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A trajetória acadêmica das elites judiciais em Moçambique

CAPÍTULO III – AS CONEXÕES ENTRE O PERFIL SOCIAL, ACADÊMICO,

3.3 A trajetória acadêmica das elites judiciais em Moçambique

No que concerne à trajetória acadêmica (universidades nacionais e/ou estrangeiras) das elites do setor da justiça em Moçambique, a maioria teve um forte apoio do sistema socialista, que foi acolhendo estudantes jovens para diversas instituições de ensino secundário e universitário, nacionais e estrangeiras.

Segundo Irene da Oração Afonso Micas e Uthui (entrevista, 2017), no sistema socialista, que vigorou em Moçambique logo a seguir à independência do país, o critério era de colocação ou afetação, no qual o Estado é que definia quais eram as áreas prioritárias para a formação (Educação, Saúde, Força Aérea, Econômica, Direito, etc.). No Estado socialista, a formação e o ensino eram gratuitos. Tudo era pago pelo Estado (transporte, alojamento, alimentação, professores, etc.,). A única coisa pessoal era o vestuário, calçado e o material escolar. Muitos jovens, com vontade de estudar e de contribuir para o desenvolvimento do país, aproveitaram o sistema socialista para a formação básica e média do Sistema Nacional de Educação no país.

O ingresso para o ensino superior era feito após a conclusão do sétimo ano do Liceu. Não havia exames de admissão para o ingresso ao ensino superior. O que contava, naquela altura, eram as notas altas que cada estudante conseguia no sétimo ano do Liceu. Desta forma, alguns jovens moçambicanos conseguiram ingressar no curso de Direito, nas instituições nacionais e internacionais, com forte apoio do Estado e de algumas instituições privadas, que atribuíam bolsas de estudos para os jovens moçambicanos darem continuidade dos seus estudos em todas as áreas e, em particular na área jurídica.

Em relação às instituições de formação, verifica-se que, muitas elites do sistema de justiça em Moçambique tiveram a formação jurídica dentro do país. Foram formados na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane (FDUEM). Num universo de vinte e oito (28) altos dirigentes do setor judiciário analisados, vinte e três (23) são licenciados em Direito pela FDUEM, dois (2) formaram-se pela Universidade de Coimbra e três (3) pela Universidade Clássica de Lisboa, hoje Universidade de Lisboa (ver Quadro 29). Salientar que,

Manuel Henrique Franque, juiz conselheiro desde o dia 21 de maio de 2004, tem duas licenciaturas em Direito: uma na FDUEM (1980), a outra na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1990). Na análise deste trabalho, foi valorizada a sua primeira formação (UEM).

Quadro 29 – Instituições de formação dos juristas moçambicanos Faculdades de Direito N.º Total Nomes dos Juristas

Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique.

23

Adelino Manuel Muchanga, André Paulo Cumbe, António Paulo Namburete, Augusto Raúl Paulino, Beatriz da Consolação Mateus Buchili, Eduardo Joaquim Mulémbwè, Irene da Oração Afonso Micas e Uthui, João André Ubisse Guenha, João Carlos Loureiro do Nascimento de Almeida Trindade, Joaquim Luís Madeira, José Norberto Rodrigues Baptista Carrilho, Lúcia da Luz Ribeiro, Lúcia Fernanda Buinga Maximiano do Amaral, Luís António Mondlane, Manuel Henrique Franque, Maria Benvinda Delfina Levi, Mário Bartolomeu Mangaze, Mateus da Cecília Feniasse Saize, Orlando António da Graça, Ozias Pondja, Pedro Sinai Nhatitima, Sinai Josefa Nhatitima, e Taíbo Caetano Mucobora.

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

02 Rui Baltazar dos Santos Alves e Domingos Hermínio Cintura.

Faculdade de Direito da

Universidade Clássica de Lisboa. 03

Hermenegildo Maria Cepeda Gamito, Teodato Mondim da Silva Hunguana e Luís Filipe de Castel-Branco Sacramento TOTAL 28

Fonte: Elaboração própria com base em dados da pesquisa.

