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3.7 QUATRO APRECIAÇÕES CRÍTICAS

3.7.4 A insuficiência das críticas precedentes – a visão da regulação responsiva

A teoria da regulação responsiva, como visto, propõe uma modelagem regulatória de incentivo a comportamento virtuoso e cooperativo do agente econômico. Parte da presunção de que se deve dar a possibilidade ao agente regulado de praticar uma autorregulação vigiada, tendo em vista a ameaça crível de punições severas e até mesmo incapacitantes (caducidade da concessão, por exemplo).

Para facilitar a crítica que a teoria responsiva poderia oferecer à atual sistemática dos bens reversíveis, recapitular-se-á, em breves tópicos, suas bases, confrontando-as com a regulamentação atual.

 A crítica fundamental: inexistência de modelagem regulatória.

Como foi amplamente visto, para a teoria responsiva, a resposta regulatória ótima advém, antes de tudo, de uma modelagem de sanções e estratégias, escalonadas de forma que se possa sempre subir (implicando maior intervenção) ou descer (significando abrandamento

da posição interventiva) uma pirâmide regulatória de acordo com o comportamento da firma e/ou necessidades sociais.

Analisando a problemática dos bens reversíveis no setor de telecomunicações, ficou patente sua íntima conexão com o princípio da continuidade, ou seja, o que se pretende resolver com o instituto dos bens reversíveis é o risco de descontinuidade do serviço prestado em regime público.

Pela sistemática atual, tanto dos legados históricos concernentes à concessão de serviços públicos quanto a prática no setor de telecomunicações, a reversão dos bens é que garante a continuidade. Assim, é o patrimônio da concessionária, seus bens, que garantem a continuidade do serviço público. Mas, na ótica teoria responsiva da regulação, o que garantiria a continuidade do serviço seria a modelagem regulatória.

Quando formulada a solução do problema nesses termos, entende-se que a legislação atual, encampada pela Anatel, substituiu modelagem regulatória inteligente pelo rol de bens reversíveis. Esta parece ser a crítica fundamental à situação hodierna e muitos dos problemas que se encontram presentes atualmente decorrem justamente da falta de modelagem, uma vez que as respostas regulatórias aos problemas que surgem são, muitas vezes, ad hoc, casuísticas, podendo agravar os problemas. Assim, quando confrontada com a análise do TCU de que não estava acompanhando corretamente os bens reversíveis, a resposta da Anatel foi endurecer sua concepção sobre o conceito de bens reversíveis, ou meramente exigir outra lista quase interminável com todos os bens reversíveis (lista essa que dificilmente pode ser verificada, em sua veracidade).

 Regulação command and control e suas consequencias no caso específico

A mera descrição de como se dá a regulamentação dos bens reversíveis leva à inelutável conclusão de que ela nada mais é do que uma aplicação clássica da regulação tipo “command and control”. Nessa lógica, a resposta regulatória é: dadas as normas legais e regulamentares, criam-se cláusulas contratuais prevendo a existência de bens reversíveis e, em seguida, deve- se formar a lista com os milhares de bens, a ser fiscalizada com pesadas sanções. Ocorre que isso gera as seguintes consequencias:

o Ausência de cooperação/consensualidade/finesse

Concede-se ao regulado, de fato, uma mínima cooperação: indicar quais os bens, sendo essenciais à prestação do serviço, são de fato bens reversíveis. Obviamente, não é uma cooperação que vai ao âmago da decisão regulatória; trata-se de algo muito mais mecânico e passivo, quase como uma cooperação de alguém que paga determinada quantia após ser multado.

Em outras palavras, é regulação com conteúdo quase que inteiramente determinado pela Lei, sem construção conjunta de parâmetros e metas. Ademais, a mesma norma é indistintamente aplicada a todas as situações (regulação “one size fits all”).

o Ausência de indução a comportamentos virtuosos e recrudescimento de litigância, levando à quebra de confiança.

Como consequência direta da regulação pouco responsiva e consensual, cria-se um ambiente em que o regulado se acha injustiçado pela duras normas da Anatel, ao passo que esta julga que o regulado só tem interesse em lucrar e não em cooperar, recrudescendo as sanções e mesmo as normas e suas interpretações. Tem-se, portanto, que o regulado não é motivado a cooperar, a atuar virtuosamente em relação ao regulador e à sociedade. É o jogo de gato e rato descrito por Ayres e Bratihwaite em toda a sua força de expressão.

