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A influência de alguns países lusófonos no modelo judicial moçambicano

CAPÍTULO II – O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO E RECRUTAMENTO DAS

2.4 A influência de alguns países lusófonos no modelo judicial moçambicano

Como se disse antes, o modelo judiciário moçambicano não é originário, visto que resulta de combinação de vários fatores. Primeiro, porque procede de uma influência lusófona, do próprio Portugal (colonizador) e de outros países de língua portuguesa, nomeadamente, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Segundo, resulta de uma influência dos regimes comunistas, sobretudo da China e da antiga URSS. O modelo de vida nas zonas libertadas da Frelimo foi importado dos países comunistas. Nas zonas libertadas, durante a Luta Armada de Libertação Nacional, todos os cargos eram por indicação do chefe ou líder do grupo. Terceiro e último fator, resulta ainda da tradição do partido único, criado pela FRELIMO. Neste regime, todo o poder estava concentrado no líder do partido.

No entanto, os três fatores são concomitantes, pois a influência lusófona resulta imediatamente após a independência das então colônias portuguesas (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe). Estas colônias partilharam a ideia de criação de um Estado unitário, socialista de partido único, nas suas primeiras constituições, fato que, logo de início, contrastou com a ideia de separação de poderes, ao nível da organização política e judiciária destes Estados.

Provavelmente, seja por esta razão que até hoje, as altas elites do sistema judiciário moçambicano continuam sendo nomeadas pelas elites políticas – os dirigentes dos partidos políticos no poder. Difícil está sendo, a perda deste poder ganho logo após a independência. É verdade que aos poucos se vai perdendo nestas colônias portuguesas em África. Por exemplo, em Cabo Verde, o presidente da República e o chefe do Governo (Primeiro Ministro) já não

têm nenhum poder sobre o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que o ingresso dos seus membros é por via concurso e, o presidente deste órgão é eleito por seus pares, cabendo somente ao presidente da República a nomeação. De igual modo sucede com a legitimação do presidente do Tribunal Constitucional de Cabo Verde.

O constitucionalista Português, Jorge Miranda (2010) entende que, alcançada a independência, os países lusófonos africanos tiveram em comum as seguintes políticas africanistas:

Concepção monista do poder e institucionalização de partido único; abundância de fórmulas ideológico-proclamatórias e de apelo às massas populares; empenhamento na construção do Estado – de um Estado diretor de toda a sociedade; compressão acentuada das liberdades públicas, em moldes autoritários e até, em alguns casos, totalitários; organização económica do tipo coletivizante; recusa da organização política e primado formal da Assembleia Nacional Popular (MIRANDA, 2010, p. 9).

Estas políticas revolucionárias comuns acabaram influenciando toda a máquina judicial e administrativa daqueles países. Mas com as reformas sucessivas que têm vindo a serem implementadas em cada país da África Lusófona, os modelos, tantos políticos bem como judiciais, acabaram ganhando direções distintas. Alguns países avançaram grandemente para a consolidação da independência e da autonomia das instituições judiciais (caso de Cabo Verde), mas em outros o destino está sendo diferente. As amarras políticas ou imbricações entre o sistema judiciário e o poder político ainda são maiores. Basta ver as formas da composição e indicação dos seus membros. Alguns padrões são propositados de modo a controlar e influenciar o funcionamento do campo jurídico. Nestes moldes, o sistema judiciário acaba sendo cúmplice e passa a ser guardião dos políticos governantes.

A influência de Portugal sobre o sistema judiciário de Moçambique resulta essencialmente em dois aspectos: país colonizador e formador dos primeiros juristas moçambicanos. Como país colonizador, influenciou grandemente, primeiro pelo seu regime fascista implantado durante os 500 anos no país, nas suas leis, forma de governação, entre outros aspectos. Muitos juristas que hoje ocupam os altos cargos no país viveram este regime, sofreram e aprenderam dos portugueses. No regime português, vigorou a lei de chicotada, pena de morte, etc. Após a independência, os moçambicanos também seguiram essas práticas, mais tarde abolidas pela Constituição de 1990 e 2004, portanto, aprenderam dos portugueses.

