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Apesar de bem-aceita e difundida, a teoria sofreu, naturalmente, algumas críticas. Baldwin, Cave e Lodge enumeram algumas em seu trabalho sobre regulação. Assim, eles afirmam que escalar a pirâmide, passo por passo, pode não ser a melhor abordagem em algumas circunstâncias; que, muitas vezes, depois de ter escalado a pirâmide, é difícil descer novamente a um regime de maior liberdade, que utilizar-se da estratégia do “tit for tat” de forma generalizada pode não ser produtivo, pois muitos não vão ser responsivos aos reclamos do regulador, até porque, muitas vezes, a comunicação é falha e, por fim, que a regulação não é um jogo somente de duas partes (regulador e regulado), mas algo bem mais complexo do que isso283.

Quanto às duas primeiras críticas, entende-se que ambas atacam, não a essência da regulação responsiva, mas sua operacionalização, que deve ser aperfeiçoada ao longo do tempo, com a experiência do regulador e o refinamento das estratégias regulatórias.

Em relação à crítica de assumir a cooperação dos regulados, Ayres e Braithwaite deixam bem claro, ao longo do trabalho, que se deve estar atento ao mercado, deve-se conhecer o mercado profundamente, para se saber qual a melhor estratégia a ser adotada. Como visto, eles, inclusive, mencionam que se deve observar o grau de autorregulação que as firmas praticam para decidir o curso de ação; advogam a participação de terceiros no processo regulatório, de forma que é mais difícil se enganar na estratégia regulatória; com os

281 DIAS, Edna Cardozo. Gestão ambiental e certificação. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 2, n. 11, set./out. 2003. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx? pdiCntd=10962>. Acesso em: 20 jun. 2016.

282 GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Integrative Regulation: A Principle-Based Approach to Environmental Policy. 24 Law & Soc. Inquiry 853 1999, p. 866, p. 866.

283 BALDWIN, R., & CAVE, M. Understanding regulation: theory, strategy, and practice. 2 ed., Oxford, Oxford University Press, 2012, pp. 260-263.

balizamentos trazidos pela smart regulation (circuit brakers e buffer zones), poder-se-ia ganhar em agilidade na tomada de decisões. De toda forma, ainda que se começasse adotando a estratégia errada (o que é possível, dada a complexidade do mercado), o regulador teria como, depois, tomar medidas extremamente duras contra aquele que abusou da boa-fé do regulador.

Por fim, quanto à crítica de que a regulação é não é um jogo de somente dois atores, entende-se que Ayres e Braithwaite trabalham com um cenário bem mais complexo no livro sobre a teoria responsiva. De fato, eles até advogam enxergar as firmas não como uma unidade, mas um complexo de atores, alguns querendo cooperar e outros não; a mesma coisa fazem com os Public Interest Groups. O aperfeiçoamento trazido pela smart regulation, de escalar a pirâmide, também, na face dos “terceiros” mostra como a teoria pode lidar com cenários complexos.

Entende-se, portanto, que, conquanto não imune a críticas, a teoria responsiva resiste a elas e consegue se adaptar aos mais diversos cenários regulatórios. Mas resta, ainda abordar uma crítica particular a ela. Trata-se da crítica referente à impossibilidade de sua aplicação nos países em desenvolvimento284.

Alguns argumentaram que os países em desenvolvimento têm, na sua maioria, menor capacidade regulatória que os desenvolvidos. Essa capacidade regulatória diminuída é moldada por duas constatações: por um lado, afirma-se que o regulador não detém força política suficiente para carregar uma big gun como ameaça crível contra grandes corporações econômicas; por outro, os órgãos reguladores de países em desenvolvimento não estão aparelhados, em termos quantitativo (número de pessoal) e qualitativo (formação dos reguladores) para poder aplicar corretamente a teoria responsiva, com suas nuances de equilíbrio entre fiscalização, persuasão, diálogo, punição, escalada e descida da pirâmide etc.

A resposta à primeira constatação é a necessidade da regulação em rede. Segundo Braithwaite, “vivemos em uma era de governança em rede” e, por isso, ele defende a importância central de terceiros, particularmente organizações da sociedade civil, que devem ser diretamente envolvidos na supervisão aplicação da regulamentação. A atuação em rede, aqui, significa uma estreita cooperação entre os órgãos, estatais ou não, para os objetivos comuns, inclusive com compartilhamento de informações e responsabilidades285.

284 BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies. World Development Vol. 34, No. 5, 2006, p. 884.

Além de auxiliar nessa fiscalização, as organizações da sociedade civil ajudam a construir ou destruir reputação de empresas reguladas. Podem organizar boicotes de consumidores, publicam ranking de qualidade em suas páginas na Internet, divulgam as empresas com maior número de reclamação, entre outras práticas chamadas por ele de naming and shaming. A Regulação Responsiva, portanto, concebe tais organizações como entidades que desempenham papel de fundamental importância no ambiente regulatório286.

