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A importância do leitor

3 A LEITURA LITERÁRIA

3.1 A importância do leitor

O leitor vem sendo analisado e conceituado não só por meio das chamadas teorias da recepção, como também por outras linhas críticas da atualidade, para as quais não apenas autor e texto, mas esse terceiro elemento, formam juntos o campo de estudo da crítica, da teoria e da história da Literatura. O leitor e a leitura tornam-se, hoje, objetos de refl exão teórica, até mesmo no interior do próprio texto literário.6

O pólo da leitura, fl uido e variável, confi gura-se como espaço potencial in- dispensável no processo de compreensão da criação artística de qualquer natu- reza, quer essa se manifeste como texto verbal ou não. Por meio da leitura dá-se a concretização de sentidos múltiplos, originados em diferentes lugares e tempos. Hoje a noção de texto se amplia: o que antes era considerado fi xo e dado tor- nou-se “espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original” (BARTHES, 1988, p. 68-69).

Embora não tenha explicitamente tratado da recepção ou dos efeitos da obra de arte sobre o leitor, Bakhtin, ao desenvolver o conceito de polifonia, chamando

6 Egon de Oliveira Rangel mostra como IÍtalo Calvino traz essa refl exão sobre o leitor e a leitura para sua narrativa fi ccio-

nal no conto “A aventura de um leitor. Letramento literário e livro didático de língua portuguesa: os amores difíceis”. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.). Literatura e letramento: espaços, suportes e interfaces. O jogo do livro. Belo Horizonte: Autêntica/Cceale/FaE/UFMG, 2003.

7 Leyla Perrone-Moisés fala sobre a multiplicação dos signifi cados das obras literárias ocorrida a partir do fi m do século

passado, provocada pelo estilhaçamento temático e pela mistura de discursos, afi rmando que as obras, a partir daí, “per- mitem e até mesmo solicitam uma leitura múltipla” (PERRONE-MOISÉS, Leyla. Crítica e intertextualidade. Texto, crítica e escritura. São Paulo: Ática,1993,. p. 58.

66 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO

a atenção para a dimensão dialógica do texto, apontou para sua pluralidade dis- cursiva, que ultrapassa os limites da estrutura interna da obra, estendendo-se à leitura. A palavra plural, disseminadora de sentidos, requer uma leitura também ela múltipla,7 não mais regulada pela busca do signifi cado único ou pela verda-

de interpretativa, mas atenta às relações e às diferentes vozes que se cruzam nos textos literários.8

Nas discussões sobre o caráter plural da leitura, uma pergunta deve ser feita: a leitu- ra do texto literário possibilita a irrefreável disseminação de sentidos, tantos quantos forem os leitores que o fertilizem com seu olhar? Umberto Eco, em seu famoso livro

Obra aberta, coloca defi nitivamente em

cena a relação fruitiva dos receptores quando

ainda eram as obras estudadas como um cristal, como estruturas fechadas em suas relações internas. Eco, motivado pela polêmica gerada pelo seu conceito de

obra aberta, questiona: “[...] é possível fazer tão decididamente a abstração de

nossa situação de intérpretes, situados historicamente, para ver a obra como um cristal?” (ECO, 1969, p. 29). Questão fundamental para que hoje possamos per- ceber quem eram os interlocutores de Umberto Eco quando o teórico se viu im- pelido a reformular conceitos que dessem conta de acompanhar as novas formas de arte dele contemporâneas, tendo como eixo a relação obra–leitor.

Vinte anos depois de escrito o primeiro ensaio que resultaria em Obra aberta (1969), Umberto Eco, em Lector in fabula (1986), dialoga com seu livro que pri- meiro colocou a questão da “abertura” da obra de arte, tentando mostrar como a solicitação da cooperação do leitor já era estratégia do texto colocada pelo au- tor. Posteriormente, em Interpretação e superinterpretação (1993), o autor retoma mais uma vez, na tentativa de desfazer equívocos, seu conceito de obra aberta:

Em 1962, escrevi minha Opera aperta. Nesse livro eu defendia o papel ativo do intérprete na leitura de textos dotados de valor estético. Quando aquelas páginas foram escritas, meus leitores focalizaram principalmente o lado aberto de toda a questão, subestimando o fato de que a leitura aberta que eu defendia era uma atividade provocada por uma obra (e visando sua interpretação). Em

... a leitura do texto literário possibilita a irrefreável disseminação de sentidos, tantos quantos forem os leitores ...?

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CONHECIMENTOS DE LITERATURA

outras palavras, eu estava estudando a dialética entre os direitos dos textos e os direitos de seus intérpretes. Tenho a impressão de que, no decorrer das últimas décadas, os direitos dos intérpretes foram exagerados. (ECO, 1993, p. 27).

O ensaísta italiano deixa clara sua necessidade de reforçar a relatividade da

abertura da obra, discordando de uma aceitação ilimitada de toda e qualquer

leitura. Já nesse momento de sua produção, os interlocutores que tem em mira e aos quais endereça suas ressalvas não são mais aqueles que tinham a obra como um cristal, mas aqueles que, ligados a correntes do pensamento crítico contem- porâneo, pregam a proliferação ilimitada de leituras que a obra pode suscitar. Em texto mais recente, Umberto Eco fala de um “exercício de fi delidade e respeito na liberdade de interpretação”:

A leitura das obras literárias nos obriga a um exercício de fi delidade e de res- peito na liberdade de interpretação. Há uma perigosa heresia crítica, típica de nossos dias, para a qual de uma obra literária pode-se fazer o que se queira, nelas lendo aquilo que nossos mais incontroláveis impulsos nos sugerirem. Não é verdade. As obras literárias nos convidam à liberdade da interpretação, pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambigüidades e da linguagem da vida. Mas para poder seguir neste jogo, no qual cada geração lê as obras literárias de modo diverso, é preciso ser movido por um profundo respeito para com aquela que eu, alhures, chamei de intenção do texto. (ECO, 2003, p. 12).

Na trajetória de Eco podemos acompanhar o movimento da própria teoria literária: da ênfase na obra à ênfase no leitor, para logo mais relativizar ambas.