A segunda influência de Portugal foi a sua própria Língua Portuguesa, que permitiu uma rápida circulação e partilha de textos e leis de países lusófonos. Consequentemente, muitos juristas, não só moçambicanos, como também de todos os Países Africanos de Língua

Oficial Portuguesa (PALOP), formaram-se em Portugal. Tendo sido posteriormente, os pioneiros na construção e no esboço dos modelos judiciais em vigor nos seus países. É o caso também de Moçambique (ver capítulo I deste trabalho).

Contudo, o caso moçambicano se acentua muito problemático, devido ao seu sistema político e ao seu histórico do passado, um país que chegou a independência por via de guerra (1964-1974), seguida de mais uma guerra civil que durou 16 anos (1976-1992). Todos esses fatos associados ao regime de partido único que vigorou no país durante 15 anos (1975-1990), em que a maior parte das elites hoje nomeadas fez parte. Difícil está sendo a perda dos valores éticos e deontológicos adquiridos durante aquele regime. O atual regime continua conservador em relação a muitos princípios que vigoraram naquela época.

Concordando com Dayana dos Santos Delmiro Costa (2015), tudo leva a pensar que a dependência original, bastante forte do Poder Judiciário frente ao Poder Executivo, no regime comunista, com apenas um partido político (Frente de Libertação de Moçambique – Frelimo), que vigorou em Moçambique, ―foi constitutiva de uma cultura profissional específica, relacionada ao fato da aprendizagem e de interiorização de todo um conjunto de normas e valores, de regras de conduta que são sociais, profissionais e políticas‖ (COSTA, 2015, p. 29). Isto é vernáculo, porque, até hoje o recrutamento dos membros para o sistema judiciário, principalmente para compor os setores mais altos da justiça, faz-se por indicação política.

O entendimento acima é também sustentado por alguns autores. É o caso de Brito et. al (2015), ao afirmarem que, ―A história política recente de Moçambique é caracterizada por uma tradição política autoritária, tanto sob o regime de partido único, que durou desde a independência em 1975 até 1990, como no período que se seguiu a introdução do multipartidarismo e ao fim da guerra civil‖ (BRITO, et. al, 2015, p. 7). Afere-se aqui a influência da origem das instituições do sistema judiciário sobre a estrutura ou os seus agentes. Foi nestes contextos que foi sendo construído o sistema judiciário moçambicano, que direta ou indiretamente influência no modus operandi dos agentes que nele se encontra em luta para afirmação de um lugar.

Conclusão parcial

Neste capítulo, pode concluir-se que o Conselho Constitucional (CC) e o Tribunal Supremo (TS) são as instâncias mais altas do sistema da justiça de Moçambique. As decisões do CC são irrecorríveis e de cumprimento obrigatório.

O CC é composto por juristas escolhidos de entre parlamentares e cidadãos no geral com ―notório saber jurídico‖ nacional e estrangeiro. O recrutamento destas elites judiciais é mais heterogêneo e exógeno ao Poder Judiciário, sendo dominado por membros indicados a partir de uma tríplice divisão de poderes: presidente da República (Poder Executivo), Assembleia da República (Poder Legislativo) e Conselho Superior da Magistratura Judicial (Poder Judiciário). No entanto, subjaze deste modelo de composição e indicação o problema do comprometimento político dos membros do CC, uma vez que as autoridades a quem pertence o poder de nomear, escolhem personalidades que partilham das suas próprias visões políticas. Este fato, fatalmente, sucumbe a aludida independência formalmente estabelecida na Constituição do país. Mais, este não é um problema exclusivo de Moçambique, ocorre também em alguns países anteriormente analisados.

O Tribunal Supremo possui um recrutamento mais endógeno ao setor da justiça moçambicano, sendo constituído por membros oriundos da magistratura judicial (juízes) e do Ministério Público (procuradores) e advogados de reconhecido saber jurídico, selecionados pelo presidente da República e pelo concurso público curricular, aberto pelo CSMJ.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão central do Estado, possui também um recrutamento endógeno do sistema judiciário, com membros recrutados pelo presidente da República, podendo não ser magistrados de carreira, o que difere com alguns países lusófonos, por exemplo, o Brasil, que o procurador-geral da República deve ser obrigatoriamente jurista de carreira no Ministério Público.

CAPÍTULO III – AS CONEXÕES ENTRE O PERFIL SOCIAL, ACADÊMICO,

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