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Parte I – Enquadramento teórico 9

4.1   A influência da realização: leituras da imagem 85

A imagem visual em publicidade pode assumir diferentes significados dada a sua natureza polissémica; contudo, esta característica não é exclusiva da imagem visual. Também a palavra tem um caráter polissémico, já que pode conter variados significados.

A imagem verbal e imagem visual permitem retirar um significado subjetivo da mensagem cinematográfica, ou seja “(...) visual or auditory point of view offers a degree of subjectivity, one we might call perceptual subjectivity (Bordwell e Thompson, 2008: 91).

No campo da publicidade, a imagem de uma marca é transmitida mediante um objetivo e um retorno bastante precisos. Nesta medida, a construção da narrativa é feita de forma sempre intencional (utilizando recursos audiovisuais), de maneira a gerar valores simbólicos sobre a mensagem da marca.

Antes de explanarmos o ato de filmar/realizar imagens e a sua influência na leitura do discurso publicitário, importa antes esclarecer as funções da imagem e a sua relação com o real ou realidade92.

92No primeiro sentido da palavra, ‘real’ significa segundo Jacques Aumont e Michel Marie: “aquilo que existe por si mesmo” e, simultaneamente, “aquilo que é relativo às coisas”. A realidade, por sua vez, “corresponde à experiência vivida que o sujeito faz desse real; pertence totalmente ao domínio imaginário” (2004: 217).

Segundo Arnheim, as funções da imagem assentam em três diretrizes:1) A função simbólica está ligada às representações; 2) A função epistémica está ligada à imagem que acarreta uma informação visual sobre o mundo. Como exemplo, temos o documentário sobre a natureza ou o documentário observacional. Todos estes exemplos contêm imagens e revelam informação, embora de natureza diversa; 3) A função estética prende-se com a finalidade de imagem, como sendo seduzir o destinatário, transmitindo-lhe sensações particulares (cit

in Aumont, 2005: 56-57) .

A terceira função é bem visível na publicidade, nomeadamente nos spots de televisão, na medida em que toda a envolvência do anúncio é estabelecida por meio de pequenos mas importantes detalhes de sofisticada produção, quer sob o ponto de vista cénico quer na ótica da realização, como podemos constatar no anúncio de publicidade alusivo ao perfume “Miss Dior Chérie L’Eau”. 93 Ao longo do anúncio, a marca Dior não surge de modo continuo, no entanto em cada imagem verifica-se uma preocupação estética, evidenciada pelo constante ambiente retro recriado pela realizadora Sofia Coppola. A função estética está também patente nas nuances que marcam esta época de ouro, aqui ilustrada pelos adereços e guarda- roupa utilizados pela modelo, transmitindo uma ideia forte de revivalismo enfatizada ao longo do anúncio. Além desta função, temos ainda reunidas no anúncio as duas funções referidas anteriormente: a função simbólica (as imagem dos balões, da bicicleta e do baloiço que representam a liberdade neste contexto) e a função epistémica (imagens de paisagens, de monumentos e da vivência do quotidiano, semelhante ao ‘postal da cidade’, ou seja, imagens contextualizadoras da ação.

Fig. 1 Spot de TV: Miss Dior Chérie L’Eau

Fig. 2 Spot de TV: Miss Dior Chérie L’Eau

As imagens devem ainda ser observadas como um todo, na medida em que englobam um conjunto de manifestações socializadas, que são, no fundo, convenções que regulam as relações entre os indivíduos. Estas manifestações são transmitidas ao espetador/consumidor através de códigos sonoros, por exemplo. Os códigos poderão estar na analogia entre o som e a imagem, ou na composição da própria imagem.

A sequência das imagens, depois de montadas, deve, por sua vez, traduzir e facilitar a leitura da mensagem audiovisual.

Segundo Aumont e Marie, a imagem tem ainda duas facetas e diversos níveis de significação, ou seja é composta por elementos informativos e os elementos simbólicos (2004: 49). No entanto, esta fronteira nem sempre é clara.

