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A imprensa e o processo colaborativo na dramaturgia de Um trem

3.4 Processo colaborativo em Um trem chamado desejo

3.4.4 A imprensa e o processo colaborativo na dramaturgia de Um trem

A maioria dos artigos e resenhas a respeito do espetáculo trata de descrever o entrecho dramático e ilustrar que a peça contém experiências e opiniões pessoais do elenco. O que poucas fazem é citar ou descrever o processo de criação do texto e denominar satisfatoriamente as funções. Isso reflete, até certo ponto, o fato de o próprio grupo não estar suficientemente consciente do processo – o que poderá ser verificado nos depoimentos de alguns de seus componentes. Com o passar do tempo e a continuidade dos projetos, o quadro irá mudar.

Falando de maneira geral, pode-se considerar que um crítico analisa o espetáculo em si e não o seu processo, mas sem pretender estender demasiado o assunto, seria bastante pertinente que se procurasse investigar como o espetáculo foi elaborado pois, sem dúvida, muito de seu resultado se deve a isso. E, se não bastasse, esse tipo de informação em muito contribuiria para esclarecer o público, estimular outras criações semelhantes e acenar com outro tipo de procedimento dramatúrgico que não o de gabinete.

Dentre os artigos fornecidos pelo Galpão, foram selecionados os que tratam do processo de criação e/ou da atribuição de funções na construção do espetáculo – nesse caso, nos moldes

colaborativos. Ou seja, dos quarenta e nove textos coletados, entre artigos, resenhas e críticas, serão utilizados vinte e dois como estímulo à reflexão.

Entre os que mais detalhadamente descrevem e definem o processo está Miguel Anunciação, repórter do jornal Hoje, de Belo Horizonte que, tendo feito parte do Núcleo de Dramaturgia do Oficinão, pôde ter contato direto com a criação de um espetáculo nos moldes colaborativos. Seu artigo, dando conta da estréia, esclarece o público sobre parte do processo, ao citar uma declaração de Chico Pelúcio: “cada ator forneceu o material do seu personagem, seu olhar pessoal sobre os bastidores e o mercado de produção. São depoimentos calcados das vivências, cada um botou pra fora o que acha do teatro” (Anunciação, 2000, p. 1). O repórter esclarece:

E até porque se falou bastante, como numa sessão de análise, ainda que não conte necessariamente suas próprias histórias, neste processo de criação o Galpão teria “purgado muito”. Os parceiros de texto (Abreu) e trilha (Rescala) teriam seguido climas pré-indicados. “E foram fidelíssimos”, observa (Eduardo) Moreira, ainda que a infidelidade seja central em “Um trem chamado desejo.” (Ibid.)

Miguel define Luís Alberto de Abreu como “parceiro de texto” e registra que ele seguiu climas pré-indicados – e de maneira “fiel”, como salienta um dos atores. Ou seja, ao escrever o texto, Abreu teria se baseado em idéias ou sugestões alheias, não sendo considerado um autor, mas um “parceiro”.

Em artigo do ano seguinte, intitulado Galpão faz da traição uma comédia musical, Miguel esclarece um pouco mais o processo, citando novamente uma declaração de Pelúcio:

“A idéia surgiu entre os próprios atores: aprimorar o já longo contato musical e instrumental do elenco e tirar proveito de uma pesquisa onde a figura do corno conta e canta suas dores através de pérolas imortais da nossa MPB (...). Este primeiro borrão de espetáculo não indicava mais que um pocket musical”, assinala Chico Pelúcio. Apresentado (e aprovado) por um pequeno núcleo de amigos de sempre do Galpão, o “feto” desenvolveu-se em direção a um organismo maior, mais ambicioso. (Anunciação, 2001, p. 1)

No pequeno núcleo de amigos estava o dramaturgo, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do “organismo”.

Na crítica Trem danado de bom, o repórter anota que “boa parte da adoção do público se deve ao humor safado e perspicaz do texto de Luís Alberto de Abreu” (Anunciação, 2001, p. 1). Nesse momento Miguel consegue identificar que boa parte do texto escrito teve um responsável, que chegou até a imprimir algo de seu estilo pessoal de escrita na peça para o Galpão. Isso se deve, claro está, ao fato de que ele conhece o dramaturgo e parte de sua obra cômica.

