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1 – Teorias e Modelos de Intervenção do Serviço Social e a sua relação com o Contexto do Estudo

A teoria pode ser vista como uma estrutura lata capaz de organizar e ordenar a pesquisa, ou como um conjunto de conceitos gerais que são úteis na orientação da investigação ou, ainda, como uma orientação específica capaz de dirigir o investigador para problemas e questões bem conhecidas. O campo da teoria caracteriza-se por algumas dicotomias clássicas que carecem de resolução, em particular as tensões e contradições entre acção e praxis, acção social e estrutura, abordagem micro e macro, para além da dicotomia básica entre indivíduo e sociedade (Turner, 2002).

187 Definição adoptada na Conferência organizada pela FIAS – Federação Internacional de Assistentes

Sociais e a Associação Internacional de Escolas de Trabalho Social realizada entre 29 de Julho e 2 de Agosto de 2000, no Canadá.

A epistemologia do Serviço Social está na relação teoria e prática. Howe (1999), considera que a teoria é o que permite definir as formas de ver o mundo e explicar o comportamento das pessoas, dos objectos e as situações. A este respeito, Ferreira (2011) aponta para a necessidade de se aprofundar o debate sobre a epistemologia do Serviço Social, designadamente sobre os valores na construção do objecto do conhecimento do Serviço Social e o papel da experiência na construção do conhecimento em Serviço Social, utilizando instrumentos com origem no Serviço Social ou recorrendo a outras ciências.

O papel das teorias no Serviço Social é o de orientar e construir conhecimentos crítica e reflexivamente, embora não se esgote neste domínio. Constitui-se como fundamento da construção da identidade profissional, entendida como uma racionalidade crítica e reflexiva que permita a construção epistemológica do que lhe é próprio e específico. A produção de conhecimento, associada à investigação é, igualmente, fundamental para dotar de pertinência e legitimidade o Serviço Social contemporâneo (Restrepo, 2003: 21, 45, 134).

Nesta perspectiva, coloca-se então uma questão que tem a ver com a própria “estrutura sincrética do Serviço Social” (Netto, 2001), que resulta do duplo estatuto do Serviço Social, enquanto campo teórico e prático-profissional. Constitui, pois, uma disciplina cruzada de diferentes problemáticas, diferentes abordagens teóricas e simultaneamente combina conhecimentos teóricos e técnicos e posiciona-se politicamente frente à chamada “questão social”.

Por outro lado, o Serviço Social incorpora no seu corpo de conhecimentos, contributos que vêm de outras áreas de produção científica, o que não invalida que se constitua como uma área específica do saber, traduzidas nas “teorias do Serviço Social”.

O Serviço Social pode ser considerado como “uma disciplina científica autónoma na medida em que se dedica ao estudo especializado de uma parte da natureza social do ser humano ou de outras actividades, consideradas no domínio das ciências sociais” (Ferreira, 2011: 10,11). Nesta perspectiva, afirma o autor, o Serviço Social tem de desenvolver e aprofundar o debate aprofundado e sustentado no campo da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade na construção de domínios específicos da sua acção enquanto área científica das ciências sociais.

Para Payne (2002), a teoria do Serviço Social é construída socialmente, através de interacções com os utentes, pelas mesmas forças que constroem a actividade. Esta deve ser vista como uma representação de compreensões mais ou menos acordadas no âmbito de

agrupamentos sociais, reflectindo também os antecedentes históricos do contexto teórico, ocupacional e assistencial (Payne, 2002: 45, 46).

Payne (2002), defende que o Serviço Social faz parte de uma rede de ocupações que trabalham num território ou espaço social relacionado com a acção interpessoal ou social e propõe uma análise do Serviço Social como um discurso entre três visões, que se apresentam ligadas entre si: reflexiva-terapêutica- reflexão que o profissional faz antes de intervir e que deve servir de experiência acumulada para outras experiências; socialista – colectivista que aponta para as questões estruturais e a individualista – reformista, que se pode identificar com a intervenção casuística, ligada à manutenção da ordem. Para o autor, o Serviço Social é um discurso entre ideias em interacção, que não são estanques, por isso nenhuma das três visões do Serviço Social é capaz de fornecer uma perspectiva completa sobre o Serviço Social e, por isso, os assistentes sociais, frequentemente, operam no âmbito de uma ou outra visão do Serviço Social, o que acaba por ter implicações para a visão que têm do seu papel dentro do Serviço Social. Payne defende, ainda que “na sua prática, os trabalhadores sociais implementam diferentes visões do papel social da sua profissão, introduzindo análises heterogéneas do seu mundo social “(Payne, 2002:405). Daí decorre o recurso a diversos modelos teóricos para a construção de um modelo de intervenção de Serviço Social que responda à realidade que integra o contexto do estudo, reconhecendo as características da população e dos problemas que se colocam que correspondem a uma realidade multidimensional e multifacetada.

Uma discussão teórica que se coloca na abordagem dos modelos de intervenção188 do Serviço Social tem a ver com estrutura e acção e consiste em analisar até que ponto os indivíduos são determinados pela estrutura e pelo ambiente que os rodeia, ou se o indivíduo tem capacidade de auto-determinação e, ele próprio altera as estruturas em que está inserido.