A informação visual sobre um determinado objeto possuí códigos visuais com fronteiras culturais específicas, e simbologias diferenciadas. Nesta medida, trata-se aqui de um exercício permanente de pensar a imagem e da sua consequente tradução bem como dar a conhecer algo que, não sendo óbvio, tem de ser obrigatoriamente familiar, legível e sedutor para o público-alvo.

No campo da publicidade, é comum o aproveitamento das características dos objetos, (como a textura ou a cor) e utilizar essas particularidades como estímulos, trazendo ao destinatário “uma nova fórmula visual” (Galhardo, 2006: 130). A mensagem da marca pode

ainda comunicar-se recorrendo à composição visual para captar a atenção do destinatário, nomeadamente através do desvio relativamente ao uso comum que se faz de um objeto. É através desse deslocamento que o consumidor se depara com a novidade (os três reis magos passeiam-se na praia em calções).

Esta estratégia é utilizada em 2008 no anúncio de televisão da marca TMN - 3 Reis Magos, utilizando as três personagens num ambiente balnear. O objetivo da estratégia consiste numa identificação célere entre as personagens e o consumidor (através dos adereços, que caraterizam os três reis magos). Apesar de se recorrer a uma norma (remeter o consumidor à época natalícia, na qual habitualmente as personagens aparecem), os três reis magos aparecem fora do contexto que usualmente o consumidor conhece. Esta descontextualização fomenta o impacto da mensagem face ao consumidor, além de conotar a marca como sendo algo irreverente, através destes reis magos aqui (re)inventados94.

Fig. 3 Spot de TV: TMN - A Volta dos Reis Magos

Cabe ao realizador escolher o tipo de planos que melhor expressem os estímulos visuais, interessando-nos particularmente o modo como a realização estabelece o diálogo entre a imagem que produz, e ainda a relação que constrói com o espetador.

94 Spot de televisão disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=XsXYT3hHgFQ&feature=rellist&playnext=1&list=PL92DFAF00 B99A1F19.

Para que as emoções possam ser ‘vividas’ pelo consumidor, a forma como se executa cada imagem é determinante para que nasça a aproximação entre o consumidor e o discurso da marca e para que se possa determinar o seu comportamento perante esta. Assim sendo, o instante que revela as personagens, o espaço e os objetos é fundamental para determinar a sua relação com a marca. Importa neste caso definir alguns conceitos cinematográficos e refletir sobre o modo como a escolha do ponto de vista do realizador pode demarcar as emoções do consumidor perante a imagem que se mostra.

Ao elaborar o tipo de plano que melhor comunica uma imagem de cariz publicitário, o realizador deve ter em consideração a posição que cada personagem ocupa dentro do enquadramento, a colocação dos objetos (adereços) no espaço e o modelo de iluminação que pretende executar. Necessita de refletir sobre estes elementos como um todo, e analisar a melhor metodologia a seguir, para que este conjunto de elementos tenha protagonismo e destaque dentro da cena:

[P]ensar un plano es pensar en el decorado, en los personajes, en la interpretación de los actores, en la luz que moldeará los cuerpos y el espacio, que subyugará la geometría o que por el contrario la organizará en gradaciones de sombra e luz, etc. Todas estas operaciones, sin embargo, desembocan en una sola operación: la confrontación de una cámara con un espacio y con los cuerpos que lo ocupan (Siety, 2004: 20-21).

Em publicidade, a seleção de um determinado plano é sinónimo de um simbolismo particular que cada imagem adquire95. Esta associação é descrita por Morin deste modo:

[N]ovos simbolismos se sobrepuseram ao da imagem: o fragmento (grande plano, plano americano, contracampo), o dos acessórios (objetos antropomorfizados, caras cosmomorfizadas), o da analogia (vagas batendo nas rochas, simbolizando o abraço ou a tempestade na alma), (...) (1997: 198).