Finalmente, na crítica Texto do espetáculo compartilha ficção e um tanto de confissão, Miguel mais uma vez consegue diferenciar/especificar o trabalho dramatúrgico ao afirmar:

Porque ao expor as mazelas de uma companhia de poucos recursos, entregue ao drama da falta de público, o texto compartilha um tanto ficção, outro tanto confissão. Tão ilegíveis (a despeito das referências locais) quanto hilárias e inteligentes. A dramaturgia de Luís Alberto de Abreu (...) é clara e bem armada. Pródiga em gags sem persegui-las e despida de enfeites, como prefere o humor. Homenageia o teatro, a comédia musical e popular do Brasil, num tom de quase chanchada. (Anunciação, 2001)

Alguns equívocos quanto à nomenclatura e definição de funções podem ser encontrados no artigo de Clara Arreguy, para O Estado de Minas. A repórter define o espetáculo como resultante “de um trabalho de criação coletiva tendo como eixo o desejo, que se desdobra em dois rumos: nas relações amorosas entre os integrantes de uma trupe teatral fuleira dos anos 20, em Belo Horizonte; e na luta pela arte e sua sobrevivência, em todos os sentidos.” (Arreguy, 2000, p. 10) No box inserido no rodapé do artigo pode-se ler: “UM TREM CHAMADO DESEJO - Criação coletiva do grupo Galpão, com texto final de Luís Alberto de Abreu, direção de Chico Pelúcio, cenário e figurinos de Márcio Medina e música de Tim Rescala”.

Tendo sido comentado anteriormente neste capítulo que tanto o texto quanto os cenários e os figurinos foram desenvolvidos primeiramente em workshops do grupo, por que o dramaturgo realizou o “texto final” e o cenógrafo foi considerado autor de sua área? O próprio programa da peça especifica: “Direção: Chico Pelúcio / Argumento: Grupo Galpão / Dramaturgia: Luís Alberto de Abreu / Música e letra: Tim Rescala / (...) Cenário e figurino: Márcio Medina (...)”, como se cada artista respondesse pelo seu setor. No caso de artigos como o referido, o fato de determinar que o “texto final” é de alguém, pode denotar que havia um texto anterior pronto e que ao dramaturgo coube tão somente finalizá-lo e carimbar sua chancela.

Valbene Bezerra, do jornal O popular, de Goiânia, vislumbra um entendimento da criação dramatúrgica no processo colaborativo ao publicar que

Luís Alberto de Abreu deu sentido às improvisações do elenco até chegar ao formato final da peça, que conta a história de uma trupe fracassada dos anos 20, a Alcantil da Alterosas, cujo maior sonho é apresentar-se na praça Tiradentes, no Rio. (Bezerra, 2001, p. 3).

Desconsidera, porém, que o dramaturgo faz bem mais do que dar sentido à criação alheia e, no

box, anuncia: “Peça: Um Trem Chamado Desejo / Roteiro: Luís Alberto de Abreu”. Aí ocorre um

duplo equívoco. Primeiro que em teatro o termo “roteiro” é utilizado para denominar uma das etapas anteriores ao texto, e segundo que, tendo um filme como parte integrante do espetáculo, ele sim tem um roteiro e um autor, que não é Luís Alberto de Abreu, mas Marcelo Braga.

Na Folha de Londrina, o repórter Francelino França, enviado a Curitiba para fazer a cobertura

do Festival de Teatro, não poupou elogios ao dramaturgo do Trem. A certa altura diz que Abreu construiu uma dramaturgia que transborda brasilidade. A linguagem maliciosa, a sensualidade, o comportamento musical e a mistura de raças não consegue traduzir o impressionante universo criado pelo dramaturgo. “Um Trem...” é uma homenagem a um ofício, um resgate de uma história no tempo-espaço. A loucura criativa do grupo teatral retratado na peça se fez presente no deboche das emoções. (...)As sacadas de genialidade se sucederam no palco e inebriavam o público. (França, [s.d])

França gostou do espetáculo e segue tecendo considerações elogiosas a ele e ao grupo. Porém não cita, em nenhum momento, o processo criativo. Isso faz pensar que o texto foi uma criação original de Luís Alberto de Abreu, quando não foi.