Nesse passo, deve-se tomar o cuidado para não se cair naquilo que se convencionou denominar de compliance trap. Como já se viu aqui, a teoria responsiva visa evitar o que se chamou de deterrence trap. Quanto a essa última, a literatura acadêmica sobre a fiscalização e cumprimento das obrigações sugere que muitas vezes não se consegue melhorar o nível de cumprimento das regras porque a dissuasão à infração é insuficiente. A deterrence trap significa que as penas para o descumprimento de regras podem ou não ser grandes o suficiente para impedir a má conduta ou ser tão grandes que excedem a capacidade dos regulados de cumpri-las287.

Como se viu, abordagens como a da teoria responsiva tentam evitar essa armadilha na medida em que procuram dosar a pena de acordo com a gravidade da conduta. Entretanto, é preciso tomar cuidado para que uma ênfase exagerada não seja dada a alguns elementos em detrimento de outros. Em particular, abordagens como a da teoria responsiva estarão muito preocupadas com a identificação e impacto de diferentes abordagens, com o rito processual a ser seguido, com a necessidade de se ter atitudes diferentes para cada situação e, também, com o fato de que os reguladores (e empresas) devem ter a inteligência (emocional também) de forma coerente e levar às empresas a um compliance efetivo288.

Em outras palavras: a regulação responsiva não é meramente uma questão de técnica, estilo, ou habilidade, fatores que podem ser controlados pelo regulador. Em última análise, sendo certo que pode haver algo que leva o regulador responsivo a escalar a pirâmide de sanções, há uma probabilidade de haver conflitos entre os atores regulados e o regulador sobre a substância da lei, sua aplicação em determinados contextos bem como à gravidade moral do dano social causado pela sua violação289.

286 Idem, ibidem, p. 891.

287 PARKER, Christine. The "compliance" trap: the moral message in responsive regulatory enforcement. 40 Law & Soc'y Rev., n. 591, 2006, p. 2.

288 Idem, ibidem, p. 16. 289 Idem, ibidem p. 17.

E é nesse ponto que entra a compliance trap, ou armadilha da compliance. Essa armadilha revela a instabilidade moral e política das estratégias regulatórias na eventual ausência de apoio político e democrático amplo. Para que a regulação responsiva seja possível, os reguladores devem evitar essa armadilha, e deter a capacidade de convencer as pessoas e a sociedade de que as infrações regulamentares representam violações a valores compartilhados tão caros (ou quase tão caros) à sociedade como os valores que o Direito Penal busca proteger290.

Por isso, Braithwaite291 coloca uma espécie de anexo em sua teoria da regulação responsiva: os reguladores têm de estar trabalhando com uma lei “justa”  caso contrário, a maioria das atividades na parte inferior da pirâmide terá de ser diálogo sobre se a lei é justa ou não. Segundo Parker, presumivelmente, ele quer dizer não só que a lei deve ser justa, mas que deve ser reconhecida como justa (ou moralmente adequada e democraticamente apoiada), para que a pirâmide de regulação responsiva possa promover o cumprimento da regulamentação em vez de criar conflito. Esse anexo deve ser impresso em letras garrafais em cada página de discussão acadêmica ou em cada orientação para as políticas responsiva de regulação de atividades econômicas292.

Assim, como, na visão de Braithwaite, os países em desenvolvimento poderão lidar com o problema de falta de poder político para fazer o trabalho da regulação responsiva? Por meio da escalada na pirâmide, não necessariamente em termos de aumento da intervenção do Estado, mas mais em termos de escalada em rede com os reguladores não estatais.

Dessa forma, os atores mais fracos podem tornar-se mais fortes atuando em rede com outros atores. Em um mundo de conexões em rede entre os atores, portanto, para adquirir-se força política, é preciso não sentar à espera do crescimento de seu próprio poder (por meio da aquisição de mais riqueza ou mais armas de fogo, por exemplo), mas sim conectar-se em rede com aqueles que detêm um poder que o regulador, sozinho, não pode deter293.

Quanto à falta de capacidade regulatória por ausência de pessoal ou de sua qualificação, Braithwaite sugere que seja instituído um sistema de recompensas de agentes privados que auxiliassem o Poder Público na fiscalização de infrações e delitos de empresas

290 Idem, ibidem, p. 17.

291 BRAITHWAITE, John Bradford. Restorative justice and responsive regulation. Oxford, UK: Oxford Univ. Press, 2002, p. 30.

292 Idem, ibidem, p. 30.

293 BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies. World Development Vol. 34, No. 5, 2006, p. 892.

reguladas. Esses agentes seriam remunerados por um prêmio proporcional ao que ajudassem a recuperar aos cofres públicos. Obviamente, no Brasil, por envolver repasse de recursos públicos a particulares, deveria haver a observância de uma séria de condicionantes, inclusive de nível legal294.

