situações sociais, traduzindo a realidade do bairro onde coexistem e se cruzam referências culturais diversas. Observa-se, também uma grande sobrecarga das mulheres relativamente às responsabilidades familiares. Por outro lado é de realçar a dificuldade das mulheres de melhorarem o seu estatuto socio-profissional, apesar do esforço demonstrado por algumas

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