De um modo geral, o plano tem a capacidade de transferir uma carga simbólica como poder significativo de uma imagem. Nesta lógica, a sequência de planos forma uma cadeia que dá origem a uma narrativa, potenciando as suas particularidades, ao mesmo tempo abstratas e palpáveis (idem).

95O termo ‘plano’ pode também pode ser utilizado “(...) como termo substitutivo aproximativo de ‘quadro’ ou de ‘enquadramento’. É o caso em todo o vocabulário da escala dos planos ou na locução ´plano fixo’ que designa uma unidade de filme durante a qual o enquadramento permanece fixo em relação à cena filmada (...) (Jacques Aumont e Michel Marie, 2008: 197).

Existe uma diversidade de planos que individualmente transportam símbolos, permitindo extrair de cada imagem emoções concretas. Tal como a imagem é polissémica, o termo ‘plano’ também o é na linguagem cinematográfica, referindo-se a três grandes interpretações: a) Assim como a imagem fixa, “a imagem do filme é projetada num espaço plano. Esta superfície tem a designação de plano sendo paralela a planos imaginários distribuídos na profundidade de ilusória representada, ao longo do eixo de filmagem.” (Journot, 2005: 117), indicando-se assim que um determinado objeto se encontra em primeiro plano e outro ainda em plano de fundo; b) Relativamente à escala de planos, a designação de plano está em vez do termo ‘quadro’, dado tratar-se de um volume do objeto inserido no quadro. O quadro está fixo, e a maneira de filmar opõe-se aos movimentos de câmara. Quando temos um plano parado, a imagem encontra-se fixa; c) Por extensão, o termo ‘plano’ refere-se ainda à unidade mais pequena do filme que se situa entre duas colagens (a última interpretação tem um caráter fundamentalmente técnico), sendo que cada plano ao longo da narrativa pode assumir uma interpretação diferente.

Os planos podem ainda ter designações diferentes (plano de pormenor, grande plano, plano de corte, plano sequência, etc.) consoante a função. Nesta medida, iremos definir alguns deles e dar alguns exemplos de planos que consideramos ser recorrentes nos anúncios de televisão96.

Em publicidade é comum a utilização do plano de pormenor, que tem como finalidade enfatizar primordialmente algo que se quer evidenciar, tentando assim provocar no espetador deslumbramento, repulsa, paixão, compaixão, amor ou ódio, por exemplo.

São vários os anúncios nos quais o realizador opta pela utilização deste plano, nomeadamente nos produtos de beleza. Mostrar a pele como elemento vital e de valor incondicional para o público-alvo feminino faz-se inúmeras vezes enfatizando uma parte do rosto, no qual se evidencia apenas um pouco dos olhos, do nariz e parte da boca. Pretende-se com este discurso imagético abordar os sentidos ‘à flor da pele’, engrandecendo o rosto

96O plano de corte é breve e é inserido entre dois planos para garantir a ligação, tendo como finalidade a continuidade visual da narrativa. Por sua vez, o plano sequência corresponde a um plano bastante longo, que possui uma unidade narrativa similar a uma sequência (Marie-Thérèse Journot, 2005: 118). Na parte empírica desta investigação, voltaremos a definir de modo mais exaustivo o significado dos planos na análise dos spots de televisão, assim como o significado de movimentos de câmara, a sua leitura e tradução consequente nas imagens que pretendemos estudar.

como trunfo de beleza capaz de seduzir. Tem igualmente a finalidade de fomentar o interesse do espetador num aspeto concreto da ação:

[e]xtreme close up restricts the amount of visual information to a single subject, or even just an aspect of a single subject, (...) Using an extreme close up to frame a small object or a detail of a character instantly generates the expectation that what is being shown is important and meaningful to a narrative in some way (...) (Mercado, 2011: 29).