Ao viajar com a peça para o Rio de Janeiro, o Galpão recebeu uma crítica no jornal O Globo, em que Bárbara Heliodora faz um apanhado do processo e designa funções, creditando a Luís Alberto de Abreu a dramaturgia e não a autoria:

A peça, em sua feitura, mostra também o quanto todos gostam de explorar o talento de quem já é do grupo, pois o argumento foi elaborado por uma pesquisa a respeito da música popular brasileira no mais legítimo gênero ‘dor-de-cotovelo’, misturada com os exageros das traições amorosas que faziam as delícias de modestas companhias teatrais brasileiras nas primeiras décadas do século 20, entregando a direção ao ator Chico Pelúcio. Mas o grupo também gosta de se enriquecer com talentos de fora e, por isso, chamou Luís Alberto de Abreu para fazer a dramaturgia e Tim Rescala para fazer música e letra dessa evocação de um passado pobre, porém charmoso. (Heliodora, 2001, p. 25).

A crítica de Macksen Luiz, do Jornal do Brasil, se baseou na apresentação feita no Festival de Curitiba em 2001. Logo no primeiro parágrafo o crítico anota que “Um trem chamado desejo, comédia musical de Luís Alberto de Abreu, é ambientada nas coxias da companhia teatral mineira Alcantil das Alterosas, nos anos 20.” (Luiz, 2001). Só mais adiante é que Macksen vai dar uma pista do processo dramatúrgico, embora não esclareça que sua escritura se deu ao longo de todo o período de ensaios e trabalhos práticos e não a partir de um roteiro escrito:

o roteiro original é uma criação do grupo, a qual Luís Alberto de Abreu deu a forma de comédia com música. Aquilo que se passa no palco é reflexo do que acontece por trás da cena, e através desse duplo plano narrativo, Um trem chamado desejo procura manter o humor farsesco numa trama ingênua, como deve ser o espírito da burleta.” (Luiz, 2001)

O Diário da Tarde, do Belo Horizonte, é mais um jornal a definir o Trem como criação coletiva. O repórter César Macedo pressupõe que o leitor do veículo sabe exatamente o que é uma criação coletiva e ignora que muitos definem ou compreendem o próprio teatro nesses termos. Afirma que o espetáculo “contou com a amarração final do dramaturgo paulista Luís Alberto de Abreu” (Macedo, 2000, p.8). Pode-se entender daí que Chico Pelúcio dirigiu, mas quem fez a “amarração final” foi Abreu. 95

Michele Oliveira, da Gazeta Mercantil, anuncia que “com argumento surgido do próprio grupo, o texto tem autoria de Luís Alberto de Abreu. Mas o diretor admite que a criação é resultado de interferências dele e dos demais atores também” (Oliveira, 2001). Como vimos ao longo deste trabalho, a direção de Chico Pelúcio teve, em muitas ocasiões, a interferência do dramaturgo. Afinal, este é um dos pressupostos do processo colaborativo.

95 “Amarração” é um termo comum no jargão teatral, considerando que um espetáculo é composto por uma série de

“fios”, correspondentes a cada uma das áreas, a cada um dos recursos, idéias, signos envolvidos. Ao trabalho de dar unidade, ou seja, de compor com esses fios um tecido/trama adequados às intenções da equipe e à apreciação do público, dá-se o nome de amarração. Em geral, ela é realizada pelo encenador. O dramaturgo em processo colaborativo pode “amarrar” os fios correspondentes à sua área e, na medida em que dá sugestões à encenação, contribuir com a “amarração” geral.

A repórter começa bem, diferenciando a idéia original (argumento) do trabalho com o texto 96.

Mais uma vez, supõe-se que o público saiba no que consiste um argumento e como se desenvolve um texto a partir dele. Os que sabem, de fato, poderiam pensar, com a frase, que o grupo apresentou uma idéia abstrata, um desejo ou mesmo uma fábula ao dramaturgo e o encarregou de elaborar o texto. Porém, como se sabe, o “argumento” foi também mostrado cenicamente, por meio dos personagens representados concretamente pelos atores, em situações e diálogos, ou seja, teatralmente. Dessa forma, o grupo não só pretendeu um material para o texto como também para o espetáculo.

Na seqüência, Michele cita o diretor ao dizer que ele e os atores interferiram na criação. Criação de quê? Do espetáculo ou do texto? Se deste, é importante lembrar que o dramaturgo em processo colaborativo interfere também na cena e que a construção do espetáculo decorre dessas múltiplas interferências. E por que não citar as interferências na música e na cenografia? Talvez pelo fato de se considerar o espetáculo como a integração entre um texto e sua interpretação na cena.

