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A invisibilidade das mulheres e a falta de reconhecimento da necessidade de integrar uma perspectiva de género na análise do multiculturalismo reproduzem esquemas de subalternidade, falta de subjectividade feminina e visões culturais estereotipadas. Os autores Kinchelo Y Steimberg (1999) consideram que os estudos das mulheres são fundamentais para o enfoque multicultural, sendo necessária a sua inclusão sistemática nos estudos e sobretudo, nas políticas.

Num marco analítico centrado na diversidade, a diferença de género inscreve-se também nos discursos de alteridade167, de definição do outro, na formação de subjectividades individuais e colectivas ou na sua expressão como identidades (Nash e Marre, 2001: 24).

Na construção da modernidade, o desenvolvimento do discurso sobre a pertença étnico-cultural e género respondem a lógicas semelhantes, baseando-se na representação cultural da diferença e na cristalização do outro, a partir de uma diferença absoluta de suposta base biológica, acrescentando-se um carácter, como se fosse natural.

No contexto de globalização, o reconhecimento do multiculturalismo permite a definição do conceito de cultura em termos de diversidades e de identificação dessa diversidade, tanto a nível local como global.

A globalização do multiculturalismo levou autores, como Yunas Samad, 1997 a propor que a conexão global-local representa o contexto, no qual se produz uma redefinição de multiculturalismo em termos locais. Argumenta que não existe um paradigma único do multiculturalismo sem se reinterpretar à escala local para melhor percepção das suas característica e variações. Neste contexto local, o desafio não se limita, apenas ao reconhecimento cultural, mas também a estabelecer os aspectos políticos que servem para facilitar ou reduzir o acesso, a nível das oportunidades de vida. Desta forma

167 A palavra alteridade, que possui o prefixo alter do latim possui o significado de se colocar no lugar do

outro na relação interpessoal, com consideração, valorização, identificação e dialogar com o outro. A pratica da alteridade conecta-se com os relacionamentos tanto entre indivíduos como entre grupos culturais religiosos, científicos, étnicos, etc. Na relação alteritária, estão sempre presentes os fenómenos holísticos da complementaridade e da interdependência, no modo de pensar, de sentir e de agir, onde o nicho ecológico, as experiências particulares são preservadas e consideradas, sem que haja a preocupação com a sobreposição, assimilação ou destruição destas. “Ou aprendemos a viver como irmãos, ou vamos morrer juntos como idiotas”(Martin Luther King).

“o multiculturalismo expressa-se, também em termos sociais e de igualdade de oportunidades” (Nash e Marre, 2001: 34).

No que se refere ao contexto do estudo, as mulheres manifestam-se de forma diferente, de acordo com as suas vivências, embora a coexistência das várias culturas seja, em geral, pacífica, existindo maiores dificuldades relativamente a diferentes bairros de origem168.

"A Pontinha acabou por dominar porque tem uma população muito maior. E tem uma população mais teimosa, a Damaia não é tão teimosa……. De positivo, acabou por se conhecer novas pessoas e fazer muitas amizades. De negativo foi que se acabou por fazer também grandes inimizades. " (Eunice, 23 anos)

“Não tive problemas, adaptei-me bem e entre vizinhas damo-nos todas bem umas com as outras…… uns são africanos e há lá dois que são brancos. Até, quando foi da reunião de prédio, toda a gente elogiou o meu Manuel e ficámos nós como representantes do prédio, a tratar dos assuntos, portanto não temos problemas. Tenho a mesma relação no meu prédio e na minha rua, que tinha na Azinhaga. Dou- me bem com toda a gente.

Tenho várias amigas da Azinhaga que não as conhecia, vim conhecê-las aqui, mas a maior parte são da Damaia.” (Isabel, 57 anos)

Referindo-se à Loja Mira Jovem169, conhecida, no bairro por “Zala”, Mónica, dizia:

“Eu acho muito bem a Zala, porque há aí muita malta em condições e prestam um bom serviço, mas é assim, vai para lá muito pouca gente branca, porque há certos pretos que vão para lá…. um exemplo: O meu filho gostava muito de ir para lá com a Fernanda (uma das animadoras da loja), depois de vir da escola, iam para lá fazer os trabalhos e gostavam muito de jogar no computador, mas não havia espaço, porque havia meninos muito malandros que eram eles e eles e mais ninguém.” (Mónica, 45 anos)

O multiculturalismo crítico implica também uma visão integradora que pretende entender os mecanismos de opressão e discriminação, ou de liberdade e reconhecimento,

168 Esta questão é abordada no Capítulo 3, no ponto, onde se analisam as sociabilidades: “Mapear a

estruturação das relações sociais, através do alojamento”.

169 A Loja Mira Jovem constitui um projecto de resposta aos jovens residentes no bairro, no âmbito do

Programa Escolhas. O projecto dispõe de um espaço – Loja, no bairro onde se desenvolvem actividades dirigidas a esta faixa etária. O Programa Escolhas é um programa de âmbito nacional, tutelado pela Presidência do Conselho de Ministros, e fundido no Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, IP, que visa promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconómicos mais vulneráveis, particularmente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas, tendo em vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social.

em múltiplos aspectos e dimensões (Nash e Marre, 2001:37). Deve contemplar a equidade de género e a redistribuição justa e reconhecer a múltipla afiliação das mulheres e das suas identidades plurais, por forma, a que não só o género, mas também a cultura, etnia, nacionalidade, sexualidade e classe social sejam objectos da teoria feminista, abarcando, não só as diferenças culturais, mas também as sociais.

As autoras Nash e Marre defendem, ainda que, “do mesmo modo que o multiculturalismo implica um questionamento da homogeneidade cultural, também obriga a questionar a homogeneização de uma cultura masculina e portanto, a estabelecer formas de reconhecimento de autoridade e credibilidade das vozes plurais das mulheres” (2001: 44). Assim, o facto de não se verificar uma representação equitativa das mulheres na representação política e no poder é um factor explicativo da existência de um deficit democrático na nossa sociedade.

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