Quebra-se, assim, a relação de confiança que deveria existir entre regulador e regulado, confiança essa um elemento essencial para a boa resposta regulatória.

o Inexistência de sequenciamento de instrumentos regulatórios.

O único instrumento para se garantir a continuidade do serviço público é o instituto da reversibilidade de bens, no modelo atual. Isso é próprio da rigidez da regulação comando e controle. Por isso que, se há uma “crise” no uso desse instrumento, o sistema todo parece

entrar em crise. Daí as críticas de que se viu cercada a Anatel por todos os lados quando, começando a se vislumbrar o final do prazo das concessões, temeu-se eventual imprestabilidade dos bens reversíveis.

A teoria responsiva, para justamente evitar a falha regulatória quando um instrumento não responde adequadamente, propõe uma modelagem prevendo um sequenciamento de instrumentos complementares e sucessivos: quando um falhar em determinada situações, pode-se utilizar o outro.

o Ausência de diálogo, gerando assimetria de informação

Foi visto que um dos grandes benefícios da cooperação é a geração de informações para o regulador; muitas vezes, o regulado está mais bem posicionado para conhecer a fundo determinada situação do que o próprio regulador; o caso dos bens reversíveis fornece um exemplo nesse sentido.

De fato, percebe-se que, partindo do conceito de bem reversível como o bem essencial para a continuidade do STFC, deve-se indagar, concretamente, se tal ou tal bem é necessário para o serviço. Além de individualizar o bem, deve-se identificá-lo na sua multiplicidade. Por exemplo, trata-se de um tipo de estação de comutação? Quantas são? E em que condições estão? Onde estão? Qual o seu valor? O fato é que, em casos quetais, o regulador termina-se baseando quase que por completo nas informações da firma regulada, para o que uma relação dialógica contribuiria muito.

 Ausência de terceiros na implementação institucional da Agência

Um dos pilares da regulação responsiva, e ainda mais no seu desenvolvimento pela “smart regulation” de Neil Gunningham, é certamente a participação de terceiros no processo regulatório. Elemento fundamental de equilíbrio nas relações entre regulador e regulado, trazendo vozes por vezes dissonantes, por vezes consonantes, mas sempre com o intuito de fiscalizar a atuação regulatório para não deixar a cooperação degenarar em captura, o “tripartismo” está, em grande parte, ausente da regulamentação atual no caso de bens reversíveis.

Obviamente, e como em todo procedimento normativo, alterações regulamentares são submetidas a Consultas Públicas; também é possível a realização de audiências públicas; mas não está aí a essência do Tripartismo, que é colocar um terceiro, selecionado, na mesa de negociação para construção mesma da regulamentação. Não participando da modelagem, o terceiro não possui tanto interesse no sucesso do ambiente regulatório, podendo-se mais facilmente comportar como o PIG zeloso.

 Pouca importância dada à licença social (para o bem e para o mal da empresa)

Em um dos tópicos do segundo capítulo, viu-se que, além da licença regulatória, existem as licenças econômica e social. A regulação comando e controle termina emprestando pouca voz à licença social, que poderia exercer uma boa pressão reputacional ou mesmo sobre o órgão regulador no caso de adoção da regulação responsiva.

 Violação, em geral, dos princípios de design regulatório propostos

Enfim, a regulamentação atual viola, de uma maneira geral, os princípios que devem ser observado para uma boa regulação, quais sejam:

o O de que se deve preferir uma abordagem que misture instrumentos complementares a instrumentos individuais;

o O de que se deve privilegiar a virtude da parcimônia: medidas menos intervencionistas devem ser preferidas para alcançar os resultados;

o O de que se devem perseguir os objetivos utilizando uma resposta escalada por meio de uma pirâmide de instrumentos regulatórios (tanto de estratégias quanto de sanções);

o O de que se deve capacitar terceiros para atuar, de forma selecionada, mas à maneira de um mercado contestável, na construção de soluções regulatórias; o O que se deve procurar soluções regulatórias que maximizem oportunidades de

encorajando-se atitudes que vão "além da conformidade" exigida normativamente;

Exposta, então, a crítica sobre a regulamentação atual dos bens reversívies sob a ótica da regulação responsiva, resta, para concluir o trabalho, apresentar uma proposta que pudesse seguir as linhas desta modelagem regulatória.

3.8 UMA PROPOSTA PARA PRESERVAR A CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DO

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