Na esteira do artigo anterior, temos um outro, de Paulo Polzonoff Jr, do Jornal do Estado, de Curitiba. Paulo define o Galpão como um grupo que, “ao contrário das companhias tradicionais, privilegia o ator em detrimento do diretor” (Polzonoff Jr, 2001). É arriscado afirmar que o grupo privilegia os atores “em detrimento do diretor”. Não é o que se verifica ao analisar a trajetória do grupo, pois, em muitos momentos, os diretores imprimiram sua marca pessoal em alguns espetáculos. Prova disso é também a montagem de O inspetor geral, de Gogol, que estreou em 2003 e teve direção de Paulo José. Quando o grupo ainda planejava a realização desse espetáculo, Chico Pelúcio comentou na revista Folhetim, ao concluir uma reflexão sobre o processo colaborativo:

“É interessante esse processo, porque o diretor é cada vez mais como um misto de diretor e coordenador do processo, sem uma visão vertical de direção. Nosso próximo espetáculo provavelmente vai ter o diretor convidado e a gente vai se entregar ao processo desse diretor. Se ele vier com um processo completamente diferente, possivelmente a gente vai entrar num outro tipo de trabalho.” (Saadi & Guedes, 2002, p. 102)

Foi assim com Villela, Cacá Carvalho e com Paulo José.

A seguir Paulo Polzonoff Jr justifica a afirmativa anterior ao dizer que “neste Um trem chamado

desejo, os atores criaram o argumento e improvisaram, até chamarem o dramaturgo Luís Alberto de

Abreu para dar uma lapidada no texto.” (Polzonoff Jr, 2001). É possível entender daí que o dramaturgo só foi chamado quando o texto já estava suficientemente pronto para receber, então, alguns retoques e estrear. Tendo informações sobre o processo, sabe-se que ele não ocorreu dessa

96 Massaud Moisés, em seu Dicionário de termos literários define: “No terreno das Letras, O argumento designa o sumário do

conteúdo, ação ou enredo de um poema, conto, novela, romance ou peça de teatro. Nesta acepção, o termo entrou a ser utilizado no século XVI, por vezes de mistura com ‘assunto’, ‘tema’, ‘matéria’ ou ‘idéia”. (Moisés, 1988, p. 41).

forma. E conhecendo o trabalho dos dramaturgos, sabe-se que dificilmente um deles se disporia à tarefa de simplesmente “lapidar” o texto de outrem – tarefa mais comum no cinema e na televisão, quando um mesmo roteiro pode passar por diversas mãos, inclusive as do diretor e produtor, até chegar à versão final.

Nesse caso, Mariângela Alves de Lima, em Comicidade do ‘Trem’ fica a léguas da farsa (2001), foi mais feliz, dando uma pista sobre o processo nas linhas finais do texto:

O texto de Luís Alberto de Abreu, escrito a partir de situações dramáticas propostas pelo grupo, tem uma precisa correspondência histórica com o vocabulário teatral dos anos 20 e a economia da boa escrita. Os atores do Galpão lançam assim um olhar amoroso sobre o passado enquanto põem as mãos na massa do contemporâneo. (Lima, 2001, p. 24).

Três jornalistas, de três Estados diferentes, divulgam informações de conteúdo semelhante: o texto é uma criação coletiva do Galpão e Luís Alberto de Abreu elaborou o texto final. São eles Sérgio Rodrigues Reis, do Estado de Minas; Mônica Riani, do Jornal do Brasil, e Sandra Soares, do Jornal da

Tarde, de São Paulo. Mais uma vez não fica claro o processo nem o papel do dramaturgo.

Sérgio, porém, a certa altura do artigo esclarece que “ao chegar à maturidade, aos 18 anos, o Galpão mergulhou em um processo criativo para elaborar o espetáculo, que durou meses. Começou com uma idéia de pocket show, que virou esboço, roteiro, depois o Tim Rescala iniciou a composição das músicas e foi realizado um workshop com os atores. A partir da improvisação, o texto da peça foi sendo construído” (Reis, 2000). Fica a dúvida: foi construído pelo grupo e finalizado pelo dramaturgo, ou Luís Alberto de Abreu começou seu trabalho no período pós-improvisação?