Olhando os dados acima, parece correto dizer-se que, em Moçambique, o presidente da República e a Assembleia da República são dois poderes que escolhem e legitimam as elites do sistema judiciário. Estes dois órgãos de soberania têm tido uma relativa preferência pelos juristas formados ao nível nacional (23 juristas licenciados em Direito pela FDUEM), em detrimento dos juristas formados fora do país. Até hoje, são apenas cinco (5) elites judiciais que têm uma formação em Direito fora de Moçambique, nomeadamente: Rui Baltazar dos Santos Alves (Universidade de Coimbra, 1956) – primeiro presidente do Conselho Constitucional; Hermenegildo Maria Cepeda Gamito (Universidade Clássica de Lisboa, 1975) – o terceiro e atual presidente do Conselho Constitucional, que exerce esta função desde o dia 26 de maio de 2011; Luís Filipe de Castel-Branco Sacramento (formou-se em Portugal) – vice-presidente do Tribunal Supremo (2004/2010); Teodato Mondim da Silva Hunguana (Universidade Clássica de Lisboa) – antigo juiz conselheiro do Conselho Constitucional (2003 a 2009); e Domingos Hermínio Cintura (Universidade de Coimbra, 1997) - juiz conselheiro desde o dia 9 de agosto de 2009 (ver Quadro 30).

Entretanto, são somente estes cinco juristas que conseguiram chegar ao topo do sistema judiciário moçambicano, apesar de existir um número considerável de juristas

formados também no exterior. Como por exemplo: Aires do Amaral Banze Muchina, Domingos Mascarenhas António Arouca (já falecido), João Manuel Martins (já falecido), Máximo Dias, Victor Manuel Lopes Pinto Raposo Serraventoso, entre outros.

Quadro 30 – Elites judiciais formadas em Direito fora de Moçambique

Nome IES em Direito Cargo mais alto no

Judiciário 01 Rui Baltazar dos Santos Alves Universidade de Coimbra, 1956.

Presidente do Conselho Constitucional (2013 - 2009).

02 Hermenegildo Maria Cepeda Gamito

Universidade Clássica de Lisboa, 1975.

Presidente do Conselho Constitucional (2011 - atual).

03

Luís Filipe de Castel-Branco

Sacramento Universidade Clássica de Lisboa

Vice-presidente do Tribunal Supremo (2004/2010).

04 Teodato Mondim da Silva Hunguana

Universidade Clássica de Lisboa, 1975.

Juiz conselheiro do Conselho Constitucional (2003 - 2009).

05 Domingos Hermínio Cintura

(Universidade de Coimbra, 1997).

Juiz conselheiro do Conselho Constitucional (2009 - atual). Fonte: Elaboração própria com base em dados da pesquisa.

O Tribunal Supremo (TS) de Moçambique e a Procuradoria-Geral da República (PGR), após a independência, nunca foram dirigidos por juristas formados fora do país. Todos os três juristas que já foram nomeados para o cargo de presidente do Tribunal Supremo são licenciados pela Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane (FDUEM), nomeadamente, Mário Bartolomeu Mangaze (primeiro presidente do Tribunal Supremo, 1988-2009) formou-se na FDUEM, 1978 - foi um dos primeiros estudantes a ingressar no curso de Direito da FDUEM, em 1975, ano da abertura daquela Faculdade; Ozias Pondja (segundo presidente do Tribunal Supremo de 2009 a 2014), FDUEM; Adelino Manuel Muchanga (atual presidente do Tribunal Supremo, desde 2014), FDUEM. Entretanto, o TS já teve um vice-presidente - Victor Manuel Lopes Pinto Raposo Serraventoso, formado em Portugal.

No que diz respeito aos juízes conselheiros do Tribunal Supremo, quase a maioria foi formada na UEM: José Norberto Rodrigues Baptista Carrilho, Luís António Mondlane, Joaquim Luís Madeira, Maria Noémia Francisco; João Carlos Loureiro do Nascimento de Almeida Trindade; António Paulo Namburete, Augusto Abudo da Silva Hunguana; Maria Benvinda Delfina Levi; e Pedro Sinai Nhatitima. Excetua-se Luís Filipe Castelo Branco Sacramento (Juiz Conselheiro - Jubilado), formado em Portugal.