A ideia de Ayres e Braithwaite é amparada, também, por pesquisas em outros campos. Na seara do Direito do Trabalho, por exemplo, de acordo com o estudo de Estlund295, nos Estados Unidos, o alcance da negociação coletiva diminuiu nas últimas décadas, e o domínio do direito trabalhista  ou seja, de direitos individuais judicialmente ordenados, decididos, e de normas reguladoras administrativamente forçadas  tem se expandido. Em ambas as situações, tem-se visto deferência cada vez maior ao que ela denominou de “ascensão da autorregulação do empregador”: penetração mais intensa de sistemas internos que regulam a aplicação dos direitos e fornecem padrões regulamentares a serem obedecidos, juntamente a incentivos legais para a autorregulação sob a forma de supervisão pública ou sanções.

Nesse cenário, corre-se o risco de empregados perderem sua voz institucional. O esforço acadêmico e de política regulatória deve ser, portanto, nesse passo, não o de combater o movimento em direção à autorregulação  o que, segundo Estlund, é tanto inexorável quanto potencialmente promissor  mas sim o de canalizar esse movimento, de modo tanto a fortalecer os direitos dos trabalhadores e as normas de trabalho, quanto para dar aos funcionários uma voz mais forte em seus próprios locais de trabalho296.

Qual a solução para o Direito do Trabalho, segundo ela? Baseando-se na teoria responsiva da regulação, ela enxerga que monitores externos  atuando de forma independente em relação aos empregadores, mas responsáveis perante os funcionários e o público  como desempenhando um papel central em um sistema de autorregulação monitorada. Os funcionários desempenham papéis coadjuvantes, mas essenciais, como denunciantes, informantes e “cães de guarda”; e a fiscalização e os processos judiciais, taticamente orientados, terminam por fornecer muito do ímpeto para a efetiva autorregulação297.

Nessa senda, importante destacar o “Programa de proteção e incentivo a relatos de informações de interesse público” que havia sido inserido pelo Deputado Onyx Lorenzoni ao

294 Idem, ibidem, p. 894.

295 ESTLUND, Cynthia. Rebuilding the law of the workplace in an era of self-regulation, 105 Colum. L. Rev. 319, 2005, p. 319.

296 Idem, ibidem, p.320. 297 Idem, ibidem, p. 321.

PL 4.8050/2016 (conhecido com o PL das 10 medidas contra a corrupção). Após afirmar, no relatório de seu substitutivo, que os programas de whistleblower constituem das mais importantes ferramentas contra a corrupção. Por meio do programa, o reportante seria incentivado a fazer denúncias contra casos de corrupção a uma Comissão de Recebimento de Relatos, que as trataria, se houvesse um mínimo embasamento, mantendo anonimato. O substitutivo, também, trazia uma medida de incentivo aos relatos, por meio de um programa de retribuição que não oneraria o Estado, baseado nos valores de danos ressarcidos e multas aplicadas aos infratores298.

De toda maneira, segundo a concepção de Braithwaite, a maneira mais eficaz de canalizar recursos suficientes para a prevenção de infração é tornar a sua fiscalização tão rentável como seria rentável o cometimento de infrações.

Dessa forma, seria possível que a teoria responsiva da regulação fosse aplicada mesmo em países em desenvolvimento com as características por ele mencionadas.

Já Gunningham e Sinclair afirmam que, em, pelo menos, duas situações, a adoção da teoria responsiva não seria recomendável. A primeira envolve o caso da existência de riscos de danos sérios e irreversíveis, pois a existência de uma resposta gradual do regulador, ínsita à essa teoria, aumentaria muito o risco de um desastre: uma usina nuclear pode já ter explodido, espécies ameaçadas de extinção, extirpadas de nosso planeta. E isso antes que o regulador tenha tido a chance de escalar a pirâmide regulatória de sanções299. Vê-se que, nesse ponto, sua posição difere diametralmente e literalmente da de Ayres e Braithwaite, mas, por prudência, entende-se que a razão está com Gunningham e Sinclair, no caso.

A segunda situação que não recomendaria o uso da regulação responsiva é quando não ocorrem seguidas interações entre regulador e regulado. Somente a continuidade de interações é que torna factível começar com uma abordagem menos intervencionista e escalar a pirâmide. De fato, a regulação, para ser responsiva, pressupõe contínua análise do comportamento do regulador, monitoramento diuturno de suas ações para ver se está cumprindo seu dever. Se o contato entre ambos é episódico, os autores afirmam que uma abordagem mais intervencionista pode ser, de antemão, necessária.

298

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1509814&filename=SBT+3+PL4850 16+%3D%3E+PL+4850/2016. Acesso em 9.1.2017.

299 GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Integrative Regulation: A Principle-Based Approach to Environmental Policy. 24 Law & Soc. Inquiry 853 1999, p. 871.

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