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A teoria da regulação responsiva (Responsive Regulation) foi formulada, inicialmente, em 1992, no livro Responsive Regulation, de Ian Ayres e John Braithwaite, autores americano e australiano, respectivamente. O livro foi seminal por consolidar uma visão que já vinha sendo debatida e discutida por outros estudiosos, mas que necessitava de uma apresentação orgânica e coerente, numa visão de conjunto. Posteriormente à sua publicação, aperfeiçoamentos foram introduzidos e sua aplicação aos mais variados setores regulados estendida, inclusive quanto à possibilidade de sua aplicação aos países em desenvolvimento.

De antemão, é necessário salientar que a teoria responsiva não repousa sobre argumentos ideológicos acerca do gigantismo do Estado, ou de sua tirania sobre os particulares. Ela procura, tão somente, compreender o melhor a ser feito em termos regulatórios, com base em dados empíricos e por meio de análise jurídica e econômica.

Essa premissa é importante porque não é incomum assumir que as manifestações a favor de uma retirada do Estado do papel de prestador de serviços advenham daqueles que postulam um Estado mínimo, por exemplo. Nesse passo, traz-se à colação interessante estudo207 que afirmou que o direito administrativo nos EUA tem sido envolvido em um projeto de reforma regulatória há décadas, abrangendo um afastamento da abordagem de comando e controle para outras que são mais orientadas mais ao mercado, com natureza mais gerencial, participativa e de autorregulação na sua concepção, em linha com o que já foi argumentado.

Por meio de uma análise de conteúdo dos quase 1.400 artigos publicados em Law Reviews americanas tratando da crítica regulatória, entre os anos de 1980 e 2005, Jodi Short mostrou que as críticas mais salientes à regulação não se originam de uma preocupação com o seu custo ou sua ineficiência, como muitos têm assumido. Em vez disso, os críticos expressam, sim, uma ansiedade profunda sobre a natureza fundamentalmente coercitiva da regulação estatal, seu caráter pouco cooperativo, participativo, marcadamente unilateral208.

Suas conclusões mostram que o debate de abordagens regulatórias que conferem maior participação aos atores privados de fato parte de premissas contra a presença do Estado; também os que clamam pela maior participação dos particulares para executar o que antes era considerado função governamental, como o estabelecimento de normas, monitoramento e fiscalização de empresas reguladas, estão assentados na mesma premissa. Short argumenta, assim, que o enquadramento do problema regulatório como um problema envolvendo o poder coercitivo do Estado foi o que criou uma lógica adequada para soluções mais participativas e colaborativas, que promete maneiras não coercitivas (ou menos coercitivas) de regular.

Entretanto, deve-se observar que postular maior ou menor participação do Estado pode decorrer de ao menos duas visões de mundo: uma puramente ideológica, que prega a abstenção pura e simples do Estado, porque lhe predica somente características negativas, ou de uma visão ancorada na realidade social, que vem enfrentando mudanças ao logo do tempo, como visto.

207 SHORT, Jodi L. The paranoid style in regulatory reform. 63 Hastings L.J. 633, 2012. 208 Idem, ibidem, p. 633.

Em suma, não se trata de assumir, aprioristicamente, ou ideologicamente, que o Estado é ineficiente, ou que seu papel regulatório deve ser diminuído porque não cabe ao Estado adentrar questões que envolvam a iniciativa privada; trata-se de reconhecer que a regulação baseada puramente, ou quase totalmente, na ideia de coerção vai de encontro à percepção da realidade hoje prevalente mesmo no campo jurídico e social, como demonstrado por Black no capítulo anterior209.

Após esclarecer essa breve premissa, volta-se à explanação da teoria responsiva. O propósito central do livro de Ayres e Braithwaite foi oferecer uma teoria que fosse uma alternativa ao debate regulatório do momento em que ele surgiu, debate esse que se centrava entre as opções de regulação command and control, por um lado, e desregulação, por outro. As duas visões de mundo regulatórias, não raro impulsionadas por visões políticas, também propunham um dilema: ou se escolhe a liberdade do mercado ou a regulação governamental, sinônima, esta última, de intervenção estatal na vida privada210.

No regime de regulação “comando e controle”, os reguladores fixam normas sobre determinadas atividades (comando) e usam as normativas para proibir o comportamento das entidades reguladas que não estão em conformidade com estas normas (do controle). Seus defensores afirmam que essa forma de regulação cria uma plataforma estável para os participantes, uma vez que tanto os parâmetros operacionais controlados quanto as obrigações de conformidade comandadas estão dispostos e previstos de antemão211.

A desregulação, por outro lado, aponta as ineficiências da regulação estatal. Tomando por base teorias econômicas acerca dos mercados eficientes, seus defensores concluem que a regulação e as falhas de governo engendram piores resultados econômicos do que os acarretados pelas falhas de mercado (market failures). Propõe-se, portanto, a desregulação, a liberalização e a abertura da economia para permitir que os preços pudessem formar-se livremente. Dessa forma, os atores privados, sem as amarras de regras regulatórias, produziriam melhores em termos econômicos num estado competitivo212.

209 Idem, ibidem, 634.

210 AYRES, I.; BRAITHWAITE, J. Responsive regulation: transcending the deregulation debate. Oxford, UK: Oxford University Press, 1992, p. 3.

211 O’SULLIVAN, K.P.V.; FLANNERY, Darragh J. A discussion on the resilience of command and control regulation within regulatory behaviour theories. Set. 1, 2011, p. 4. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1927500> Acesso em: 28.11. 2016.

212 SANT’ANA, Diogo de. Estado, direito e produção de alimentos: análise a partir do “ponto de estrangulamento” no setor de fertilizantes. 2012. Tese (doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 76. Disponível em: <http://goo.gl/7Hlxtn> Acesso em: 13 abr. 2016.

Jacente a toda e qualquer noção de proteção ou promoção da concorrência reside um consenso “com relação à eficiência de alguns mecanismos e atributos de mercado”213, ou seja, que em algumas situações, as próprias forças de mercado conduzem a um resultado satisfatório do ponto de vista do bem-estar social. A concorrência é um desses elementos, presente nas economias de mercado, que podem servir de instrumento para atingimento de fins de ordem pública. A competição assim, presumivelmente, aumentaria o bem-estar do consumidor, por gerar um melhor arranjo alocativo tanto da eficiência quanto dos fatores de produção.

O propósito maior da teoria responsiva é uma superação dessa visão quase maniqueísta da realidade, de modo a uni-las, em modelagem que alguns poderiam reputar contraditória, mas que se apresenta, na verdade, como tentativa de aproveitar os melhores elementos de cada uma das posições, deixando de lado suas fraquezas.

Os autores afirmam textualmente no começo do livro:

“A boa análise política não trata de escolher entre o livre mercado e regulação governamental. Nem se trata, simplesmente, de decidir o que a lei deveria proibir. Se aceitarmos que a boa análise política gira em torno da compreensão da regulação privada  por associações da indústria, por empresas, e por consciências individuais  e como ela é interdependente da regulação estatal, então possibilidades interessantes surgem para orientar a mistura de regulação pública e privada. É esta combinação, esta interação, que funciona para auxiliar ou solucionar o problema da política. Os participantes de ambos os lados enquadram o debate sobre a desregulação como uma espécie de escolha política do tipo “Live Free or Die”. Mesmo os amantes da liberdade podem, razoavelmente, perguntar-se se uma terceira alternativa não existe. Este livro é sobre a propor essa alternativa. Argumentamos que, trabalhando de forma mais criativa com a interação entre a regulação pública e privada, o governo e os cidadãos podem projetar melhores soluções políticas”.214

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