Outra questão, não menos importante prende-se com conflito/versus ordem. Os que se colocam na perspectiva do conflito consideram que a sociedade, têm em si contradições geradoras de conflito. Na perspectiva da ordem e da coesão, a sociedade é vista como uma

188 A intervenção profissional do serviço social foi desenvolvendo e aplicando um conjunto de modelos para

enfrentar os problemas sociais na sua dimensão individual-familiar, na sua dimensão de grupo e colectiva, modelos desenvolvidos a partir das diferentes teorias apresentadas pelas ciências humanas e sociais (Du- Ranquet, 1996:4)

estrutura/sistema com um equilíbrio tendente para a estabilidade, enquanto, que na perspectiva da desordem/conflito, a mudança acontece, através do conflito entre classes que se opõem, reflectindo as desigualdades estruturais.

A partir de David Howe (1987)189, apresenta-se uma interpretação sobre os diferentes posicionamentos e a que tipos de abordagens metodológicas conduzem na prática profissional (Figura 1).

A partir dos dois eixos fracturantes herdados da teoria social, é possível definir quatro pólos cruzados: O que vai da acção à estrutura e o que vai do conflito à ordem. Este cruzamento faz emergir quatro campos teóricos paradigmáticos, onde se podem inscrever as diferentes teorias do serviço social:

Figura 1- Campos paradigmáticos das teorias do serviço social conflito/mudança

acção/subjectivo estrutra /objectivo

ordem /regulação

Fonte: David Howe, 1987:46

Cada um dos campos identificados propõe formas distintas de análise e compreensão dos fenómenos sociais, bem como formas diferentes de pensar o Serviço Social. O humanismo aponta para a consciencialização, o estruturalismo para a revolução,

189

David Howe (1987) refere que a teoria do serviço social é atravessada por dois eixos analíticos fundamentais: sujeito/objecto e conflito/ordem. O autor, numa obra sobre a introdução à teoria do serviço social defende que a teoria do serviço social deriva tanto da sociologia como da psicologia, não referenciando a filosofia, a economia, ou a antropologia. Refere, também o autor que não é possível estabelecer a unificação das teorias nesta área.

HUMANISMO ESTRUTURALISMO

o interpretativismo para a procura dos sentidos, e o funcionalismo aponta para uma prática dirigida para a estabilidade190.

O humanismo reporta-se ao Serviço Social Crítico e baseia-se na perspectiva humanista que têm como horizonte a conscientização sobre a opressão, assim como o desenvolvimento de competências das pessoas para se oporem à opressão no contexto envolvente. Trata-se de uma visão em que o indivíduo se encontra num contexto de mudança social. Podem enquadrar-se aqui as teorias anti-opressivas.

A segunda corrente teórica identifica-se com a perspectiva estruturalista, em que os problemas sociais surgem da estrutura e do sistema e não das falhas dos indivíduos. As desigualdades são expressas através de uma ordem social. Nesta perspectiva pressupõe-se que para se promover a mudança será necessário entrar em ruptura com as estruturas sociais. Esta tendência reporta-se ao Serviço Social Radical.

O terceiro tipo de abordagens centra-se na pessoa e reporta-se ao Serviço Social Interaccionista. Procura-se o sentido das acções individuais e encontrar formas de promover a inserção social, designadamente através do contrato entre o utente e o assistente social, na perspectiva da manutenção da ordem dominante.

As perspectivas teóricas ligadas ao funcionalismo passam pela tradição psicanalista e reportam às teorias comportamentais em que os indivíduos são receptores de estímulos e produzem respostas. Estas teorias visam o desenvolvimento de um sistema em equilíbrio e

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Funcionalismo é uma corrente que se identifica com a formulação de postulados de unidade funcional e universalistas. Assenta na noção de equilíbrio social que se atinge quando o sistema permanece estável, organizado e em ordem, identificando-se com os princípios de adaptação, integração, prosseguindo objectivos com vista à manutenção de sistema.

Interpretativismo é uma corrente que veio introduzir um novo nível de análise focada na interpretação dos símbolos e do significado. A Escola interpretativista adopta como objecto de estudo o modo como as pessoas entendem e interpretam o que as rodeia, assim como as suas acções e discursos.

Humanismo acredita na capacidade dos seres humanos para fazerem as suas escolhas e agirem livremente.

Estruturalismo é a teoria que se preocupa com o todo e com o relacionamento das partes na constituição do todo. A totalidade, a interdependência das partes e o facto de que o todo é maior do que a simples soma das partes são as suas características básicas.

todas as ameaças a este equilíbrio constituem uma patologia. Estas teorias podem identificar-se como sistémicas.

Em seguida apresentam-se algumas teorias de Serviço Social que, de algum modo, se relacionam com a realidade estudada e fazem parte do referencial teórico-prático das assistentes sociais entrevistadas. As entrevistas revelam algumas preocupações e posicionamentos, que se podem identificar com essas teorias, embora, nem sempre de forma explícita.

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