A Gazeta do Povo ao fazer a cobertura do Festival de Curitiba de 2001 creditou o trabalho dramatúrgico ao publicar que “(...) alguns números são simplesmente impagáveis, também por conta do texto afiado de Luís Alberto de Abreu” (Slowick, 28/03/2001), porém o repórter não comenta sobre o processo criativo, o que faz pensar que o texto foi uma obra original. Três dias antes o mesmo repórter havia tencionado abordar o processo, no mesmo veículo:

“Esta temática foi acontecendo por causa de nossa necessidade de trabalhar com a música”, afirma Chico Pelúcio, diretor de Um trem chamado desejo. “Já estamos trabalhando com Luís Alberto de Abreu (dramaturgo paulista que deu forma final ao texto) há algum tempo, sempre num processo de criação de textos através do ator, e quisemos fazer um musical.” (Slowick, 25/03/2001)

Nessa ocasião Humberto Slowick oferece ao leitor algumas palavras sobre a elaboração do espetáculo - “processo de criação de textos através do ator” – que não chega a esclarecer muita coisa. Além disso, quando Chico Pelúcio afirma estar trabalhando há algum tempo com Abreu nesse

processo, ele não está falando do Galpão (cujo espetáculo anterior foi Partido e não teve a participação do dramaturgo) mas do projeto Oficinão do Galpão Cine Horto.

Israel do Vale, anuncia na Folha de S. Paulo a estréia do espetáculo em Belo Horizonte dizendo que “Luís Alberto de Abreu assina a dramaturgia, a exemplo do que fez no ano passado em ‘Caixa Postal 1500’, dirigida por Chico Pelúcio (...) para o Oficinão do Galpão, o projeto paralelo encenado no Cine Horto, centro cultural mantido pelo grupo” (Vale, 2000). Mais uma vez não há comentários sobre o processo criativo. E o que significa Abreu ter assinado a dramaturgia? Que não se trata de um texto original do dramaturgo ou é apenas uma maneira diferente de dizer que ele escreveu a peça? No

box de divulgação, o argumento não é creditado ao grupo, o que leva a pensar num texto original de

Luís Alberto de Abreu.

Já os leitores do jornal A Tarde, de Salvador, ficaram sabendo, pela repórter Mary Weinstein, que “o texto e o argumento de Um trem..., elaborados pelo próprio grupo, foram finalizados pelo dramaturgo Luís Alberto de Abreu” (Weinstein, 2001). Pode parecer que Abreu apenas finalizou, deu retoques em um texto que já estava pronto, o que não é verdade.

O suplemento Rioshow, de O Globo, fez uma pequena chamada para a estréia do espetáculo no Rio de Janeiro, em 2001. Um trecho pretende dar conta de parte do processo e da dramaturgia:

Tudo começou com uma vontade imensa de fazer um pocket só com canções de fossa, ou melhor, de corno. Mas, como o grupo mineiro não consegue fazer nada pocket, o projeto foi crescendo, crescendo, até se tornar Um trem chamado desejo (...) a peça, costurada por Luís Alberto de Abreu a partir de improvisações dos próprios atores, conta a história de uma trupe fracassada dos anos 20 (...) (Rioshow, 2001, p. 25)

Mais uma vez, o trabalho do dramaturgo em processo colaborativo fica relegado à costura e não à elaboração. Costurar, no caso do teatro, é diferente de amarrar. Os fios já estão tramados, enredados em pequenos blocos/retalhos e ao responsável - diretor, dramaturgo - cabe juntar os pedaços de modo a criar um todo coerente, inteligível, ou simplesmente agradável, dependendo do objetivo do grupo. A costura, em geral, é um termo que remete à criação coletiva.

Finalmente, o Jornal do Comércio de Porto Alegre, ao anunciar as apresentações do grupo, chega

próximo do esclarecimento do processo ao afirmar que “o Galpão (...) criou o argumento, improvisou cenas e depois convidou o paulista Luís Alberto de Abreu (de Bella Ciao) para escrever o texto” (Jornal do Comércio, 2001).

Como se pôde perceber, a montagem de Cx Postal 1500 foi recebida por uma imprensa que ainda não dispunha de informações suficientes a respeito do processo colaborativo. Dada a timidez da

produção – alunos de uma Oficina – e o ineditismo do processo, os jornais mineiros trataram a cobertura do espetáculo sem maior detalhamento do trabalho de montagem.

No ano seguinte, o Trem teve outra recepção. Ainda que poucas matérias tenham abordado de forma eficiente o processo de criação, o leitor pôde perceber que se tratava de um esquema diferente de trabalho. Isso se deveu, por um lado, ao renome do grupo - a abordagem de um espetáculo de grupo consagrado merece, grande parte das vezes, um aprofundamento maior que o de um grupo