Na Procuradoria-Geral da República o cenário é o mesmo, os seis (6) procuradores- gerais até aqui nomeados, incluindo a atual procuradora-geral da República, são formados em Direito pela FDUEM, designadamente, Eduardo Joaquim Mulémbwè, o primeiro procurador- geral da República na história de Moçambique independente, que ocupou o cargo desde finais

de 1980 até 1994; Sinai Josefa Nhatitima (segundo procurador-geral da República de 1994 a 1998); António Paulo Namburete (terceiro procurador-geral da República de 1998 a 2000); Joaquim Luís Madeira (quarto procurador-geral da República de 2000 a 2007); Augusto Raúl Paulino (quinto procurador-geral da República de 2007 a 2014) e Beatriz da Consolação Mateus Buchili (sexta e atual procuradora-geral da República, desde 2014).

Quanto aos procuradores-gerais adjuntos, a situação é a mesma, são juristas, na sua maioria, formados a nível nacional - na FDUEM. Apenas alguns exemplos: André Paulo Cumbe, procurador-geral adjunto na área administrativa (FDUEM, 1993); Irene da Oração Afonso Micas e Uthui, procuradora-geral adjunta para área fiscal e aduaneira (FDUEM, 1997); Lúcia Buinga Maximiano do Amaral, procuradora geral-adjunta e chefe de departamento especializado para área de controlo da legalidade (FDUEM, 1990).

Importa destacar, também neste ponto que, de acordo com os ―Dados Estatísticos sobre o Ensino Superior em Moçambique 2015‖, publicados pelo Departamento de Planificação e Estatística do Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (2016), Moçambique possuía quarenta e nove (49) Instituições do Ensino Superior (IES), classificadas em públicas e privadas, conforme ilustra o quadro a seguir (Quadro 31).

Quadro 31 – Classificação das Instituições do Ensino Superior em Moçambique

INSTITUIÇÕES PÚBLICAS INSTITUIÇÕES PRIVADAS

Universidades 04 Universidades 09

Institutos Superiores 06 Institutos Superiores 20

Institutos Superiores Politécnicos 04 Escolas Superiores 02

Escolas Superiores 02

Subtotal 31

Academias 02

Subtotal 18

TOTAL = 49

Fonte: Elaboração própria com base em dados da pesquisa.

Das quarenta e nove IES, apenas 26 possuem o curso de Direito, como mostra o quadro a seguir (Quadro 32).

Quadro 32 – Instituições do Ensino Superior com Curso de Direito em Moçambique

Nome da Instituição do Ensino Superior Natureza Criação

01 Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Pública 1962

02 Universidade Pedagógica (UP). Pública 1985

03 Escola Superior de Ciências Náuticas (ESCN). Pública 2004

04 Universidade Zambeze (UniZambeze). Pública 2006

05 Universidade Politécnica (A Politécnica), Privada 1995

06 Universidade Católica de Moçambique (UCM). Privada 1995

07 Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTEM). Privada 1996

08 Universidade Mussa Bim Bique (UMBB). Privada 1998

09 Universidade Técnica de Moçambique (UDM). Privada 2002

10 Universidade São Tomás de Moçambique (USTM). Privada 2004

11 Universidade Jean-Piaget de Moçambique (UniPiaget). Privada 2004

12 Escola Superior de Economia e Gestão (ESEG). Privada 2005

13 Instituto Superior de Formação, Investigação e Ciência (ISFIC). Privada 2005

14 Instituto Superior de Tecnologia e Gestão (ISTEG). Privada 2008

15 Instituto Superior Monitor (ISM). Privada 2008

19 Instituto Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique (ISCIM). Privada 2008

17 Universidade Wutivi (UniTiva). Privada 2008

18 Instituto Superior de Gestão, Comércio e Finanças (ISGECOF). Privada 2009

19 Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande (ISCTAC) Privada 2009

20 Instituto Superior de Ciência e Gestão (INSCIG). Privada 2009

21 Instituto Superior de Gestão de Negócios (ISGN). Privada 2011

22 Universidade Nachingwea (UNA). Privada 2011

23 Instituto Superior Mutasa (ISMU). Privada 2012

24 Escola Superior de Gestão Corporativa e Social (ESCGS). Privada 2013

25 Instituto Superior de Ciências e Educação à Distância (ISCED). Privada 2014

26 Instituto Superior de Gestão e Empreendedorismo Guwaza Muttini (ISGEGM). Privada 2014 Fonte: Elaboração própria com base em dados da pesquisa.

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