Este plano, ao revelar unicamente uma parte do corpo, conforme foi referido no exemplo anterior, pontua um só segmento do corpo e consequentemente desperta e concentra o interesse do consumidor. Esse interesse é mantido ao longo do anúncio que poderá retomar esse plano para demonstrar um efeito prático do produto em causa97.

Fig. 4 Spot de TV: Timotei

Outro dos planos que permite dissecar e transpor facilmente as emoções de uma personagem num spot publicitário é designado por grande plano. Tal como o plano de pormenor, ele traduz a duração de uma emoção, de uma tensão perante uma situação ou um objeto, aumentando ou suavizando a ação.

A título de exemplo referimos a cumplicidade dos ‘dois amantes’ no spot de televisão da marca de perfumes Dior. Trata-se de uma situação comum em publicidade e facilmente

97A título de exemplo podemos referir o anúncio do champô da marca Timotei que utiliza uma imagem da textura do cabelo como fundo à mensagem textual alusiva à qualidade do produto e ao seu efeito efetivo quando usado: “91% more care. 73% less damage”.

Ao escolher este plano a marca coloca em destaque e de uma forma clara a mais valia tangível do produto.

traduzida pela opção do grande plano. O objetivo reside em ‘agarrar’ a atenção consumidor evitando que se distraia ou que disperse o seu olhar com outros elementos do quadro visual98:

[I]n terms of connecting with the audience, the close up is one of the most powerful shots used in visual storytelling, and largely responsible for our love affair with movies. When used on a human subject, its main purpose is to let the audience see small nuances of behavior and emotion, so the shot should be composed in a way that excludes or conceals extraneous visual elements that can potentially be a distraction (Mercado, 2011: 36).

Fig. 5 Spot de TV: Dior - Miss Dior Cherí

Podemos referir como exemplo da utilização de grandes planos o spot de televisão da cerveja Sagres Bohemia com o cantor Luís Represas. Neste anúncio, o realizador recorre algumas vezes aos grandes planos nos momentos mais relevantes do filme99. Quando o cantor interrompe a canção, faz-se uma pausa que é preenchida pela imagem de dois jovens que bebem a cerveja com prazer. Os rostos do cantor e dos jovens são captados pela câmara contendo a emoção contida naquela quebra, que é reforçada por uma frase que surge sobre a imagem a negro “SILÊNCIO, QUE SE VAI BEBER BOHEMIA”. A degustação da cerveja

Sagres Bohemia é conduzida pela realização como um ato solene e sagrado. Este plano

adjuva a relação que se pretende estabelecer entre o objeto e o espetador:

[T]he close-up can bring us into a more intimate relationship with the subjects on the screen than we would normally have with anyone but our closest friends or family. (...) Not only can the close-up reveal the intimate, it can make us feel as if we are introducing on moments

98 Spot de televisão disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2tEXh_PYj3U.

of privacy or sharing a moment of vulnerability – as if the person on the screen has opened himself up to us. (Katz, 1991: 124)

Além do grande plano, o realizador optou ainda pelo plano de pormenor, que funciona para destacar a marca inscrita no copo onde escorre a cerveja para o seu interior. O propósito desta escolha teve duas finalidades. Na primeira pretende-se enfatizar a imagem de produto; na segunda pretende aproximar-se a marca do consumidor.

Em síntese, a forma como se dirige o discurso visual em relação à perceção da mensagem publicitária é claramente uma ação que (nos) é imposta pelas opções da realização, ou seja, pela seleção de planos que codificam a imagem e dirigem o olhar do consumidor. Por outras palavras, a planificação do realizador determina o posicionamento da marca e a sua relação com o público-alvo.

[E]l sistema de planificación implica que el director imagina, concibe, diseña, describe e incluso dibuja cada imagen que ha resultar, materializarse como secuencia (...). (Barroso, 2008: 288).

O próximo ponto fará uma alusão, ainda que breve, à pertinência de ‘adereçar’ a imagem de uma marca como processo de significação da mensagem publicitária.